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Mecânica Estatístitica Generalizada

No documento Entropia estatística de sistemas abertos (páginas 36-41)

A mecânica estatística deve ser completamente consistente com a fenomenologia da termodi- nâmica. A fim de uma exposição mais clara e direta do que os enunciados usuais das leis da termodinâmica, foram feitas várias tentativas para enunciar a termodinâmica por meio de postu- lados ao invés de leis fenomenológicas.

Boa parte deste trabalho foi desenvolvido por Caratheodóry e Tisza e consolidados por Callen na forma dos seguintes postulados:

Postulado I Existe um estado particular chamado de estado de equilíbrio.

Postulado II Existe uma função 𝑆 dos parâmetros extensivos do sistema, chamada de entropia, definida para todos os estados de equilíbrio, tal que neste estado a entropia alcança seu valor máximo

Postulado III A entropia de um sistema composto é aditiva sobre os subsistemas consti- tuintes. A entropia é diferenciável e é uma função monotonicamente crescente da energia.

Postulado IV A entropia vai a zero, quando a temperatura alcança o zero absoluto. Estes postulados não emergem como uma prova das leis da termodinâmica e nem o oposto,apenas tentam reproduzir seu significado de uma maneira lógica.

Algumas consequências destes postulados do ponto de vista termodinâmico, são que:

1. Os postulados II e III são usualmente tomados como enunciados da Segunda Lei da termo- dinâmica. Contudo, a segunda lei da termodinâmica não requer a aditividade da entropia, pois isto implica diretamente que a energia interna é a soma da energia de cada uma dos subsistemas, excluindo assim qualquer tipo de sistema interagente, dado que neste caso a energia total deve incluir a soma dos termos de interação.

2. O postuladoIV é uma reprodução da terceira lei, conforme enunciada por Planck, e carrega o mesmo problema em nos fornecer informação sobre qualquer particularidade do estado fundamental de um sistema físico.

Se a entropia estatística tem o intuito de reproduzir o comportamento termodinâmico, de acordo com esta formulação, ela deve ser sempre aditiva, mesmo para sistemas interagentes, o que reduz a formulação baseada na Entropia de Boltzmann-Gibbs-Shannon-Von Neumann um caso particular de uma teoria mais geral. Ou seja, teríamos que aplicar o princípio de máxima entropia a uma forma mais geral de entropia, que em algum limite recuperaria as entropias usuais, mas que fosse aditiva mesmo para sistemas correlacionados. Isto implica dizer, que estamos modificando o postulado da aditividade, da mesma forma que fizeram Rényi ou Daróczy com as métricas de informação generalizadas, e a partir daí construir uma mecânica estatística.

Em 1988, Constantino Tsallis, propôs uma mecânica estatística baseada no funcional de en- tropia idêntico ao de Daroczy, porém obtido via uma outra rota, inspirada nas expressões para sistemas físicos com caráter fractal, que ficou conhecida como Mecânica Estatística Não Extensiva ou Estatística de Tsallis.

O objetivo fundamental é construir uma termoestatística que seja sempre aditiva. Isto é, sabemos que a entropia de Boltzmann Gibbs não é adtiva para sistemas com dimensões fractais, dissipativos, fortemente correlacionados ou sistemas com interações de longo alcance. Isso se deve ao fato que ao calcular a energia desses sistemas, a energia total será a soma da energia de cada um dos componente, mais a energia associada aos termos de interação. Então, utilizando uma entropia dependente de um parâmetro, poderia-se em princípio obter um modelo mínimo, partindo do princípio de maximização da entropia e encontrar um valor do índice ajustável tal que essa entropia seja aditiva.

A proposta de generalização da mecânica estatística segundo Tsallis é baseada nas propriedades da q-Entropia:

𝑆𝑞 = −𝑘𝑇

𝑇 𝑟(𝜌𝑞) − 1

𝑞 − 1 (2.4.1)

que no limite 𝑞 → 1, recupera a entropia usual.

De imediato, nota-se que a entropia não é aditiva para sistemas descorrelacionados:

𝜌 = 𝜌(𝐴)⊗ 𝜌(𝐵) (2.4.2) temos que: 𝑆𝑞(𝐴 + 𝐵) = 𝑆𝑞(𝐴) + 𝑆𝑞(𝐵) + (1 − 𝑞) 𝑘𝑇 𝑆𝑞(𝐴)𝑆𝑞(𝐵) (2.4.3)

e a aditividade é recuperada no limite 𝑞 → 1. Ao romper com a aditividade, estamos dizendo de imediato que o sistema de estudo não está isolado. Quanto à notação, vamos escrever a entropia

da seguinte maneira: 𝑆𝑞 = −𝑘𝑇 1 −∑︀ 𝑖𝑝𝑞 𝑞 − 1 = −𝑘𝑇 ∑︁ 𝑖 𝑝𝑞𝑖𝑙𝑜𝑔𝑞𝑝𝑖 (2.4.4) ou na forma quântica 𝑆𝑞 = −𝑘𝑇𝑇 𝑟(𝜌𝑞𝑙𝑜𝑔𝑞𝜌) (2.4.5)

que define o q-logarítimo:

𝑙𝑜𝑔𝑞(𝑋) =

𝑋1−𝑞− 1

1 − 𝑞 (2.4.6)

Aplicando o princípio de maximização da entropia à entropia de Tsallis com os vínculos de um ensemble canônico, obtemos o “ensemble canônico generalizado”.

Vínculos:

⟨𝐸⟩ = 𝑇 𝑟(𝜌𝑞𝐻) (2.4.7)

𝑇 𝑟(𝜌𝑞) = 1 (2.4.8)

obtemos o operador densidade generalizado:

𝜌𝑞 = [1 − (1 − 𝑞)𝛽𝑞𝐻]

1 1−𝑞/𝒵

𝑞 (2.4.9)

onde 𝒵𝑞 é a função de partição generalizada

𝒵𝑞 = 𝑇 𝑟(𝜌𝑞) (2.4.10)

Existe muita controvérsia a respeito da melhor maneira de colocar o valor médio no contexto da estatística de Tsallis. Contudo, me parece inadequado tomar o valor médio de outra forma somente para satisfazer uma nova entropia, pois a definição de valor médio e operador densidade independe do funcional de entropia, extensividade ou qualquer outra motivação apresentada para as entropias generalizadas.

É possível provar que a conexão com a termodinâmica é obtida através da seguinte prescrição para a energia livre em termos do q-logarítimo, usando que.

𝑈𝑞 = − 𝜕 𝜕𝛽𝑞 𝑍1−𝑞 𝑞 − 1 1 − 𝑞 , (2.4.11)

aplicando uma transformação de Legendre temos que

𝐹𝑞 = −𝑘𝑇𝑇

𝒵1−𝑞

𝑞 − 1

1 − 𝑞 = −𝑘𝑇𝑇 log𝑞𝒵𝑞, (2.4.12)

e as funções termodinâmicas são preservadas, a exemplo do calor específico:

𝐶𝑞 = −𝑇

𝑑2𝐹 𝑞

𝑑2𝑇 (2.4.13)

Muito pode ser dito a respeito do que foi desenvolvido baseado neste funcional de entropia. Contudo este pequeno resumo é suficiente para desenvolvermos o texto e discutir a aplicabilidade da termodinâmica emergente desta definição de entropia no contexto de sistemas dissipativos.

A q-Entropia de Tsallis recebeu grande atenção nos anos que a seguiram a sua formulação no sentido de desenvolver uma termodinâmica nela baseada. Existe uma vasta literatura a respeito da aplicabilidade das distribuições dela emergentes, contudo existem poucos testes consistentes na tentativa de comparar os resultados obtidos com o de sistemas físicos não extensivos cujos resultados sejam bem conhecidos, a fim de determinar o parâmetro q. Outro fato interessante é que o princípio de máxima entropia não faz diferença entre a entropia de Rényi e Entropia de Tsallis.

Não existe uma explicação clara para isso. Uma das possibilidades é que como o operador densidade é obtido tomando apenas a primeira variação das entropias, como elas possuam formas próximas, a entropia de Tsallis pode ser entendida como um truncamento de primeira ordem da entropia de Rényi. O princípio de máxima entropia não é sensível o suficiente para perceber isso. De fato, essas entropias possuem algumas propriedades distintas que as tornam conceitualmente diferentes, como a aditividade da entropia de Rényi para sistemas estatisticamente descorrelacio- nados. Pensando apenas no operador densidade obtido e em preservar o papel da transformada de Legendre, as relações termodinâmicas são as mesmas. Houve algum debate sobre este assunto 14,

que conclui que a energia livre possui uma forma diferente:

𝐹𝑞 = 𝑈𝑞− 𝑇 𝑆𝑞𝑅 = 𝑈𝑞

1

𝛽 log(𝑍𝑞), (2.4.14)

mas não é claro se essa forma respeita a transformada de Legendre. Contudo se lançarmos mão da proposta de vínculos normalizados, ela representa uma série de vantagens.

Capítulo 3

Sistemas Quânticos Dissipativos

3.1 Conceitos Fundamentais

Na física estatística frequentemente usamos a ideia de um sistema pequeno em contato com outro muito maior a uma dada temperatura. A origem dessa ideia remonta ao Ciclo de Carnot, onde um volume finito de gás é transferido de um ambiente a uma dada temperatura para outro ambiente a uma temperatura diferente. Em algumas situações mais genéricas, nem ao menos é preciso construir um reservatório térmico propriamente dito. Considere por exemplo uma reação química, onde o sistema de interesse são as moléculas de uma dada natureza e o reservatório é a solução na qual a reação ocorre. O mesmo ocorre por exemplo com uma partícula difundindo em um fluido viscoso, um Movimento Browniano, onde o fluido faz as vezes de reservatório.

A separação entre sistema e reservatório é bem mais clara no contexto da óptica quântica, onde temos átomos(sistema), acoplados com o campo de radiação(reservatório).

Esta separação traz à tona uma pergunta bastante pertinente; como funciona a interação entre as duas partes e qual a influência disto no estado individual de cada uma das partes? Em geral, supomos que o acoplamento do sistema com o banho é tal que, junto ao fato que o banho é muito maior que os sitema, podemos fazer uma série de aproximações sobre estes, tais como montar uma teoria efetiva com um potencial não local no tempo. Nem sempre este é o caso. No exemplo do átomo no campo de radiação, este átomo pode ser excitado e emitir um fóton, sem o qual este não poderia ser detetado, e este fóton perturbar o banho.

Por outro lado, a influência do banho no sistema é bem mais clara. Banho e sistema podem trocar energia, dando origem a efeitos de dissipação e flutuação.

Neste trabalho, estamos interessados nas propriedades de equilíbrio de um sistema quântico. Contudo, a fim de obtermos alguma intuição sobre quais efeitos físicos são relevantes, é conveniente

olhar brevemente para a dinâmica de um sistema dissipativo clássico. A situação física mais simples que podemos imaginar é sem dúvida a de uma partícula sob a ação de uma força viscosa dependente da velocidade. Este é um problema bem conhecido de mecânica clássica amplamente discutido em qualquer livro-texto1. Para resolvermos este problema, basta fazermos uma extensão das equações de Euler-Lagrange, assumindo que o potencial pode ser uma função da velocidade generalizada ou explicitamente considerarmos esta força no contexto da mecânica de Newton.

O tipo de problema em que estamos interessados, torna este estudo um pouco mais complicado. Estamos interessados em um movimento dissipativo onde além de uma força viscosa, temos a ação de uma componente aleatória, dependente do tempo, que acrescenta um carater estocástico ao sistema que estamos tratando. A ideia aqui é adicionar algum efeito de memória na dinâmica do sistema. O sistema mais simples que podemos pensar com essas características é o Movimento Browniano.

No documento Entropia estatística de sistemas abertos (páginas 36-41)

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