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5 INSTITUIÇÕES DO CAMPO JURÍDICO ESPAÇOS PARA A PRÁTICA PROFISSIONAL

5.4 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS E DE PROTEÇÃO

5.4.2 Medidas de meio fechado: semiliberdade e internação

A medida socioeducativa da semiliberdade está prevista no Art. 120 do ECA:

O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilita a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. §1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade. § A medida não comporta prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação (BRASIL, 1990).

O SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – configura a semiliberdade como uma medida restritiva de liberdade e embora não fixe um prazo ao seu cumprimento, subentende-se de que será no máximo de três anos, tal qual a internação. A semiliberdade pode ser aplicada a qualquer ato infracional praticado pelo adolescente, desde que sejam consideradas as circunstâncias, a gravidade e as condições pessoais do adolescente, que asseverem que esta seja a medida mais adequada. Em se tratando de medida restritiva de liberdade, é necessário, ainda que se observem os preceitos constitucionais de brevidade e excepcionalidade da medida, bem como o devido processo legal, no qual sejam assegurados ao adolescente o direito à ampla defesa e o princípio do contraditório.

Observa-se que esta medida apresenta dupla finalidade, ela pode consistir em uma medida em si mesma, ou seja, ser aplicada desde o cometimento do ato infracional, ou ser utilizada por um período após a internação, como forma de transição, avaliando a retomada pelo adolescente de sua liberdade. Neste caso, a equipe interdisciplinar poderá sugerir a transição para a semiliberdade ou ainda, quando dispondo desta, o adolescente cometa algum ato infracional ou pratique algum ato que demonstre sua inaptidão para o cumprimento da medida, a regressão para a internação.

Objetivamente, o cumprimento dessa medida implica aos adolescentes exercerem atividades escolares e profissionalizantes fora da unidade, geralmente no período diurno, e retornam para o pernoite, permanecendo, também, nos domingos e feriados no estabelecimento. A semiliberdade priva parcialmente a liberdade do adolescente, colocando- o em contato com a comunidade, porém não se deve perder de vista que o adolescente em semiliberdade é também um adolescente em semi- internação.

A semiliberdade, no entanto, contribui para o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários na medida em que admite a coexistência do adolescente com o meio externo e institucional, ainda que isso não se efetive necessariamente com a sua comunidade de origem. Isto implica interação constante entre a entidade responsável pela aplicação da medida de semiliberdade e a comunidade, já que preferencialmente dos recursos da própria comunidade é que o adolescente fará uso. Por ser um regime em que a “vigilância” é a mínima possível, já que não existe um aparato físico para evitar a fuga, estimula o desenvolvimento do senso de responsabilidade pessoal e social do adolescente. Para Volpi (1999, p. 25) A semiliberdade contempla os aspectos coercitivos desde quando afasta o adolescente do convívio

familiar e da comunidade de origem; contudo, ao restringir sua liberdade, não o priva totalmente do seu direito de ir e vir. Assim como na internação, os aspectos educativos baseiam-se na oportunidade de acesso a serviços, organização da vida cotidiana, etc. Deste modo, os programas de semiliberdade devem, obrigatoriamente, manter uma ampla relação com os serviços e programas sociais e/ou formativos no âmbito externo à unidade de moradia.

O cumprimento da medida de semiliberdade também exige a elaboração do Plano Individual de Atendimento do adolescente que deverá ser elaborado na mesma perspectiva das medidas anteriores, ou seja, contando com a participação de uma equipe interdisciplinar, bem como com o adolescente e sua família. Também é preciso que a instituição apresente um plano político-pedagógico, para o desenvolvimento de suas atividades. A cada seis meses o adolescente deverá ser reavaliado sobre a necessidade de continuidade da medida ou de regressão para a internação, ou mesmo de progressão, que nesses casos pode ser para a liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade.

No que tange a prática profissional do assistente social que atua nesse serviço, Martins (2010, p. 71), refere: “1) acolhimento ao adolescente; 2) visitas domiciliares; 3) atendimento individual; 4) acompanhamento dos adolescentes; 5) visitas institucionais; 6) reuniões técnicas; 7) reuniões coletivas; 8) elaboração de relatórios situacionais”. Quanto às dificuldades enfrentadas por esses profissionais o autor refere: garantir o atendimento dos adolescentes pela rede pública no que concerne à saúde, educação e assistência - nesta seara os profissionais falam de preconceito, além da falta de agilidade para o atendimento, que muitas vezes os levam a recorrer ao Ministério Público para que de fato esse atendimento se efetive; as dificuldades de atendimento nestes mesmos serviços também atingem a família do adolescente; a tramitação lenta dos processos na justiça, o que acaba muitas vezes frustrando os adolescentes e atrapalhando o cumprimento da medida. Cabe destacar que no Art. 88 do ECA estão previstas as diretrizes da política de atendimento, entre as quais destaca-se: a integração operacional entre Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social para a agilização do atendimento.

Nesse sentido, salienta Faleiros (2004, p. 89):

para o conjunto da população brasileira é fundamental para a garantia dos direitos previstos no ECA, principalmente para a educação e saúde, atendendo ao paradigma da proteção integral em oposição ao paradigma prisional repressivo. Isso implica reconhecimento das responsabilidades por parte do Estado no que diz respeito às políticas públicas. Para Segalin (2008, p. 237), para que as medidas socioeducativas tenham êxito o Estado deve efetivar:

1. Oferecimento de programas de prevenção e atendimento às necessidades da família, adolescente e comunidade; 2. Organização e melhoria da Política de Atendimento socioeducativo; 3. Implantação de programas de tratamento e prevenção ao entorpecente; 4. Melhoria da política de educação (inclusão digital, arte-educação, profissionalização, esporte, cidadania, etc); 5. Investimento em políticas de profissionalização do adolescente; trabalho e renda para as famílias; 6. Capacitação e identificação profissional para atuação na área da infância e adolescência; 7. Concretização do atendimento em rede – mantendo o fluxo das informações e os esforços profissionais e institucionais para a ressocialização do adolescente.

Por fim, em relação à medida de semiliberdade, é importante que a luta pela implementação das ações socioeducativas não aconteça desconectada da luta coletiva de acesso aos serviços e benefícios a toda sociedade, pois, tal como afirma Lima (2004), é essa conexão que leva a um processo emancipatório, uma vez que apenas assim os adolescentes podem se perceber como sujeitos na sociedade onde encontram-se inseridos e podendo usufruir, como qualquer outro cidadão, dos bens materiais e imateriais nela produzidos.

Quanto à medida de internação, ela está prevista no Art. 121 do ECA. A aplicação desta medida deve se dar em conformidade com o Art. 122, a medida deve ser aplicada apenas para atos infracionais considerados graves que, de acordo com o inciso I, são aqueles cometidos mediante grave ameaça ou violência. Também pode ser aplicada nos casos de reiteração no cometimento de infrações graves ou por descumprimento

de outra medida que anteriormente tenha sido imposta. Neste último caso ela não poderá ser superior a três meses.

Em qualquer caso, os princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, do adolescente, devem ser levados em conta. O respeito à condição de pessoa em desenvolvimento traz para o cenário do procedimento dimensões sequer pensadas antes, como aspectos emocionais, de saúde, sociais e até mesmo de conflitos próprios da condição de ser adolescente, todos esses expressos no Art. 124. Nesse sentido, a restrição da liberdade deve significar apenas limitação do exercício pleno do direito de ir e vir e não de outros direitos constitucionais, devendo as unidades responsabilizarem-se pela alimentação, atendimentos de saúde, educação, profissionalização, cultura, esportes e lazer, por exemplo.

Providenciar um local adequado para o cumprimento da medida de internação é dever do Estado, o qual deve manter unidades para o cumprimento da medida de internação exclusivas para adolescentes, não admitindo mais que esses locais sejam simplesmente depósitos, funcionando apenas para contenção e controle social, como historicamente se colocaram. O Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) deve ser então um local com um ambiente físico adequado ao desenvolvimento de uma proposta pedagógica que contemple as múltiplas dimensões da vida do adolescente, obedecendo a rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Para a criação da proposta político-pedagógica o Estado deve valer-se de equipes de profissionais compostas por profissionais de diferentes áreas como a pedagogia, psicologia, serviço social, direito, entre outros. Para a construção das unidades, deve valer-se dos parâmetros arquitetônicos estabelecidos pelo SINASE.

A privação de liberdade pode variar de seis meses a três anos38, sendo reavaliada a cada seis meses para determinar a continuidade ou não da medida. O tempo que o adolescente fica nessa medida sofre variação de acordo com cada caso, levando-se em conta o desenvolvimento pessoal e social de cada adolescente. A reavaliação da medida pelo Poder Judiciário é feita a partir do envio de relatórios técnicos subscritos pelos

38 Cabe destacar que existe ainda a possibilidade da aplicação de uma internação

provisória (anterior a sentença), a qual não pode exceder o período máximo de 45 dias. Essa medida pode ser determinada por diversos fatores, sendo os mais comuns o intento de proteger o adolescente quando se trata de um ato infracional que mobilize a opinião pública, e garantir que fique à disposição da autoridade judiciária.

profissionais das unidades de internação. A confecção desses relatórios configura-se em uma importante atribuição dos assistentes sociais que atuam nas unidades, embora não se constitua em atribuição exclusiva, já que o saber profissional dos demais técnicos da instituição também será registrado nesse documento.

Contudo, existem atribuições nas unidades que são específicas do assistente social, Freitas (2011) aponta algumas delas, a partir da sua experiência na Fundação CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) de São Paulo. Segundo ela, o trabalho do assistente social na internação pode se efetivar em três grandes dimensões, articuladas entre si: atendimento ao adolescente, atendimento à família, participação na unidade. Com o adolescente, a autora afirma que o trabalho se dá na busca de assegurar que o adolescente receba alimentação, atendimento médico, odontológico, profissionalização. O atendimento ao adolescente também se dá pela busca de programas e projetos nas comunidades, que atendam o adolescente em suas necessidades como saúde, tratamento de drogadição, profissionalização, assistência religiosa, entre outros. No que diz respeito à família, o trabalho se desenvolve, segundo ela, por meio de visitas regulares da família ao adolescente, por meio da mobilização da família para participação em reuniões na unidade e visitas domiciliares.

Por fim, no que se refere à participação do profissional na unidade, Freitas (2011) aponta a importância de se conhecer a rotina da unidade, o jogo de forças que se opera naquela realidade institucional, bem como a participação nos espaços coletivos de construção da ação socioeducativa (participação em comissões, conselhos, reuniões, entre outros). Realizar estudo social, visitas comunitárias, articulação com à rede socioassistencial pública e privada para a garantia de atendimento dos adolescentes também são apontados pela autora como elementos constitutivos da prática profissional do assistente social nas unidades de internação. Elemento trazido pela autora que parece fundamental é que o processo socioeducativo não termina no momento em que o adolescente deixa a unidade, ou seja, quando ele termina de cumprir a sua medida, segundo ela,

Tão importante como o trabalho desenvolvido durante o período em que o adolescente esteve internado é o trabalho que continuará sendo desenvolvido fora da unidade. Quando o adolescente é desinternado com a progressão da medida de internação para a medida de liberdade assistida, o profissional deve assegurar que este

tenha clareza quanto ao que significará essa medida, quais os compromissos que ela acarretará. Além disso, cabe também ao profissional fazer o encaminhamento desse adolescente de forma emancipatória, e não como quem ‘passa um problema’. O profissional que passará a acompanhar esse adolescente deverá ter conhecimento do que já foi desenvolvido e como foi a resposta do adolescente às intervenções realizadas. Quando o adolescente é desinternado com extinção de medida, torna-se praticamente impossível realizar o acompanhamento, mas a intervenção bem planejada e efetiva deve garantir que, ao sair, ele tenha condições de continuar o processo de ressocialização, ou seja, deve sair com a documentação pessoal exigida, perspectiva de trabalho, garantia de continuidade de escolarização, entre outros (FREITAS, 2011, p. 46- 47).

Aguinsky e Capitão (2008, p. 262) apontam para uma série de outros desafios postos na aplicação da medida de internação que passam, por exemplo, pelo caráter de superlotação vivenciado em algumas unidades. Para as autoras, a superlotação impede que se concretize a garantia de direitos humanos dos adolescentes:

São violações de direitos que remetem a insuficiências que iniciam pelo espaço físico, passam pelo atendimento técnico, pelo deficiente acesso a recursos de higiene pessoal e coletiva, por escassas ofertas de atividades ocupacionais e profissionalizantes, chegando até um limitado acompanhamento ao grupo familiar [...].

Nesse contexto, as autoras apontam para a violência institucional como uma resposta que se concretiza frente às violências presentes nas trajetórias de vida dos adolescentes, desafiando os operadores das políticas públicas a construir práticas institucionais e sociais que superem a cultura punitiva que se apresenta como “solo histórico” das medidas socioeducativas.

Nessa esteira, vale afirmar que o atendimento socioeducativo vem se mostrando eficiente naquilo

que concerne à vigilância da privação de liberdade, ou seja, a manter adolescentes, autores de ato infracional sob rígida vigilância e segregação da sociedade. Contudo, no que diz respeito à efetividade da medida socioeducativa, vislumbra- se certo descompasso entre o que o sistema de garantias de direitos propõe e aquilo que é alcançado no interior das instituições privativas de liberdade. As fragilidades do conteúdo ético- pedagógico das medidas repercutem em uma fragilização de sua resolutividade. Isso contribui para que sua eficácia seja questionada, especialmente em razão de indicadores de reincidência (hoje pouco confiáveis pela falta de pesquisas científicas com bases teóricas e metodológicas sólidas sobre o tema) (AGUINSKY; CAPITÃO, 2008, p. 260).

A pouca efetividade das medidas também é discutida por Tejadas (2009), segundo pesquisa conduzida por essa autora, a medida implica punição e castigo em detrimento dos aspectos socioeducativos que deveriam efetivamente ser privilegiados. Neste contexto, de acordo com ela, ocorre muito mais uma tentativa de modulação do comportamento do adolescente o que não se reflete na sua subjetividade e na forma como ele se relaciona socialmente, produzindo reincidência e acalorando o debate reiterado da necessidade de redução da idade penal. Em contrapartida, afirma Palma (2004, p. 231)

A opção pelo papel de sujeito [do adolescente] e o consequente respeito à subjetividade, na elaboração e implementação das políticas, têm garantido êxito a alguns projetos sociais por desenvolver valores éticos como solidariedade e responsabilidade social e contribuir para a construção de projetos de vida.

Por fim, retomando a seara da prática profissional nas instituições de internação, cabe registrar aqui a necessidade de que o debate acerca desse assunto seja feito de maneira franca, a fim de que produza conhecimento que leve a superação do preconceito sobre o trabalho exercido pelos profissionais que atuam nesses espaços. É o que refere Freitas (2011, p. 47-48),

O assistente social inserido no espaço de trabalho das instituições que executam as sanções previstas na lei brasileira muitas vezes percebe-se isolado da categoria, como se sua prática estivesse contra os princípios históricos do Serviço Social. É preciso enxergar com nitidez que essas sanções (privação de liberdade, por exemplo) estão previstas na legislação brasileira e podem constituir possibilidades concretas de tomada de consciência por parte dos sujeitos que a ela são submetidos. Por outro lado, a presença do profissional de Serviço Social nesses espaços pode constituir-se também em esforços na garantia de direitos dos sujeitos atendidos.

Pensar esses espaços dialeticamente, levando em conta suas contradições, tendo como norte o projeto ético-político profissional, é condição necessária e indispensável para que se possa produzir condições objetivas para o desenvolvimento de uma prática profissional capaz de contribuir na materialização daquilo que está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, garantindo o caráter social e educativo da medida.

5.4.3 Medidas de Proteção: acolhimento institucional/familiar39

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Art. 98 e 101, inciso VII, traz a possibilidade de crianças e adolescentes serem retirados de suas famílias, apenas mediante decisão judicial, sempre que seus direitos forem violados por seus familiares, especialmente os pais, a quem cabe o poder familiar. Há situações, porém, em que o Conselho Tutelar e as entidades que mantém o serviço de acolhimento em caráter de urgência podem acolher crianças e adolescentes, tendo prazo de 24h para comunicar ao (a) Juiz (a), para que este (a) determine a permanência ou não da criança ou adolescente no local. O Ministério Público, por meio do seu representante na área da infância, possui atribuição para promover e acompanhar o procedimento de suspensão ou destituição do poder familiar, bem como promover e acompanhar as ações de alimento, nomeação ou remoção de tutores, curadores e guardiães, devendo oficiar

39 No que tange às medidas de proteção, apenas a de acolhimento

institucional/familiar será abordada, visto que apenas esta apresenta necessariamente interface com o jurídico.