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5 INSTITUIÇÕES DO CAMPO JURÍDICO ESPAÇOS PARA A PRÁTICA PROFISSIONAL

5.4 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS E DE PROTEÇÃO

5.4.3 Medidas de Proteção: acolhimento institucional/familiar

das instituições que executam as sanções previstas na lei brasileira muitas vezes percebe-se isolado da categoria, como se sua prática estivesse contra os princípios históricos do Serviço Social. É preciso enxergar com nitidez que essas sanções (privação de liberdade, por exemplo) estão previstas na legislação brasileira e podem constituir possibilidades concretas de tomada de consciência por parte dos sujeitos que a ela são submetidos. Por outro lado, a presença do profissional de Serviço Social nesses espaços pode constituir-se também em esforços na garantia de direitos dos sujeitos atendidos.

Pensar esses espaços dialeticamente, levando em conta suas contradições, tendo como norte o projeto ético-político profissional, é condição necessária e indispensável para que se possa produzir condições objetivas para o desenvolvimento de uma prática profissional capaz de contribuir na materialização daquilo que está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, garantindo o caráter social e educativo da medida.

5.4.3 Medidas de Proteção: acolhimento institucional/familiar39

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Art. 98 e 101, inciso VII, traz a possibilidade de crianças e adolescentes serem retirados de suas famílias, apenas mediante decisão judicial, sempre que seus direitos forem violados por seus familiares, especialmente os pais, a quem cabe o poder familiar. Há situações, porém, em que o Conselho Tutelar e as entidades que mantém o serviço de acolhimento em caráter de urgência podem acolher crianças e adolescentes, tendo prazo de 24h para comunicar ao (a) Juiz (a), para que este (a) determine a permanência ou não da criança ou adolescente no local. O Ministério Público, por meio do seu representante na área da infância, possui atribuição para promover e acompanhar o procedimento de suspensão ou destituição do poder familiar, bem como promover e acompanhar as ações de alimento, nomeação ou remoção de tutores, curadores e guardiães, devendo oficiar

39 No que tange às medidas de proteção, apenas a de acolhimento

institucional/familiar será abordada, visto que apenas esta apresenta necessariamente interface com o jurídico.

em todos os demais procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude. O Serviço de Acolhimento em Repúblicas, o de Acolhimento Institucional e o de Acolhimento em Família Acolhedora são considerados, pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS), Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade.

O Serviço de Acolhimento Institucional, por sua vez, destinado a crianças e adolescentes, pode ser ofertado nas modalidades de abrigo institucional40 e casa lar41. No que se refere à equipe técnica para a medida de acolhimento, deve ser composta por um coordenador, o qual será responsável pela gestão da entidade, pelo desenvolvimento do projeto político-pedagógico do serviço, pela articulação com as redes de serviço, contratação de pessoal e supervisão dos trabalhos; um Assistente Social e um Psicólogo, os quais deverão prestar o apoio psicossocial aos indivíduos acolhidos institucionalmente, bem como a suas respectivas famílias, encaminhar e discutir planejamentos com os demais profissionais da rede de serviço, participar das discussões com o Ministério Público e autoridade judiciária acerca da situação de cada criança ou adolescente; cuidadores/educadores sendo um para até dez usuários por turno, que serão responsáveis pela alimentação, higiene, proteção dos acolhidos, pela realização do trabalho de fortalecimento de

40 Serviço que oferece acolhimento provisório para crianças e adolescentes

afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva de abrigo (ECA, Art. 101), em função de abandono ou cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção, até que seja viabilizado o retorno ao convívio com a família de origem ou, na sua impossibilidade, encaminhamento para família substituta. O serviço deve ter aspecto semelhante ao de uma residência e estar inserido na comunidade, em áreas residenciais, oferecendo ambiente acolhedor e condições institucionais para o atendimento com padrões de dignidade. Deve ofertar atendimento personalizado e em pequenos grupos e favorecer o convívio familiar e comunitário das crianças e adolescentes atendidos, bem como a utilização dos equipamentos e serviços disponíveis na comunidade local (MDS, 2009, p. 63).

41 O Serviço de Acolhimento provisório oferecido em unidades residenciais, nas

quais pelo menos uma pessoa ou casal trabalha como educador/cuidador residente – em uma casa que não é a sua – prestando cuidados a um grupo de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva de abrigo (ECA, Art. 101), em função de abandono ou cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção, até que seja viabilizado o retorno ao convívio com a família de origem ou, na sua impossibilidade, encaminhamento para família substituta (MDS, 2009, p. 74).

vínculos familiares, apoio na preparação da criança e do adolescente para o desligamento, o que deve ser feito com a supervisão de um integrante da equipe técnica (MDS, 2009).

Sobre a prática profissional do Serviço Social delineada nestes espaços, também é possível encontrar algumas referências na Resolução Nº 109 do CONANDA, onde ficam estabelecidas como “trabalho social essencial ao serviço” práticas como: estudo social, construção do plano individual de atendimento, estímulo ao convívio familiar, grupal e social; mobilização, identificação da família extensa ou ampliada; mobilização para o exercício da cidadania; articulação da rede de serviços socioassistenciais; articulação com os serviços de outras políticas públicas setoriais e de defesa de direitos; articulação interinstitucional com os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos.

O Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora42 ainda é uma modalidade de acolhimento pouco adotada na maioria das comarcas, mas nos locais onde tem sido implantado é visto por juízes, promotores e profissionais como detentor de um formato mais positivo para crianças e adolescentes do que a modalidade institucional. Os dados do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), por sua vez, indicam a existência de 381 famílias acolhedoras no Brasil, sendo que normalmente cada família recebe uma criança e um subsídio em dinheiro para as despesas adicionais, algo em torno de um salário mínimo (o valor pode aumentar se a criança/adolescente apresentar necessidades especiais ou envolvimento com drogas) (CNJ, 2016a). O Serviço de Acolhimento Familiar de Campinas/SP, conhecido como SAPECA, é considerado o mais antigo do Brasil.43

De acordo com os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2016a), obtidos com base no Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas

42 De acordo com a Resolução Nº 109 do Conselho Nacional de Assistência Social

(CNAS), O Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora é um “serviço que organiza o acolhimento de crianças e adolescente, afastados da família por medida de proteção, em residência de famílias acolhedoras cadastradas. É previsto até que seja possível o retorno à família de origem ou, na sua impossibilidade, o encaminhamento para adoção. O serviço é o responsável por selecionar, capacitar, cadastrar e acompanhar as famílias acolhedoras, bem como realizar o acompanhamento da criança e/ou adolescente acolhido e sua família de origem” (CNAS, 2009, p. 38-39).

43 Importantes informações sobre o SAPECA podem ser encontradas na

dissertação desenvolvida por Janete Aparecida Giorgetti Valente, intitulada: “O acolhimento familiar como garantia do direito à convivência familiar e comunitária” (VALENTE, 2013).

(CNCA), do ano de 2016, existem quarenta e cinco mil, quinhentas e oitenta e duas (45.582) crianças e adolescentes vivendo nas quase quatro mil instituições de acolhimento institucional espalhadas por todo o país. Embora o acolhimento institucional esteja inscrito na Política de Assistência Social como um serviço a ser prestado pelo poder público, os dados colhidos pelo CNJ apontam que ainda predomina no Brasil uma atuação de instituições não governamentais44. Certamente tal predominância remonta a história da assistência e das instituições que foram destinadas ao acolhimento de crianças e adolescentes ao longo dela, onde se constata o predomínio da caridade praticada sobretudo pela Igreja Católica. Esse aspecto implica interface importante para a prática profissional, que consiste no atravessamento de questões religiosas ou mesmo financeira, já que essas entidades costumam atuar a partir do princípio da caridade.

O grande número de instituições destinadas ao acolhimento de crianças e adolescentes no Brasil permite dimensionar, ainda que de maneira aproximada, o grande contingente de assistentes sociais que podem estar atuando nessas instituições: partindo do utópico pressuposto de que as diretrizes apontadas pela NOB-RH/SUAS estão sendo cumpridas no que se refere à contratação dos profissionais com a qualificação e o número adequado, ou seja, um assistente social para até vinte acolhidos, seriam aproximadamente dois mil e duzentos assistentes sociais atuando nos serviços de acolhimento institucional45 por todo o país, isto sem contar aqueles que podem estar atuando com “famílias acolhedoras”, onde a NOB-RH/SUAS prevê um profissional para cada quinze famílias acolhedoras.

A partir do Estatuto, o acolhimento passou a ser visto como excepcional e provisório, devendo durar no máximo dois anos, buscando, com isso, romper com a perspectiva histórica onde crianças cresciam nos abrigos e só saíam de lá ao completarem dezoito anos de idade. Contudo,

44 “Em se tratando de serviços de acolhimento desenvolvidos por organizações

não governamentais, a equipe técnica deverá pertencer ao quadro de pessoal da entidade ou ser cedida pelo órgão gestor da Assistência Social ou por outro órgão público ou privado, exclusivamente para esse fim. Em ambos os casos, deverá ser respeitado o número mínimo de profissionais necessários, a carga horária mínima e o cumprimento das atribuições elencadas neste documento” (MDS, 2009, p. 69).

45 Sobre isso cabe destacar que o levantamento do CFESS (2009) não conseguiu

dimensionar o número de profissionais nos serviços de acolhimento institucional e, tão pouco, colher dados sobre a prática que vem realizando.

a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) não fechou os olhos para a realidade, já que ainda hoje acolhimentos que deveriam ser temporários acabam se estendendo, fazendo com que muitos adolescentes completem dezoito anos nas instituições. Para esses jovens criou-se um serviço de acolhimento: o Serviço de Acolhimento em Repúblicas46.

Independentemente da modalidade do acolhimento, o ECA em seu Art. 92 dispõe dos princípios básicos que as entidades devem adotar, sendo eles:

I - preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar; II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa; III- atendimento personalizado e em pequenos grupos; IV - desenvolvimento de atividades em regime de coeducação; V - não desmembramento de grupos de irmãos; VI - evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados; VII - participação na vida da comunidade local; VIII - preparação gradativa para o desligamento; IX- participação de pessoas da comunidade no processo educativo (BRASIL, 1990).

Outra normativa de extrema importância para o avanço das políticas voltadas para as crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional no Brasil é a Lei Nº 12010 de que foi sancionada em 29 de julho de 2009. Ela altera o Estatuto da Criança e do

46 De acordo com a Resolução Nº 109 do CNAS, o Serviço de Acolhimento em

República consiste: “Serviço que oferece proteção, apoio e moradia subsidiada a grupos de pessoas maiores de 18 anos em estado de abandono, situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados e sem condições de moradia e auto sustentação. O atendimento deve apoiar a construção e o fortalecimento de vínculos comunitários, a integração e participação social e o desenvolvimento da autonomia das pessoas atendidas. O serviço deve ser desenvolvido em sistema de autogestão ou cogestão, possibilitando gradual autonomia e independência de seus moradores. Deve contar com equipe técnica de referência para contribuir com a gestão coletiva de moradia (administração financeira e funcionamento) e para acompanhamento psicossocial dos usuários e encaminhamento para outros serviços, programas e benefícios da rede socioassistencial e das demais políticas públicas”.

Adolescente, dispõe sobre adoção e traz modificações a serem efetuadas nas ações das instituições de acolhimento institucional para garantir o direito à convivência familiar e comunitária e garantir o retorno, dentro do período mais breve possível da criança para sua família de origem ou substituta. A Lei Nº 12010 estabelece que a intervenção estatal seja voltada prioritariamente à orientação, apoio e promoção social da família natural, somente na impossibilidade de permanência na família natural, a criança e o adolescente serão colocados sob adoção, tutela ou guarda. Nestes termos, o referido dispositivo legal determinou ainda que o acolhimento institucional e o acolhimento familiar constituem-se em medidas provisórias e excepcionais, asseverando o seu caráter de transição para reintegração familiar ou colocação em família substituta (BRASIL, 2009).

Lei Nº 12010 estabeleceu importante dimensionamento para a reavaliação da situação de toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional, a qual deverá acontecer no máximo a cada 6 (seis) meses. Na reavaliação, a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, deverá decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta. Ainda, de acordo com a mesma Lei, parágrafo único § 5o , a equipe técnica do abrigo deverá também responsabilizar-se pela confecção do PIA.

A imposição de medida de acolhimento institucional confronta dois direitos básicos: o dos pais terem a guarda dos filhos e o dos filhos terem uma convivência familiar em um ambiente que favoreça e promova o seu desenvolvimento saudável. A Lei afirma que é o direito das crianças e adolescentes que deve prevalecer, já que foi a estes que a lei concedeu a prioridade absoluta. Pautado nisso, tal como afirma Couto et al. (2010), é que muitos profissionais mantêm em sua prática um caráter ainda fortemente moralista, disciplinador e tutelador das famílias, no intento de que aquelas que supostamente “falharam” na proteção de seus membros tornem-se novamente “aptas” para cumprirem o seu papel social. Nesse sentido, faz-se necessário que as metodologias de atendimento às famílias sejam revistas à luz da teoria crítica, superando a perspectiva paradigmática positivista/funcionalista, onde a solução dos problemas sociais é colocada como uma responsabilidade do indivíduo, bastando para a sua solução reformas na personalidade, ampliando as possibilidades de adaptação.

É possível que resida exatamente aí um dos principais desafios postos aos profissionais cuja prática se desenvolve na interface com a

medida de acolhimento, seja no âmbito dos próprios serviços de acolhimento, ou mesmo no Judiciário e Ministério Público: levar o olhar que engloba a totalidade da realidade social para dentro dos processos, procedimentos, relatórios e estudos sociais, demonstrando que não se pode perder de vista o direito da família de ser assistida, para que possa de fato promover a proteção e socialização das novas gerações, e não penalizada. Outro desafio é o fato de que as políticas sociais são cada vez mais celetistas e focalizadas, apresentando-se em número reduzido, não alcançam todas as pessoas que realmente necessitam e o assistente social é quem se vê muitas vezes tolhido em suas ações, sem condições e meios de promover o acesso das famílias, por isso acaba opinando pelo acolhimento de crianças e adolescentes que poderiam ter sido evitados. Nesse processo contraditório, os assistentes sociais são chamados a inscrever sua prática em uma luta movida pelo desejo de transformação da sociedade que engendra condições não igualitárias de sobrevivência, conforme implica o Código de Ética Profissional. Esse processo presume ações cotidianas no âmbito das instituições, mas também a luta política pelos direitos sociais e implementação de políticas sociais.

Por fim, é necessário ainda elencar que neste cenário também se constitui um desafio a articulação dos diversos atores do sistema de garantia de direitos para promover a agilidade nos processos de guarda, adoção, tutela e destituição do poder familiar.