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CAPÍTULO 6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

6.4. MEDIDAS PEDAGÓGICAS

Para além das medidas politico-legais, da intervenção dos autores e criadores, bem como das entidades não-governamentais, o combate da pirataria digital, passa, sobretudo, no futuro, pela mudança de mentalidades e por retribuir ao direito de autor e à propriedade intelectual o seu devido valor. Para esta mudança de mentalidade poderão contribuir acções pedagógicas, nomeadamente através da “Educação para a Cidadania/Democracia”.

Carlos Madureira, apresenta na sua reflexão uma componente integrada dos meios e medidas de combate à pirataria digital, defendo uma mudança de mentalidade e referindo, sem margens para dúvidas a relevância da educação neste contexto:

Não existe uma única medida que, isoladamente, contrarie a tendência para a gratuitidade no acesso às obras. A inversão desta tendência deverá ser promovida e sustentada por um conjunto de medidas que, de forma articulada, conduzam à criação de uma consciência colectiva de que os autores devem ser remunerados pelo seu trabalho. A primeira grande opção, estrutural, é a aposta na educação das crianças e jovens, independentemente do ano de escolaridade. Tal como todas as outras pessoas, também o autor desenvolve uma actividade, apenas com a particularidade de ser um trabalho intelectual, e, muitas vezes, com grande relevância social e cultural para o

desenvolvimento dos países. Os autores devem, por isso, ser remunerados tal como as restantes pessoas. Esta consciencialização é fundamental nas novas gerações.

Esta educação urge começar pelos primeiros anos do ensino básico, tal como tem acontecido com outras questões relacionadas com os valores, nomeadamente ao nível da educação ambiental, a título de exemplo, a proliferação da política dos 3 R’s. As novas gerações, crescem acompanhados das novas tecnologias, dominam-nas e o seu quotidiano não passa sem elas. Por tudo isto, e pela transformação de valores que a era digital acarretou, nunca como antes havia acontecido, os nossos jovens assumem que têm o direito a que tudo lhes seja disponibilizado, sem qualquer esforço ou contrapartida. Esta nova filosofia conduz a que aquilo que se tem vindo a definir enquanto crime, o acesso gratuito a obras protegidas, seja uma prática deliberada e rotineira de toda uma geração. Geração esta que, por vezes, nem sequer equaciona que tal possa acontecer de outra forma, ou que as seus actos possam ser imorais e ilegais. Isto torna altamente relevantes que se intervenha no campo da educação através de um trabalho de consciencialização que passa por “desconstruir e desmistificar o manifesto de princípios expresso no slogan “Temos direito a tudo, já, e sem custos”, e identificar os equívocos em que assenta” (Vanda Guerra). No mesmo sentido, José da Ponte é também perentório a afirmar que no campo da educação:

A aprendizagem da democracia a partir dos primeiros anos de escolaridade deveria ser matéria sujeita a nota, o que daria ao direito de autor o natural reconhecimento num mundo que, presumivelmente, ainda se quer dotado de regras para que nos dignifiquemos, usufruindo de uma verdadeira liberdade e paridade nas responsabilidades.

Posto isto, verifica-se que existe consenso e unanimidade quando a importância do sistema educacional para as questões do combate à gratuitidade, sobretudo, pelo foco na mudança de mentalidades, na exacerbação de valores que parecem hoje, se não perdidos, pelo menos esquecidos.

Sobre a presente categoria, Patricia Akester aproveita mais uma vez para se dirigir aos criadores e autores, defendo que também eles deveriam ser alvo de acções pedagógicas com o intuito de combater a sua inercia perante a situação:

Essas acções (pedagógicas) são também elas, penso, um importante mecanismo neste contexto, devendo ser levadas a cabo junto do público, a montante da ilicitude jusautoral, bem como junto dos próprios autores, para lhes fazer ver quão importante é não renunciarem, sem mais, aos seus direitos (por exemplo através da Licenças

Creative Commons).

Finda a discussão e reflexão categoria a categoria, importa agora, cômputo geral, analisar a mensagem global deixada pelos diversos testemunhos aqui apresentados.

A alteração de valores a que hoje se assistimos na sociedade, também fruto da Era Digital, tem conduzido à grande desvalorização do direito de propriedades intelectual e, consequentemente, á desvalorização das leis do direito autoral. Porém, são os criadores e autores que através das suas obras fazem cultura. Esta é hoje um forte motor da economia global e, ao não valorizarmos a propriedade intelectual e não remunerarmos autores e criadores, sustentáculos da cultura, estamos todos a tornarmo-nos mais pobres enquanto Pessoas e Sociedade, economicamente, mas não só.

A não remuneração dos autores/criadores tem-los arrastado para uma situação em que a criação fica relegada para segundo plano nas suas vidas. Como qualquer Ser Humano precisam de assegurar a sua subsistência passando, portanto, a dotar outras actividades profissionais como principais. E, quem dispõe de escassas horas para compor, escrever ou filmar, entre outros, irá, por certo, apresentar ao público obras menos cuidadas, fortemente afectadas um uma menor auto-exigência, assistindo-se consequentemente, ao empobrecimento da oferta cultural, quer quantitativa quer qualitativamente, nas mais diversas áreas.

Por outro lado, as reflexões apresentadas focam, grandemente, a pirataria digital e, apesar de não ser claramente a única forma de piratear, copiar ou usufruir de obras protegidas de forma ilegal, a ideologia da gratuitidade dos bens culturais cresceu exponencialmente com a era digital e com o acesso rápido e sem barreiras que a Internet proporciona. Tendo-se agravado a situação com o lapso ou confusão instalada a respeito do uso do vocábulo free, que de forma errónea tem sido utilizado para designar gratuito.

Para além das questões que surgem a respeito da pirataria enquanto crime que tem passado até hoje quase impune, ou da legislação que é escassa e inconsequente, na medida em que não se obriga a cumprir a existente, os testemunhos são ricos no que a estratégias de

combate diz respeito. Estas passam pela mudança de mentalidades, quer do público, mas também dos criadores, autores e da própria indústria cultural. Focaremos, então, um pequeno excerto do testemunho de Yves Nilly que nos fala da necessidade de superar o fosso existente entre criadores e público deixando algumas dicas de intervenção que abarcam diversos intervenientes, demonstrando assim a necessidade de um esforço global, integrado e convergente, que atente tanto as necessidades dos autores/criadores como às do público:

Como superar o fosso criado entre os criadores e o público na ausência de contrapoderes independentes? Não existe uma solução miraculosa, mas todo um conjunto de acções. Todos devemos pensar no amanhã, nos interesses do público e dos criadores que não se encontram, afinal, tão desligados entre si. É forçoso lutar pela defesa do direito em geral e não apenas do direito de autor, e sobretudo pelo seu respeito, já que um direito só funciona de for respeitado. Isto o público compreende sem dificuldade logo que os direitos que o protegem são postos em causa (propriedade, trabalho, liberdade de expressão, respeito da vida privada, da família, da moral, etc.). Uma pedagogia e uma informação reforçadas logo após as idades básicas. A escola não pode satisfazer-se com uma educação que não leva em conta os direitos do indivíduo e as regras que orientam o acto de viver em comunidade. Uma informação independente e livre (e não gratuita) e uma investigação que garanta a transparência, a liberdade de expressão e reintroduza o debate e a crítica. Um respeito internacional pelas leis do mercado, nada de regulamentação excessiva mas uma fiscalidade com regras simples e eficazes, já que em economia um mercado sem regras é tudo menos um mercado. A isto devemos juntar a ideia de valor e de preço “razoável” e justo que encoraje o comércio e nunca o caos.”