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CAPÍTULO 6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

6.3. REGULAMENTAÇÃO

A discussão sobre o presente tema não poderia ficar concluída sem se abordar a regulamentação existente, ou a escassez da mesma, bem como, as medidas de combate à pirataria digital que já se constitui hoje como uma “epidemia” global que ameaça a “saúde” da cultura e de quem a produz.

Os entrevistados foram perentórios em apontar responsabilidades ao poder politico e legal, contudo, não se esquivam a reflectir sobre as responsabilidades das entidades que comercializam/ distribuem estes bens culturais arrecadando para si lucros por trabalho alheio, nem mesmo, poupam as sociedades de autores e/ou outras entidades não-governamentais.

A presente categoria está, então, dividida em 4 categorias, “Via Politica (dever e/ou

incapacidade) e Legal”, “Via Comercial”, “Participação das Sociedades de Autores e Outras Entidades Não-Governamentais” e, por fim, “Estratégias para o Futuro”.

Assim, a primeira reflexão na presente categoria diz respeito à intervenção politica e legal no combate à pirataria digital. Contudo, o poder político passa hoje por um total descrédito, não só perante a sociedade mas também e principalmente perante a indústria da cultura. Nas duras palavras de José da Ponte “o combate ao crime organizado é uma missão essencialmente política … contudo, esta se tem caracterizado pela desilusão”. Este descrédito, provem das grandes suspeitas de que os meios políticos estão, eventualmente, contaminados pelos interesses eleitorais e, na verdade os cidadãos que usufruem hoje dos benefícios da

pirataria digital, através da qual beneficiam do acesso gratuito à cultura, são bem mais do que aqueles que vivem hoje do trabalho criativo (Ana Hollanda).

A este respeito Paul Williams defende:

Governantes e legisladores devem perceber que os autores devem estar no centro das suas preocupações, porque nós somos, enquanto criadores, o segmento mais importante de todo este processo.

Isto é algo que aparentemente está ainda longe de se atingir. Jean Michel Jarre é peremptório assumindo uma posição delactora do meio político afirmando que

Dificilmente conseguiremos alguma coisa dos políticos que decidem nesta área e que são ambíguos e oportunistas. Precisamos de ter os eleitores do nosso lado, connosco. Contudo, e apesar dos dedos apontados ao meio político, um dos meios mais eficaz neste combate, passa naturalmente pela legislação, de acordo com Álvaro Cassuto:

É através de leis (e outros instrumentos jurídicos afins) que a sociedade estabelece o que é proibido, partindo do princípio de que o ser humano é essencialmente livre para além dos deveres legais e morais que ele impõe a si próprio para viver em sociedade, para ser respeitado respeitando os outros.

Fernando Matias acrescenta:

É urgente que o poder político, e massivamente, decida legislar e fazer cumprir as leis que defendam inequivocamente os direitos da propriedade intelectual. É urgente desmantelar o lobby que beneficia sem legitimidade certas indústrias e negócios. Contudo, apesar de ser apontada a escassez de legislação que combata eficazmente a pirataria digital, a verdade é que “não foram ainda postas em prática todas as medidas de combate à pirataria, que têm vindo a ser apresentadas e discutidas, tendo em vista a garantia efectiva do respeito do Direito de Autor” (Vanda Guerra). Uma das soluções legais que ganham destaque neste contexto é a responsabilização dos serviços da Internet, como decido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no passado dia 27 de março de 2014.

Em suma, o poder político parece contaminado pelos interesses eleitorais e de lobbies económicos, pelo que mesmo a escassa legislação existente não esteja hoje a ser cumprida devidamente, não contribuindo como seria de esperar para o combate à pirataria digital.

Mas não só ao poder político e legal podem ser incumbidas responsabilidades neste combate, verificaram-se também testemunhos que apontam para o papel determinante das entidades comerciais. Assim, defendendo que estas deverão ter uma participação activa no combate à pirataria digital e, tendo já sido explorado os interesses económicos por trás destas entidades, José da Ponte ressalva que, hoje, começa a existir um esforço conjunto para a regulação, “aparenta ser hoje o próprio comércio a auto-regular-se e a baixar as expectativas da pirataria digital. Depois de anos em que a desorientação geral assumiu protagonismo, observamos com alguma esperança o resultado do impacto causado pelo encontro de dois mundos … Segundo dados actuais, tudo o que vai acontecendo no domínio do comércio digital é permanentemente reformado e os negócios que se criam inacreditáveis irão suceder e contribuirão para reerguer o mercado regulado e com actores já conhecidos e refeitos da queda, quando do aparecimento da vaga digital … A indústria da música compreendeu as oportunidades do mundo digital, como afirma Frances Moore...”.

Fernando Matias, destaca melhorias neste sector: “Google e YouTube têm dado alguns sinais para melhorar os seus serviços, mas continuam ainda a criar e distribuir “propaganda” anti copyright. Desde Janeiro de 2013 e até agora, a Google foi notificada pelos detentores de direitos para remover mais de 100 milhões de conteúdos com ligações a websites que violam a propriedade intelectual… ITunes, Pandora e Spotify são frequentemente citados como modelo de negócio no futuro mas é urgente fazer uma mudança real removendo do mercado maus operadores e avançar no sentido de encontrar um sistema sustentável para todos os intervenientes”.

Como foi referido anteriormente, as sociedades de autores e a restantes entidades não- governamentais desempenham um papel determinante no combate à pirataria digital, enquanto entidades que protegem o direito autoral. Fernando Matias, reforça esta ideia afirmando:

É importante que haja uma indústria de música que possa ajudar os artistas a construir uma carreira e ajudá-los a ganhar dinheiro. As gravadoras, as editoras, as sociedades de autores e de outros direitos são insubstituíveis nesta actividade. Sabemos que os artistas, os

músicos e os autores não são as melhores pessoas para executar tarefas de gestão e também pela complexidade terão de existir sempre entidades que legítima e legalmente representem os interesses de todos os intervenientes

É, portanto, essencial “a acção e a participação das sociedades de autores no combate à pirataria digital” (José da Ponte) e, como é do reconhecimento geral as sociedades de gestão coletiva possuem o know-how necessário a essa gestão. Um exemplo claro do papel importante e crucial desempenhado pelas sociedades de autores esta bem patente no reconhecimento que os fornecedores de serviços da Internet “atribuem ao papel fundamental das sociedades de gestão coletiva, contratualizando com estas os serviços que passaram a disponibilizar aos consumidores. Os contratos concluídos entre iTunes, Spotify, Deezer, YouTube, Rhapsody, Nokia, Microsoft, Dailymotion, Vodafone, etc. e as sociedades de gestão colectiva demonstram que a gratuitidade não tem qualquer razão de ser e que os autores e titulares de direitos devem ser compensados pela exploração e utilização das suas obras” (Alexandre Miranda).

Assim, após analisar o papel determinante das entidades não-governamentais, mas também da reflexão sobre a necessidade de reforçar a intervenção legal e politica neste combate, os nossos entrevistados fizeram, ainda, questão de deixar no seu testemunho soluções ou estratégias de intervenção para o futuro.

José da Ponte defende que “combater uma ameaça global justifica uma necessária resposta global como tem sido defendido por alguns”, argumentando ainda que “devemos manter a preocupação de promover os direitos de autor mais do que concentrarmo-nos unicamente em defendê-los”.

Posto isto e, em primeira instância, os testemunhos refletem, mais uma vez a urgência de que os autores assumam as rédeas da situação, devendo lutar de forma empenhada pelos seus direitos, “São os próprios autores que devem fazer-se ouvir e explicar as suas razões, de forma a explicarem o valor real do seu trabalho com palavras simples e um pouco por toda a parte: na rádio, nos jornais, na televisão, nas escolas e sempre com exemplos de vida concretos” (Silvina Munich). No mesmo sentido, o ilustre maestro António Vitorino de Almeida defende acerrimamente que:

Os autores devem estar na primeira linha da luta pela revitalização da cultura, encarada como um valor prioritário, lado a lado com a saúde e educação. Só a cultura

poderá, de facto, transformar em cidadãos conscientes, participativos e lutadores a massa amorfa das populações submetidas à bestialidade dos déspotas mais grotescos…também só a cultura poderá incutir uma verdadeira consciência política e social nas maiorias manipuladas por promessas gratuitas e slogans eleitoralistas que lá vão exercendo, de tantos em tantos anos, o seu direito a fazer uma cruzinha num quadrado impresso impresso num papelinho que depois alguém depositará no interior de uma caixinha.

Contudo, nem todos os testemunhos foram unanimes na forma como olham para a criminalização dos actos de pirataria digital. Por um lado, testemunhos como os de Vanda Guerra apontam sanções e medidas criminais para a prática de pirataria digital, “A criação de procedimentos de natureza cível e criminal, expeditos e adequados, que permitam uma acção efectiva contra as violações do direito de autor; Um desenvolvimento adequado e uma efectiva protecção legal das medidas tecnológicas utilizadas pelos titulares das obras no exercício dos seus direitos (DRMs e TPMs); O sancionamento dos anunciantes em sites nos quais se verifiquem violações do direito de autor, sobretudo, o envolvimento responsável da comunidade de provedores de serviços online na resposta à violação do direito de autor, através do estabelecimento de esquemas de cooperação com os titulares dos direitos violados que permitam uma rápida identificação dos titulares das contas através das quais se concretizam as alegadas violações”.

Por outro lado, há entrevistados que defendem que a penalização criminal poderá transformar-se numa faca de dois gumes, na medida que poderá colocar a sociedade contra os autores e o seu direito, o testemunho de Lucas Serra é bem ilustrativo desta posição, defendendo que os mecanismos de combate à pirataria devem traduzir-se em “medidas não repressivas ou pelo menos não criminais. O contrário seria agenciar batalhões de opositores com o recrutamento fácil entre as camadas jovens, para quem a Internet é um espaço livre de Direito e que tem na gratuitidade do Direito de Autor a par da dominante incompreensão do trabalho intelectual, como um trabalho a respeitar, um campo fértil de desenvolvimento”.

É possível observar que apesar de tudo e de algumas incongruências que possam existir fica então claro, pelos vários discursos, que independentemente da via utilizada urge agir no combate a este crime que tem vindo a crescer de forma exponencial, mas que continua sem ter consequências para quem o pratica.

Propõe-se, então, terminar a análise desta categoria recorrendo à reflexão de Yves Nilly:

O futuro não é o que nós imaginamos, mas sim o que nós conseguirmos construir. Face ao mito da gratuitidade, devemos opor o princípio da excepção cultural, a protecção das nossas identidades culturais e o apoio aos nossos criadores, ao mesmo tempo que o respeito do público a quem temos o dever de garantir um livre acesso à cultura e a todas as obras. Os cidadãos defendem muito mais do que podemos imaginar a importância de poderem continuar a escrever, compor, jogar, produzir e distribuir as nossas obras e os conteúdos que elas veiculam no respeito integral pelos direitos de cada um. Porque, quando se trata de cultura, é sempre deles que se trata.