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Temos, então, até este ponto, que os jogos são capazes de engajar e despertar a sensação de imersão nos jogadores. Não obstante, engajamento e imersão são questões que podem ser observadas também à luz do aparato técnico utilizado para o jogo. Segundo Murray (2003) essas características (imersão e interação) estão ligadas não apenas ao objeto, mas às condições do próprio meio digital.

De acordo com a autora, os meios digitais seriam interativos e imersivos em razão de serem: enciclopédicos,espaciais, procedimentais e participativos. Para Murray (2003), enciclopedismo e espacialidade estariam ligados à capacidade de representação gráfica e armanezagem de dados, respectivamente. Tais propriedades permitiriam, assim, a possibilidade de imersão no ambiente digital.

Ainda conforme Murray (2003), por serem participativos, os artefatos digitais são capazes de responder à interferência do usuário. Por fim, a característica procedimental, se deve ao fato de o meio digital ser programável, logo essa participação se dá a partir de uma relação de inputs e outputs sob regras previamente definidas. Dessa forma, a comunicação entre o utilizador e o sistema ocorre de forma processual. São exatamente essas duas últimas características que levam ao que se entende por interatividade nos meios digitais.

De forma complementar, convém lembrar a proposta de Manovich (2001) sobre os princípios das novas mídias. O autor observa que os novos meios (aqui, meios digitais) são capazes de organizar de dados de forma modular e flexível. É justamente essa característica que viabiliza a construção de mundos possíveis em jogos digitais, que tomam forma à medida em que o jogador exerce sua interferência.

Em outras palavras, o objeto digital é capaz de, dentro de certas limitações, se adequar à interferência do usuário. Que essas limitações estão previamente dispostas pelo desenvolvedor do sistema e pelo próprio meio, não restam dúvidas. Devemos considerar, contudo, que o indivíduo é elemento fundamental para o próprio funcionamento de um sistema procedimental. Neste ponto, cabe também a análise de Silva (2000, p. 137) que, ao tratar da interatividade, afirma que:

A liberdade de navegação aleatória é garantida por uma disposição tecnológica que faz do computador um sistema interativo. Esta disposição tecnológica permite ao usuário atitudes permutatórias e potenciais. Ou seja: o sistema permite não só o armazenamento de grande quantidade de informações, mas também ampla liberdade para combiná-las (permutabilidade) e produzir narrativas possíveis (potencialidade).

Diante da disposição entre permutabilidade e potencialidade, faz-se necessária uma reflexão sobre os games em sua natureza ambígua de meio. Se, por um lado, permitem a

construção de mundos ficcionais por parte dos desenvolvedores de jogos, por outro, viabilizam a elaboração de sentido por parte dos usuários na condição de sujeitos manipuladores dessas condições potenciais.

Enquanto dispositivos, os jogos possuem uma característica específica que, em nossa opinião, potencializa os efeitos de verdade da experiência vivida pelo jogador. Trata-se da simulação.

Para Frasca (2003), a simulação é uma característica que, embora possa estar presente em brinquedos e jogos não digitais, foi ampliada pelo surgimento dos computadores. Ainda segundo o autor, a simulação está ligada à capacidade de manipulação que os objetos digitais oferecem. O teórico ressalta que:

A simulação não apenas retém características – geralmente audiovisuais – do objeto, mas também inclui um modelo de seus comportamentos. Este modelo reage a certos estímulos (inputs, apertar de botões, movimentos de joystick) de acordo com uma série de condições (FRASCA, 2003, p.3).10

A simulação, portanto, é um recurso que permite que o jogador amplie a sensação de participação e insersão no ambiente de jogo. Mais do que tomar decisões isoladas que interferem no ambiente digital, o jogador pode emular uma série, por vezes complexa, de comportamentos naquele universo.

Também fundamental a respeito do conceito de simulação é o fato de o autor considerar que esta característica diferencia os jogos das mídias apreciativas ou, segundo ele, baseadas em representação. Afinal, se no cinema o sujeito “se reconhece” no personagem de um filme de ação, no jogo o sujeito agena condição de personagem.

A partir desse raciocínio, é possível considerar que, nas estruturas baseadas em simulação, não há separação entre o indivíduo que age e o sujeito. Já nas mídias apreciativas ocorre um processo de empatia que leva à identificação do sujeito espectador com o sujeito personagem, representado por outrem.

Para melhor compreensão do conceito de simulação, destacamos um trecho de um relato jornalístico a respeito do jogo Grand Theft Auto 5, em que se descreve uma experiência de 24h consecutivas no game:

Disputei corridas, mas o resultado me fez lembrar que não tenho habilitação na vida real. Tentei aulas de aviação. Saltei de paraquedas do letreiro de Vinewood (há vários pontos turísticos de Los Angeles recriados). Joguei golfe e tênis com um canadense e andei de jet ski com um brasileiro. Num clube de strip-tease, gastei o

pouco dinheiro que tinha por danças privês da Nikki, a moça mais mercenária que já conheci. Vida boa. (FAB-BOY, 2013)

O relato ajuda a desvelar a relação do jornalista, sujeito, com seu alter-ego no jogo. Não se trata de uma identificação com um personagem alheio a si que desempenha atividades extravagantes para um indivíduo da classe média brasileira. Antes, os fatos são narrados na primeira pessoa do singular “disputei, tentei, saltei, etc” indicam uma noção de presença no ambiente virtual. São descritas vivências em primeira pessoa de experiências, por assim dizer, sintéticas, mas nem por isto menos reais.

A ideia de pessoalidade fica ainda mais clara ao observarmos os fracassos – “o resultado me fez lembrar que não tenho habilitação na vida real” – e a fruição no jogo – “gastei o pouco dinheiro que tinha por danças privês da Nikki” – são para o jogador fruto de seu próprio mérito e têm uma relação direta com a vida real.

Para esta análise é a percepção do jornalista de que sua ausência de que os predicados que lhe faltam na vida real são relevantes também para o jogo. Igualmente, o prazer que sente no ambiente de jogo é naturalizado, parece uma experiência quanto outra qualquer, como se nota pela observação final “vida boa”.

Nesse sentido, é relevante destacar a presença do usuário como elemento criativo na relação com o jogo. Logo, não bastaria entendê-lo como elemento formal da estrutura de jogo, cuja intervenção está restrita a uma categoria ou uma esfera do jogo enquanto obra. O jogador é sujeito que enuncia e se expressa no game.

O jogador vive o ambiente de jogo. Se por um lado reage a um ambiente previamente construídos é ele quem determina a existência do jogo enquanto tal. O usuário, por fim, é o indivíduo em contato com o dispositivo. E nesta condição é modificado por ele numa relação que pode ser de rejeição, aprendizado, fruição mas dificilmente de indiferença. Ou melhor, a indiferença do jogador em relação ao jogo tende a ser o fim deste.

De tal modo, é possível observar que o meio digital é um primeiro elemento determinante para a construção de uma mensagem persuasiva em jogos digitais. Afinal, mais que viabilizar a veiculação de sentido, os dispositivos são responsáveis pela formação da mensagem e, consequentemente, pelo sentido que esta adquire (CHARAUDEAU, 2009, p.104-105).

O raciocínio apresentado encontra eco em Schell (2001) quando o autor afirma que “a tecnologia é essencialmente o meio em que a estética acontece, em que a mecânica ocorrerá e por meio da qual a narrativa será contada”. Ademais, todo meio é fundamental na formação da mensagem enquanto discurso e, como alertado por Charaudeau (2009, p.104-105), “seria

uma atitude ingênua pensar que o conteúdo se constrói independentemente da forma, que a mensagem é o que é independentemente do que lhe serve de suporte”.

A partir do apresentado, entendemos que o meio digital funciona como dispositivo para a construção de mundos persuasivos responsáveis pela formação e processamento de discursos em jogos digitais. Com base no engajamento estabelecido entre o jogador e a experiência de jogo se dão processos persuasivos que obedecem às proposições daquele que arquitetou o sistema. Tais processos, embora dependam do usuário para formação integral de sentido, são projetados com uma finalidade que tende a envolver o usuário em um ambiente ficcional regido por uma lógica processual à qual frequentemente se sobrepõe uma narrativa.

A persuasão em jogos, portanto, estaria baseada em uma rede de relações que pode estar ancorada em três elementos chave já comentados: os processos, fruto da interpretação que o jogador faz principalmente das regras; a narrativa, que confere valor teleológico ao conjunto de ações; mundo de jogo, junção dos elementos tangíveis (gráficos, personagens, trilha do jogo etc) com as duas camadas anteriores. Durante este trabalho, portanto, testaremos a hipótese de que a efetividade da persuasão em jogos digitais depende da forma como esses elementos são explorados pelos responsáveis por projetar as bases da experiência.