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Mundo de jogo: propaganda ideológica e discurso publicitário em jogos digitais

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Academic year: 2021

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CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

DIEGO GRANJA DO AMARAL

MUNDO DE JOGO:

discurso publicitário e propaganda ideológica em jogos digitais

RECIFE 2015

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DIEGO GRANJA DO AMARAL

MUNDO DE JOGO:

discurso publiciário e propaganda ideológica em jogos digitais

Dissertação apresentada à banca examinadora como requisito para obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, na linha de pesquisa Mídia, Linguagens e Processos Sociopolíticos.

Orientador: Prof. Dr. Rogério Covaleski.

RECIFE 2015

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Catalogação na fonte

Bibliotecário Jonas Lucas Vieira, CRB4-1204

A485m Amaral, Diego Granja do

Mundo de jogo: propaganda ideológica e discurso publicitário em jogos digitais / Diego Granja do Amaral. – Recife: O Autor, 2015.

131 f.: il., fig.

Orientador: Rogério Luiz Covaleski

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Artes e Comunicação. Comunicação, 2015.

Inclui referências.

1. Comunicação de massa. 2. Jogos eletrônicos. 3. Análise de discurso. 4. Propaganda. 5. Publicidade. I. Covaleski, Rogério Luiz (Orientador). II.Título.

302.2 CDD (22.ed.) UFPE (CAC 2015-31)

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DIEGO GRANJA DO AMARAL

MUNDO DE JOGO:

DISCURSO PUBLICIÁRIO E PROPAGANDA IDEOLÓGICA EM JOGOS DIGITAIS

Dissertação elaborada sob a orientação do Professor Dr. Rogério Covaleski e apresentada

ao Programa de Pós-Graduação em

Comunicação da Universidade Federal da Pernambuco, como requisito para a obtenção do título de Mestre.

Aprovada em: 26/02/2015

BANCA EXAMINADORA:

______________________________ Prof. Dr. Rogério Luiz Covaleski Universidade Federal de Pernambuco ______________________________ Profa.Dra. Karla Regina Macena Pereira Patriota Bronsztein Universidade Federal de Pernambuco

______________________________

Prof. Dr. André Luiz Maranhão de Souza Leão Universidade Federal de Pernambuco

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AGRADECIMENTOS

- A meus pais, Amélia e Veríssimo, pelo apoio em todas as horas.

- Ao orientador Prof. Dr. Rogério Covaleski, por ter aceitado o desafio e risco de orientar o trabalho, pelo apoio e orientação que guiaram o desenvolvimento da pesquisa e pela presença constante; À Profa. Dra. Karla Patriota Bronzstein, pela orientação e presença que me acompanha desde a graduação. Agradeço ainda, pelas contribuições para a formação deste estudo que extrapolam o período do mestrado, e sobretudo pelo estímulo para que seguisse a carreira acadêmica; Ao Prof. Dr. André Leão, pela generosa participação na banca de qualificação, essencial para que a pesquisa tomasse o atual curso, e pela disponibilidade e interesse em seguir acompanhando a pesquisa inclusive na banca de defesa; Agradeço ainda ao Prof. Dr. Eneus Trindade, que nos encontros fortuitos deixou uma contribuição essencial para o olhar da investigação.

- Aos professores do PPGCOM, que contribuíram imensamente para a construção deste trabalho. Em especial à Cris (Profa. Dra. Cristina Teixeira) pelas conversas, estímulo e críticas que fizeram de Foucault parte importante deste trabalho; A Jéder (Prof. Dr. Jéder Janotti) e à Tina (Profa. Dra. Isaltina Gomes), por apresentarem em suas disciplinas material que serve de aporte teórico metodológico à pesquisa; Aos funcionários do PPGCOM e DCOM, em especial Zé (José Carlos), pela disponibilidade e amizade.

- Aos amigos e colegas do PPGCOM, que que caminharam junto tornando o mestrado uma experiência também afetiva. À Marcellinha (Marcella Rodrigues) e Cris (Cristianne Melo) companheiras de conversas, viagens e pesquisa; a Erick (Erick Vasconcelos), em nome dos demais colegas de programa, pela caminhada compartilhada; e às meninas, Bia (Beatriz Braga), Sílvia (Sílvia Almeida), Brenda (Brenda Guedes), Gabi (Gabriela Lima), Marcela Costa e Isabela Domingues cujas pesquisas e participações em aulas influenciaram este trabalho.

- À Alanna Maltez, pelas inúmeras conversas, diversas contribuições e companheirismo ao longo do desenvolvimento deste trabalho. À Clara Câmara pelas contribuições e paciência na revisão do trabalho.

- E ao mestre e amigo Rodrigo Duguay, companheiro de pesquisas e bons momentos, por ter tornado isto possível.

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RESUMO

É objetivo desta dissertação contribuir para uma melhor compreensão sobre a apropriação dos jogos digitais pelo discurso publicitário e propagandístico, e se insere no contexto amplo da discussão acerca das potencialidades discursivas dos videogames. A pretende ainda, propor um protocolo teórico-metodológico com a finalidade de contribuir para o entendimento dos videogames como meios expressivos. Para tanto, optamos por uma investigação que observa os jogos sob o prisma do conceito de dispositivo, aproximando os games de uma discussão acerca das relações de poder ali imbricadas. Assim, este trabalho se apóia no arcabouço do estudo dos jogos (Aarseth, 2003; Juul, 2005; Frasca, 2003), de autores ligados à publicidade, e da noção de dispositivo a partir de Foucault (1977, 1987, 1988), Agambem (2009) e Deleuze (1990), principalmente.

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ABSTRACT

The debate in the present research intends to discuss the application of digital games by the advertising and propagandistic discourse, as part of the broader context of the debate about the discoursive potential of the videogames. This thesis intends to purpose a both theoretical and methodological approach to the videogames as expressive mediums research field. Therefore, it´s been adopted an investigation based on the contributions of authors from different areas of expertise from the game studies theorists (Aarseth, 2003;Juul, 2005; Frasca, 2003) to advertising ideologues and specialists on the foucauldian concept of dispositif (1977, 1987, 1988,), such as Foucault himself, Agambem (2009) and Deleuze (1990), among others.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Filme 60´´Ford Fusion...50

Figura 2 - Intertextualidade em jogos digitais...55

Figura 3 - Google Doodle "Futebol"...58

Figura 4 - Advergame Jack Daniels...60

Figura 5 - Toast Crunch...61

Figura 6 –Magnum Pleasure Hunt………..………….61

Figura 7 –Magnum Pleasure Hunt...62

Figura 8 - Tela de abertura do Mc Donald´s Videogame...73

Figura 9 - Intervenção do Anonymous no Habbo Hotel...79

Figura 10 - Tela Inicial do MPH...93

Figura 11 - Trecho do jogo MPH...93

Figura 12 - Personagem entra no elevador MPH...93

Figura 13 - Personagem sai do elevador MPH...94

Figura 14 - Tela de fim de jogo MPH...95

Figura 15 - Captura de tela Magnum Pleasure Hunt...95

Figura 16 - Postagem de Magnum na Fanpage do Facebook: 15/04/2014...97

Figura 17 – Cenários Street Fighter II: Brasil (esq.) e Estados Unidos (dir.)...106

Figura 18 – Soldado americano usando uniforme do exército (dir.) e inimigo em fardamento genérico (esq.)...116

Figura 19 – Da esquerda para direita: Placa em protesto contra os americanos e soldados em cenários desérticos...118

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LISTA DE QUADROS

Tabela 1 - Definição de Advergames...57 Tabela 2 - Paradigmas de análise...102

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...10

1 O JOGO ENQUANTO DISCURSO...13

1.1 JOGOS COMO OBJETOS DE CONSUMO………...13

1.1.1 Jogos persuasivos ou “jogos sérios”...15

1.2 O QUE SÃO JOGOS?...16

1.2.1 A importância da regra para a compreensão de jogo e jogo enquanto sistema...17

1.2.2 O ato de jogar: vencer e perder...21

1.2.3 O papel do usuário e a definição de jogo adotada...23

1.3 ELEMENTOS DISCURSIVOS EM JOGOS...24

1.3.1 A contribuição de Foucault...26

1.3.2 Arquitetura discursiva do game...27

1.3.3 Caminhos para análise dos jogos...30

1.4 NOÇÃO DE DISPOSITIVO NOS ESTUDOS MIDIÁTICOS...31

1.4.1 A noção de dispositivo para pensar os jogos...34

1.5 MEIOS IMERSIVOS E INTERATIVOS...36

1.6 POR QUE JOGOS COMO DISPOSITIVOS MIDIÁTICOS?...40

2 JOGOS E PUBLICIDADE: VIDEOGAMES PARA ALÉM DA RETÓRICA PROCEDIMENTAL...43

2.1 O DESENVOLVIMENTO DO DISCURSO PUBLICITÁRIO...43

2.1.1 Consumo e publicidade……...………....44

2.1.2 A metáfora e a narrativa no discurso publicitário...47

2.1.3 Publicidade híbrida...51

2.2 O USO DE JOGOS PELA PUBLICIDADE: ADVERGAMES...53

2.2.1 Advergames, uma tipologia...58

2.3 RETÓRICA PROCEDIMENTAL – O ENQUADRAMENTO DA MENSAGEM PELO MEIO...62

2.4 A PERSUASÃO NOS MEIOS DIGITAIS...64

2.4.1 McDonald´s The Game – ativismo e propaganda ideológica em jogos digitais...69

2.4.2 Hotel Habbo e a bidirecionalidade da retórica nos jogos digitais...76

3 A PERSUASÃO PELA NARRATIVA...81

3.1 JOGOS COMO CIBERTEXTOS...81

3.2 A NARRATIVA CIBERTEXTUAL DOS JOGOS DIGITAIS...83

3.2.1 A construção de sentido nas narrativas em videogames...84

3.3 NARRATIVAS EM MUNDOS PERSUASIVOS...87

3.4 NARRATIVAS PUBLICITÁRIAS EM JOGOS...90

4 MUNDO DE JOGO: VIDEOGAMES COMO VERDADE E SUBJETIVAÇÃO...98

4.1 O MUNDO DE JOGO COMO ABORDAGEM METODOLÓGICA...98

4.1.1 O mundo de jogo e o exercício do poder disciplinar...102

4.1.2 O mundo de jogo enquanto verdade (saber)...108

4.2 AMERICA’S ARMY: ADVERGAMES EM SEU ESTADO DA ARTE...112

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4.2.2 Processos...116

4.2.3 Personagens Não Jogáveis (NPCs)...117

4.2.4 Ambientes...119

4.2.5 Narrativa...121

CONSIDERAÇÕES FINAIS...123

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INTRODUÇÃO

É possível observar que o desenvolvimento da publicidade como campo, tanto acadêmico quanto mercadológico, tem tradicionalmente se preocupado em mapear as manifestações do discurso publicitário nos mais diversos substratos midiáticos e suas possibilidades persuasivas. Ao lado disto, especialmente nas últimas décadas, emerge uma crescente preocupação com o papel do consumidor face à publicidade e das tecnologias, instâncias de influência na relação entre consumidores e marcas.

Em grande parte, a atenção a tais questões se deve à característica da publicidade enquanto linguagem de se apropriar de diversos substratos midiáticos para a otimização do alcance e, sobretudo, da efetividade da mensagem marcária. Trata-se, afinal, de um exercício constante de adaptação e adequação às necessidades do público-alvo.

Igualmente relevante é o fato de que, na publicidade, predomina a linguagem conotativa, em especial, com construções que mimetizam o mundo cotidiano a fim de inserir posicionamentos favoráveis aos produtos anunciados. Este fato se dá desde o início da publicidade enquanto indústria, na mídia impressa, e foi levado com competência para o rádio, para as telas de cinema, televisão e afins.

Como é sabido, a publicidade reinventa o mundo em incontáveis metáforas que desafiam o cotidiano em favor do apelo ao consumo. Não por acaso, na publicidade, as narrativas ocupam um espaço privilegiado. Trata-se de um mecanismo ancestral de manipulação da linguagem e suas construções para o exercício de poder simbólico sobre indivíduos e populações.

Todavia, como ocorre com o surgimento de qualquer substrato midiático, faz-se relevante a elaboração e, posteriormente, o entendimento das relações de poder e saber que se constituem a partir de tais meios. Afinal, mais que espaços para anúncios as mídias traduzem relações de poder e construções de verdade.

Diante deste contexto, esta pesquisa propõe uma análise do discurso publicitário em jogos digitais, objeto emblemático para a investigação das potencialidades a serem exploradas pela publicidade nas novas tecnologias da comunicação e informação. Nesse sentido, segundo a perspectiva desta pesquisa, os jogos se situam de na categoria de dispositivos midiáticos. A adoção deste conceito pelo trabalho contribui inclusive para uma reflexão centrada na relação de poder e subjetivação presente no uso desses meios como expressão publicitária e de propaganda política.

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De tal forma, buscamos uma análise das instâncias de formação de sentido nos jogos digitais, a fim de elucidar as potencialidades deste meio que é, ainda, explorado de forma muito limitada pela publicidade. Espera-se, assim, contribuir para avanços na compreensão destes objetos, com base em uma abordagem crítica do artefato.

A compreensão dos jogos digitais requer ainda, uma reflexão acerca do potencial desses objetos em conduzir o olhar da audiência guiando-a no ambiente digital. Para tanto, entendemos ser necessário observar a relação entre o aparato técnico e a discursividade do conteúdo.

Em outras palavras, se coloca nesta pesquisa o desafio de mapear os recursos oferecidos pelo meio digital e seus usos em jogos, que parecem se desdobrar em exercícios de poder e construção de verdade. O videogame é pois é um território de disputa.

De um lado, o autor da mensagem se utiliza da mídia configurável, projetada para a propagação de um determinado conteúdo. Por seu turno, ao target da mensagem cabe o papel de rejeitar aquele conteúdo das mais diversas formas possíveis ou aceitá-lo. Mais que isto, conforme discutiremos, o indivíduo participa do jogo reconfigurando-o.

É justamente o espaço desta negociação que interessa a esta pesquisa. Até que ponto os jogos são capazes de envolver o jogador de forma a atenuar suas resistências em favor de um comportamento conveniente àquele que constrói a mensagem? A noção de participação do consumidor e engajamento deste em uma atividade publicitária consensual, certamente, se aproxima da docilidade ideal para a melhor apreensão do conteúdo marcário.

O jogo portanto é objeto de mediação na relação entre o discurso marcário (ou político) e a audiência. Assim, entendemos que observar os jogos em seu caráter discursivo é o ponto de partida para a compreensão dos processos de persuasão, e subjetivação, neste que é um objeto cujo caráter dialógico é evidente. Deste modo, o estudo pretende analisar os elementos que contribuem para a construção do que entendemos ser a metáfora publicitária em jogos.

Para tanto, iremos acionar o arcabouço teórico do estudo dos jogos para compreensão da dimensão técnica dos artefatos. Ao lado disto, adotaremos a teoria foucaultiana acerca de discurso e dispositivo para a compreensão dos elementos que atravessam o ambiente digital do jogo, constituindo seu espaço simbólico. Esperamos, então, estabelecer o jogo como ponto referencial para a compreensão do pontencial dos ambientes digitais enquanto dispositivos.

Na condição de dispositivos, portanto, os jogos se caracterizariam por formar uma rede de relações de poder e saber e, por consequência, seriamresponsáveis pela formação de

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subjetividades. São objetos capazes de divertir, educar e veicular protestos. Igualmente, são suportes de grande potencial para mensagens publicitárias.

Contudo, diferentemente de tantos outros meios, os jogos não recebem investimentos publicitários na proporção de seu sucesso mercadológico ou de seus avanços técnicos. Da mesma forma, nas ciências humanas, o estudo desse tema é recente, especialmente se comparado com o interesse sobre o tema apresentado pelas ciências exatas e da informação há décadas.

Assim, seja em razão dos investimentos ainda cuidadosos por parte das agências, seja pela ausência de investigações conclusivas acerca da persuasão e de seus usos ideológicos, os jogos não ocupam espaço de prestígio na publicidade, tanto no âmbito teórico quanto mercadologicamente.

Ressalvamos o esforço pioneiro de alguns pesquisadores, especialmente brasileiros, que, com seu trabalho pioneiro sobre o tema, foram determinantes para a existência e desenvolvimento deste estudo. Doravante neste trabalho, procuraremos associar os recentes estudos acerca dos jogos digitais na condição de disciplina, a ludologia, e o arcabouço teórico das ciências humanas em um percurso que atravessa principalmente questões como retórica, discursos e publicidade – estes últimos historicamente intrincados.

Esperamos, assim, contribuir para um avanço no olhar acerca de jogos digitais enquanto formulações capazes de representações ideológicas, suportando inclusive usos pela publicidade e pela propaganda.

1 O JOGO ENQUANTO DISCURSO

1.1 JOGOS COMO OBJETOS DE CONSUMO

Embora os jogos sejam um elemento culturalmente muito difundido nas sociedades ocidentais, definir essa atividade é uma tarefa consideravelmente complexa. Este fato se deve especialmente à heterogeneidade de abordagens sobre o tema, analisado por diversos autores, especialmente a partir da segunda metade do século XX.

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Parte da importância atribuída ao objeto, em especial nos últimos 40 anos, se deve a seu inegável apelo mercadológico. Só no ano de 2012, por exemplo, a indústria movimentou mais de 20,77 bilhões de dólares, de acordo com a Entertainment Software Association (ESA, 2013). Contudo, mais do que objetos de grande apelo mercadológico, os jogos chamam atenção igualmente por sua importância cultural.

Atualmente, o jogador médio de videogames tem trinta anos de idade e contato com essa atividade há treze (ESA, 2013). Ou seja, não apenas a idade dos jogadores se revela mais elevada em relação à visão estereotipada que relega aos jogos o título de entretenimento infanto-juvenil, mas sobretudo, é importante notar que esta atividade parece acompanhar os indivíduos por muitos anos. O dado se torna ainda mais relevante se considerarmos que a indústria teve como embrião o console Magnavox Odyssey, lançado em 1972.

Após o lançamento do Odyssey se dá o que talvez seja o fato mais significativo para a formação da indústria dos games, o surgimento da Atari. A fundação da Atari é marcada pelo sucesso do (game) Pong (ATARI, 1972), hoje um clássico, cujo sucesso ensejou a criação de outros trinta jogos, nos dois anos subsequentes a seu lançamento (Langlotz; Rhode; Whaley, 2008).

Formado nos anos 1970, o mercado de games tem nos anos 1980 seu momento de consolidação em razão de uma consolidação técnica e financeira. No ano de 1983, por exemplo, o mercado atinge a receita de 3,2 bilhões de dólares, um crescimento de 400% em relação ao ano anterior. Em 1985, o lançamento do Nintendo Entertainment System (NES) confirma o avanço técnico da indústria, que foi acompanhado pelo título, agora clássico, Super Mário Bros. (Langlotz; Rhode; Whaley, 2008).

Uma breve digressão histórica indica uma relativamente recente consolidação do mercado, fato que ajuda a explicar a idade média de 35 anos dos jogadores. Afinal, parece razoável que a penetração dos videogames como mídia e linguagem se mostre mais sedimentada entre aqueles cujas gerações tiveram contato com o objeto desde a infância (ESA, 2013).

Outro dado importante para uma quebra de paradigmas culturais é o fato de uma parcela significativa dos jogadores (45%) ser composta por mulheres, um percentual que indica uma paridade entre os públicos no consumo desta mídia. Além disto, o estudo da ESA constatou que 71% dos pais acreditam que jogos podem promover estímulos educativos e mentais para os filhos, ao passo em que 59% deles acredita que os jogos contribuem para manter a família unida (ESA, 2013).

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Mais especificamente no Brasil, a realidade também requer atenção ao objeto. De acordo com estudo publicado pelo Ipsos Marplan (2013), o brasileiro passa, em média, quatro horas por semana jogando videogames. Além disto, 42% dos entrevistados das classes A e B possuem videogames, o que indica boa penetração do meio em um segmento com forte poder de compra. Ainda relevante é o número de 26% na classe C e 9% nas classes D e E (REUTERS, 2013). Ou seja, ainda que com penetração significativamente menor nos estratos menos favorecidos da população, os videogames estão presentes nos lares brasileiros em todos os estratos sociais.

Um ponto que deve ser considerado nesta análise é o fato de o acesso a jogos digitais não se restringir ao público retratado na pesquisa. Afinal, todo indivíduo com acesso a um dispositivo digital pode ter acesso a tais jogos, não dependendo da posse de um console para tal.

Os dados previamente apresentados apresentam um panorama geral da indústria e não podem ser meramente transpostos para a realidade da comunicação institucional. Por outro lado, as estatísticas contribuem para situar o trabalho no espectro cultural e mercadológico do objeto em questão. A pesquisa se mostra reveladora ao apontar que, mesmo para o senso comum, os jogos são instrumentos capazes de estimular comportamentos, hábitos e educar.

As referidas estatísticas contribuem igualmente para uma atualização da percepção sobre o universo dos jogos digitais. Afinal, o videogame, para as novas gerações, não está relegado à condição de brinquedo ou objeto da ordem do lazer descompromissado. O videogame na vida do nativo digital partilha um espaço antes reservado ao cinema aos livros, sem que estes tenham sido necessariamente deixados de lado. O jogo digital, por vezes, é a babá, o amigo e a escola do indivíduo cuja geração acessa jogos em quaisquer dispositivos digitais.

Visto sob esse prisma, o videogame é um elemento relevante no tecido cultural contemporâneo. Intimamente ligada às manifestações culturais é possível constatar que a publicidade percebe nessas plataformas substrato capaz de dialogar com indivíduos de gêneros e idades em um espectro abrangente, formulando mensagens sob medida para cada segmento do target.

1.1.1 Jogos persuasivos ou “jogos sérios”

Em razão de o objetivo desta pesquisa se concentrar na importância dos jogos enquanto discurso, elencaremos algumas definições acerca do tema com o intuito de

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instrumentalizar o trabalho com argumentos pertinentes a esta discussão. Assim, atendendo a uma necessidade metodológica, abordaremos de forma mais geral e aprofundada teorias relativas a jogos, discurso e publicidade, centrando a discussão especialmente nos pontos de tensão entre elas. Questões consideradas colaterais ao tema serão eventualmente citadas em seus pontos de contato com a questão principal.

De tal modo, o escopo do trabalho se concentra nos jogos persuasivos, ou “jogos sérios”. Esses conceitos pretendem abarcar aqueles jogos cujo desenvolvimento e consumo intencionam propósitos que extrapolam a finalidade lúdica para priorizar discussões ligadas à ideologia e ao consumo.

Nas palavras de Raessens (2006, p.3, grifos meus), os jogos sérios são “usados em áreas tais como educação, treinamento, política e vão além do mero entretenimento”. Um acréscimo pertinente à lista acima seriam os advergames, cujos propósitos e usos serão investigados neste trabalho.

Em comum, é possível observar nos jogos sérios uma característica iminentemente persuasiva, afinal, os artefatos digitais que se colocam como meios para formulação de experiências lúdicas são utilizados também como plataforma para a persuasão ou difusão de pontos de vista. Não à toa foram elencados dentro do arcabouço desse tipo de jogos “política e treinamento”.

Todavia, ao tratar do uso de jogos como plataformas que permitem a reflexão, Bogost (2007) distingue os jogos sérios dos jogos persuasivos, terminologia adotada por ele para definir o uso retórico desse meio. De acordo com este autor, o termo “sério” não apenas é vago como também está fortemente vinculado a jogos institucionais “a serviço de governos, corporações e instituições educacionais...” (BOGOST, 2007, p.58). No comentário, o teórico se refere ao fato de jogos serem amplamente utilizados por instituições como o exército e escolas para treinamento e por governos e corporações para difusão de mensagens de cunho político-institucional.

A alcunha de jogos persuasivos, então, seria mais adequada para jogos com finalidade que, além de endossar posicionamentos institucionais, remetam também a posicionamentos críticos em relação a essas mesmas instituições, a exemplo dos anti-advergames que serão pontuados oportunamente nesta pesquisa.

Ainda relevante é observar que Bogost (2007), ao optar pela terminologia “jogos persuasivos”, assume a possibilidade de jogos “comerciais” ou sucessos na indústria do entretenimento assumirem posições persuasivas e críticas.

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Este estudo adotará a expressão jogos persuasivos para se referir aos jogos investigados nesta pesquisa, de forma a deixarmos o campo de avaliação aberto àqueles jogos centrados em propósitos persuasivos, independentemente das premissas que levaram a seu desenvolvimento.

Esperamos, sobretudo, abordar nesta pesquisa os jogos na condição de plataformas passíveis de formulações ideológicas, assumindo a natureza de dispositivo midiático, a qual será discutida mais à frente. Trata-se pois de analisar o objeto não apenas como veículo de um discurso ou um propósito, mas antes enquanto discurso em si.

Desta feita, convém que o desenvolvimento de nosso trajeto teórico se inicie pela conceituação dos jogos em geral, e de seu potencial persuasivo. A discussão, neste trabalho, se concentrará sobretudo em um olhar sobre os jogos na perspectiva de dispositivos, transcendendo assim o lugar de veículo para ocupar um papel expressivo como discurso ideológico, e como instância do discurso publicitário.

1.2 O QUE SÃO JOGOS?

Para um maior aprofundamento a respeito do objeto empreenderemos uma análise do que são jogos digitais nos termos que dizem respeito a esta pesquisa. Iniciaremos a revisão dos conceitos com base em uma organização cronológica por entendermos que o conceito foi modificado de forma incremental tanto em razão de novas pesquisas acadêmicas, quanto em resposta a mudanças técnicas que deram vazão a novas perspectivas.

Em definição pioneira, Huizinga (2000) estabelece parâmetros ainda discutidos no estudo dos jogos:

O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da 'vida cotidiana' (HUIZINGA, 2000, p.24).

Merecem destaque na conceituação proposta a existência de regras obrigatórias, a relação entre tensão e alegria e uma certa ideia de imersão, que será debatida com mais profundidade na análise acerca dos jogos em ambientes digitais. Nos afastamos do autor no que concerne à noção de que os jogos constituem “fim em si mesmos”, por entendermos que os amplos usos destes na atualidade não permitem essa compreensão. Conforme discutido no

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tópico anterior, o uso de jogos enquanto plataformas expressivas, pode visar objetivos diversos.

A proposta teórica de Huizinga (2000) sofre críticas por ser considerada excessivamente abrangente. Não obstante, considerando que o esforço do teórico estava dirigido à compreensão da influência cultural dos jogos, logo um espectro naturalmente vasto de discussão. Sua proposta contribui para o entendimento de que suas definições se inserem em um debate distinto do atualmente desenvolvido pelos postulantes da chamada ludologia, esta última tem nos jogos o centro do debate .

Os ludólogos, especialistas no estudo formal dos jogos, são assim chamados em razão de uma relevante distinção entre paidia e ludus, conforme proposto por Callois (2001). De acordo com o autor, a paidia seria uma espécie de manifestação do jogo regido por um sentimento de “fantasia descontrolada”, de movimentos livres e improvisados. Recorrendo a Huizinga (2000), entendemos que essas atividades estão ligadas ao que, em português, se denomina “brincadeiras”, uma vez que jogos, para o autor, pressupõem regras claras.

O ludus, então, seria o polo oposto, uma manifestação que requer “esforço, paciência, habilidade”. O ludus é o jogo regrado, baseado em convenções, ao passo que as demais manifestações lúdicas podem ser entendidas dentro do âmbito do lazer de forma ampla, como as brincadeiras não interessam a este debate.

A noção de ludus é um primeiro ponto importante na construção deste trabalho. Em oposição à paidia, merece destaque a noção de controle que naturalmente é exercido por um dos eixos da relação, em contraposição ao improviso, por exemplo. Essa relação ajuda também a explicar um entendimento errôneo que atribui aos jogos a condição de divertimento inocente. Por ser sistemático, organizado e ancorado em regras, o jogo é ideal para o exercício do poder através do controle.

1.2.1 A importância da regra para a compreensão de jogo e jogo enquanto sistema

Tendo em vista tais diferenças, a corrente entendida como ludológica está ancorada no estudo das regras enquanto elemento chave para a teorização sobre a questão. Segundo os ludólogos, as regras são um primeiro elemento formal capaz de definir a atividade de jogar. Em Juul (2005), são elas que definem a condição de jogo e toda a consequente análise sobre o tema.

Para o autor, o estudo e compreensão das regras é o ponto de partida necessário para o desenvolvimento e experiência de jogo, sendo os demais elementos subsidiários. Afinal, é ali

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que o criador do game estabelece os termos que irão guiar a experiência proposta aos eventuais jogadores, a partir de restrições, instruções e objetivos. Por outro lado, ainda de acordo com o teórico, é em relação às regras que o jogador estabelece seus objetivos, estratégias e táticas.

De acordo com esse raciocínio, as regras representariam não apenas os limites desses mundos imaginários, mas também seus fundamentos. Juul (2005) aponta ainda para o jogo como uma realidade à parte, ou, segundo ele, um universo “meio real” (half-real, no original) uma vez que trata-se de um mundo ficcional, onde há margem para fantasia, regido por regras reais. Interessam portanto as duas facetas do universo ludológico.

Essa perspectiva é reforçada pela definição oferecida pelo pesquisador a respeito do tema. Para ele, um jogo pode ser entendido como:

Um sistema baseado em regras com um resultado variável e quantificável onde diferentes resultados possuem valorações diversas, o jogador exerce esforço com o objetivo de influenciar o resultado, o jogador se sente apegado ao resultado e as consequências da atividade são opcionais ou obrigatórias1 (JUUL, 2005, p.36).

Na descrição citada, dois pontos merecem particular atenção. Em primeiro plano, devemos destacar o citado apego do jogador ao resultado da atividade. Neste ponto, a interpretação da análise sobre jogos transcende a esfera meramente recreativa e passa a dialogar também com a influência psicológica dos efeitos da atividade sobre o jogador.

Ali, é possível reconhecer que a experiência de jogo, seja positiva ou negativa, interfere no estado de espírito dos usuários. Este fato, embora pareça evidente quando relacionamos jogos a uma finalidade recreativa, exerce influência também sobre o potencial persuasivo e da transmissão de sentidos nestes. Afinal, o apego do jogador aos resultados possíveis do jogo remete ao uso de estratégias de bonificação e punição para influenciar comportamentos do usuário. Assim, recorremos ao trabalho de Skinner que, ao estudar o condicionamento, constatou que quando:

Um comportamento tem o tipo de consequência chamada reforço, há maior probabilidade de ele ocorrer novamente. Um reforçador positivo fortalece qualquer comportamento que o produza: um copo d'água é positivamente reforçador quando temos sede e, se então enchemos e bebemos um copo d'água, é mais provável que voltemos a fazê-lo em ocasiões semelhantes. Um reforçador negativo revigora qualquer comportamento que o reduza ou o faça cessar: quando tiramos um sapato que está apertado, a redução no aperto é negativamente reforçadora e aumenta a probabilidade de que ajamos assim quando um sapato estiver apertado (SKINNER, 1974, p.43).

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Esta relação entre reforço e punição pode ser amplamente percebida nos advergames, quando a coleta de um produto de determinada marca implica em uma bonificação ou vantagem no jogo, ao passo que a derrota pode estar relacionada a algo que possua conotação negativa no universo da marca.

Para além dos cenários de vitória ou derrota, jogos mais complexos possuem possibilidades de punição diversas que implicam em favorecimento de determinados cursos de ação em detrimento de outros. Em outras palavras, é possível observar um controle do curso de ações do jogador por parte do jogo. Nesse sentido, a arquitetura dos jogos se assemelha ao poder disciplinar descrito por Foucault (1987,p.150), para quem a “punição, na disciplina, não passa de um elemento de um sistema duplo: gratificação-sanção”.

Essa relação de gratificação-sanção, nesses ambientes, parece se manifestar das mais diversas maneiras. Desde a perda de pontos ou atraso em conseguir determinados objetivos pela adoção de uma estratégia inadequada, até o “fim de jogo” – punição máxima nesses artefatos, já que há uma gama de manifestações punitivas possíveis. Exemplo disto é a noção de trapaça, decorrente de um processo de normalização que seria difícil imaginar em atividades puramente recreativas (paidia).

Não implicamos com isto que haja necessariamente um plano vinculando esse sistema disciplinar a um interesse ideológico. Contudo, não há também impedimento de que essa construção seja realizada.

Diante do apresentado, entendemos que a experiência de jogo pode contribuir para influenciar a percepção dos jogadores por meio de diversas estratégias de reforço e punição, obedecendo a uma cadeia por vezes complexa de acontecimentos. No entanto, recorrendo novamente à definição de Juul (2005), destacamos um segundo ponto que se configura como crucial para a compreensão sobre o controle que pode ser exercido sobre as relações entre bonificação e punição do jogador no ambiente virtual.

Para o autor, o elemento de controle do designer capaz de delinear a experiência de jogo são as regras. As regras, assim, formariam uma espécie de teia estrutural dos jogos a partir do qual toda a atividade se desenrola. É possível considerar, portanto, que, no ambiente do jogo, uma ação não é possível sem se levar em consideração as regras ali presentes, que exercem o papel de cercear e permitir determinados procedimentos. Para além disto, as estruturas mecânicas regidas por regras determinam toda condição de possibilidade em um meio onde as possibilidades são, em princípio, quase ilimitadas.

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A partir de tal raciocínio, entendemos que as regras do jogo se constituem como um dos elementos formais da constituição do jogo sob o ponto de vista mecânico, ou de funcionamento, mas também ideológico. Afinal, o jogo não é uma estrutura fixa regida por regras, e sim, antes, uma cadeia de eventos em constante movimento onde as regras conduzem o olhar do jogador e delimitam as possibilidades do discurso.

Endossando esta perspectiva sobre o tema, temos o entendimento de Salen e Zimmerman (2004), para quem um jogo é um “sistema em que o jogador se engaja em um conflito artificial, definido por regras, que resulta em um efeito quantificável” (p. 80).

Na definição previamente mencionada, merece destaque a importância de observar o jogo enquanto sistema, fato que pressupõe controle, onde o jogador se insere e lida com regras que levam a um resultado necessário, consequência de uma formulação estabelecida pelo desenvolvedor do sistema. O jogo, portanto, equilibra de forma constante o interesses do operador e as condições do sistema.

Por fim, Frasca (2007), em uma revisão de todos os principais teóricos da área:

O jogo é para alguém uma atividade que requer engajamento em que o jogador

acredita ter participação e interpreta isto como uma restrição a seu futuro imediato

para uma série de cenários prováveis, todos os quais ele está disposto a tolerar2 (p.70, grifo no original).

De forma geral, é possível identificar nas definições disponíveis acerca dos jogos algumas características fundamentais. Em sua maioria, os autores reconhecem o jogo como uma atividade regida por regras previamente definidas, o que sugere um certo controle do indivíduo responsável por sua elaboração. Esse controle está sugerido especialmente em Juul (2005), que atribui às regras uma importância crucial para concepção e análise dos jogos. Já em Salen e Zimmerman (2004) e Sutton-Smith (2001) o termo sistema indica a construção de uma formulação hermética, que também indica um elevado grau de controle da experiência. Nestes últimos, inclusive, o conceito de “sistemas de comunicação e expressão” (SALEN & ZIMMERMAN, pp. 218-219 2004) privilegia a natureza criativa e expressiva dos jogos em uma analogia com a linguagem verbal. Por outro lado, os autores também indicam que o engajamento e a sensação de participar de um ambiente à parte é inerente aos jogos, seja citando um universo à parte do real, como em Huizinga (2000) e Fink (1968), ou como sistema, caso de Sutton-Smith (2001), Salen e Zimmerman (2004) e Juul (2005).

(23)

1.2.2 O ato de jogar: vencer e perder

Tendo em vista as definições previamente apresentadas, é possível observar que algumas questões preliminares que indicam um potencial interesse no uso dos jogos enquanto linguagem para a publicidade. Inicialmente, reconhecemos que são constantes as referências ao engajamento do jogador e a uma noção sugerida de imersão no ambiente lúdico. Por fim, a partir das considerações teóricas propostas, optamos pelo desenvolvimento de definição não formalista do conceito.

Isto é, definimos o jogo como sendo uma experiência baseada em regras cujo

resultado, ainda que objetivo e mensurável, depende diretamente da interpretação do jogador para valoração.

Trata-se, portanto, de uma experiência subjetiva. De forma complementar, é relevante notar que trata-se de uma experiência localizada espaço-temporalmente, mas cujas relações de espaço e temporalidade não são regidas pelos mesmos princípios do mundo concreto.

Seguindo esta linha de racicínio, nos alinhamos a Fink (1968) ao afirmar que, diferentemente das demais atividades humanas que são em si um meio para uma finalidade teleológica, o jogar encontra um fim em si mesmo. Ainda segundo o autor, o jogo não se subordina a um propósito finalístico estranho a si mesmo. Para ele, jogarmos em função de "forma física, treinamento militar, ou saúde..." (FINK, 1968, p.21) é uma perversão do propósito do jogo que o torna apenas o meio para o fim, ou seja esses casos são exceções ou distorções da natureza do ato autocentrado.

De acordo com o autor, “o ato de jogar interrompe a continuidade e estrutura propositada de nossas vidas; ele permanece à distância de nosso modo de existência usual"3 (FINK,1968, p.22). Em outras palavras, para o teórico, jogamos porque jogamos, porque encontramos na atividade a razão de ser de si mesma. Não haveria necessidade de uma justificativa ou de um propósito prático para o jogo. Essa perspectiva torna-se ainda mais relevante à luz deste trabalho se contraposta à noção de mundo de jogo proposta por ele, que, a exemplo de Huizinga (2000), entende o jogo como uma atividade à parte do cotidiano.

Desejamos, assim, com esta definição, destacar a influência direta do jogador com seu repertório de experiências e valores em relação ao jogo. O ato de jogar e o próprio jogo, em nosso entender, deve ser observado no âmbito da experiência. Logo, é necessário admitir que

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todo jogo é único, uma vez que se forma pela experiência de um indivíduo face a determinado desafio.

O jogo é, então, resultado da imersão do sujeito em um mundo previamente configurado, regido por regras próprias, e que deverá, por meio do dispositivo videogame, proporcionar uma vivência. É fundamental notar ainda que, embora a experiência de jogo possa ser observada como evento único e isolado, isto não implica dizer que suas consequências sobre o sujeito possam ser isoladas. Afinal, em última análise, não seria admissível considerar um evento na vida humana fosse isolado de uma cadeia de relações causais.

A própria noção de vitória e derrota, conforme estudado por Huizinga (1980) e Piaget (1990), deve ser considerada em relação ao indivíduo e ao contexto social em que este se insere, bem como em relação a sua percepção sobre o resultado. Afinal, a valoração do resultado do jogo possa apresentar parâmetros objetivos como pontuação, ranking e cenário de vitória ou derrota, cabe ao indivíduo interpretar cada cenário num exercício necessariamente contextual.

Ou seja, embora ordinariamente relacionados ao jogos, vitória e derrota não são conceitos intrínsecos aos mesmos. Antes, vitória e derrota são interpretações, com base em códigos sociais, que permitem a qualificação de um resultado objetivo. Vitória e derrota, portanto, têm pesos e medidas diferentes para cada jogador. Em todo caso porém não é possível negar o caráter social, logo, político, do resultado.

Essa percepção, e consequente valoração, irá depender de sua relação com os mecanismos de legitimação e distinção do mundo a seu redor. É notável, por exemplo, que a tela de game over, fim de jogo no original, tenha ficado conhecida como “tela de derrota” e o termo frequentemente associado à noção de fracasso no Brasil. Game over, portanto, passa a significar o fim da trajetória, da diversão, do gozo e portanto fracasso, e derrota.

Não se pode naturalizar, contudo, que um seja decorrente do outro. Fim de jogo e derrota não são sinônimos, nem mesmo no caso deste fim ser precipitado. Seguindo o mesmo raciocínio, o fim do jogo se equipara ao fim de uma vida, exceto pelo fato de que para o primeiro pode ser construída uma narrativa, ou táticas, que justifiquem o sucesso caso haja o atingimento de certas metas.

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Embora trivial, o entendimento da importância do usuário na formação de sentido em jogos implica em diversos desdobramentos relevantes para a compreensão desta proposta. Inicialmente, esta compreensão indica uma necessidade de se considerar os usuários em suas peculiaridades culturais, comportamentais, psicológicas etc. Sobretudo, é necessário considerar o jogo, e o ato de jogar, experiência humana com características peculiares, algo bastante mais complexo que a mera dicotomia entre “seriedade” e “diversão”, conforme lembra Fink (1968)4.

Extrapolando as considerações gerais que perpassam a produção de qualquer bem de consumo, e da publicidade em especial, é necessário considerar que jogos possuem uma natureza “coincidente”, ou seja, dependem do usuário para acontecer. Conforme Aarseth (2001, p.1), jogos são:

Ao mesmo tempo objeto e processo; eles não podem ser lidos como textos ou ouvidos como música, precisam ser jogados. O ato de jogar é integral, não coincidente ou apreciativo como a leitura e o escutar. O envolvimento criativo é um ingrediente necessário no jogo5.

Na passagem, Aarseth (2001) enfatiza a relevância da subjetividade do indivíduo engajado no processo criativo do jogo. O autor completa, ainda, ressaltando que o jogo se baseia em simulação, de tal forma que o resultado da experiência “não pode ser previsto antecipadamente; ele pode variar imensamente a depender da sorte, destreza e criatividade do jogador” (AARSETH, 2001, p.2).

Finalmente, pensar os jogos como sistema baseado em regras, como afirmam Salen e Zimmerman (2004) sugere que a experiência se dá em um espaço hermético, o que limita fortemente o entendimento de uma participação criativa por parte do jogador. Além disto, a noção de que os jogos se baseiam em regras será aqui tratada como um parâmetro referencial, evitando a percepção de que as regras são em si elemento determinante do jogo. O próprio mecanismo da trapaça, por exemplo, se dá em relação à regra mas não é necessariamente determinado por ela. Trata-se, então, de incluir o jogador como elemento ativo no processo de formação de sentido no jogo, ponto que será aprofundado mais adiante, quando discutiremos a formação narrativa nesses ambientes.

A definição proposta pretende endossar o ponto de vista de que os jogos não devem ser analisados fundamentalmente segundo suas regras, afastando assim a dissertação da proposta de Juul (2005). Nesse sentido, é relevante a proposição de Eugen Fink (1986) que

4Tradução do autor. 5Tradução do autor.

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defende que “o jogo é um fenômeno que, por sua própria natureza, é dotado de um caráter de representação simbólica” (p.29). Para o teórico, os elementos do jogo, entre os quais as regras, convergem para o que o autor também chama de mundo de jogo6.

Em Fink (1968), o conceito não coincide com a proposição de Aarseth (2004), uma vez que, no primeiro, trata-se do jogo em sua integralidade, ao passo que, para o segundo, o conceito tem o objetivo de tratar apenas do que é aparente no jogo. Sendo assim, nos alinhamos a essa primeira proposta mais abrangente e procuraremos aprofundar o conceito à luz das questões relevantes para este trabalho.

É justamente no processo de formulação de mundos possíveis que as formulações da publicidade encontram os jogos. Afinal, a linguagem publicitária, especialmente em suas narrativas, se propõe a representar a vida humana em formulações muito particulares. Normalmente essas construções ocorrem de forma que a marca, produto ou serviço proporcione “a salvação do homem” representando “bem estar e êxito” (CARVALHO, 2001, p.12).

Entendemos que a tradicional tática da publicidade de formar narrativas que estimulem a realização de fantasias e desejos pelo consumo encontra em jogos terreno fértil. Esta hipótese se ancora no entendimento de que o tecido que compõe os discursos em jogos permite uma elevada capacidade de formulações capazes de induzir o usuário à novas percepções e comportamentos. Afinal, desde a construção de um mundo sob medida, até o desenrolar de uma narrativa favorável à marca, todos os componentes basilares do jogo possuem um caráter persuasivo.

Também relevante para esta compreensão é o fato de os jogos, conforme debateremos, se basearem em processos capazes de convencer, sobretudo, pelo envolvimento do indivíduo com o dispositivo digital.

1.3 ELEMENTOS DISCURSIVOS EM JOGOS

Presente na sociedade e nas relações humanas desde seus primórdios, o jogo é considerado por alguns teóricos, como Huizinga (2000), um elemento estrutural da cultura humana. Não obstante, sua faceta ligada ao entretenimento e ao lúdico seria também um aspecto formador da percepção humana a respeito de conceitos importantes, tais como: regras, competição e objetivos.

6Tradução do autor.

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Para Huizinga, a guerra, os esportes, a arte, a linguagem e mesmo as leis seriam consequências da relação do homem com o jogo. De acordo com essa perspectiva, o autor afirma que “o jogo é um traço essencial talvez o mais importante das sociedades humanas. Diferentemente dos outros animais que brincam, o homem é o único que faz conscientemente e durante toda a vida para obter prazer”. (HUIZINGA, 1993, p.27).

O teórico afirma ainda que os jogos exercem um papel estrutural na construção das relações humanas, especialmente no que se refere à sua percepção sobre regras e metas, as quais seriam levadas, entre outras coisas, para a vida profissional dos indivíduos.

A estreita relação entre os jogos e a cultura é também tema de interesse de Piaget (1990), que constatou em crianças que as impressões sobre vitória e derrota só fazem sentido com a socialização. Em sua pesquisa, Piaget (1990) observou que o status atribuído a vencedores ou perdedores só passa a fazer sentido quando o indivíduo percebe as distinções sociais em que implicam esses status.

Sob esse prisma, é pertinente a afirmação de que o jogo se aproxima da vida real no que se refere aos desafios, metas e tensões. De acordo com as afirmações de Patriota e Pimenta (2010, p.3), “os jogos integram, no entanto, uma arena própria, dissociada do real, onde a participação e a busca permitem aos seus participantes integrar uma nova ordem – a esfera de ação do jogo – com sua lógica e dinâmica particulares.

Tal diferenciação, entretanto, não afasta, pelo contrário, só reforça a proximidade e a importância do jogo em preparar o indivíduo para a vida. É através dele que as crianças desenvolvem uma noção preliminar de ética, os adolescentes recebem lições sobre regras e adultos exercitam o autocontrole e a comunicação. Esta condição “particular” exposta por Patriota e Pimenta (2010), porém, é fundamental para a compreensão dos jogos como manifestações discursivas.

Essa “lógica particular” indica um universo controlado regido por regras próprias que, quase que inevitavelmente, convidam o usuário a novas percepções que devem ter por base a experiência. A vivência nessa “arena” de jogo, todavia, é também controlada e pré-construída, em boa medida, pelas mãos daqueles que projetam o sistema.

Rodriguez (2006, online) destaca que também é possível compreender o ato de jogar como “um meio onde as experiências vividas são organizadas em uma situação estruturada”. Aqui, o autor se refere à noção de Huizinga (2000) para o qual o jogo contribui para formação da cultura e, em última análise, compreensão da própria realidade.

Contudo, uma questão fundamental que não pode ser naturalizada é a complexidade dessa experiência. Se, de um lado, jogadores no ato de jogar são responsáveis por formar

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sentido no jogo, por outro lado, é da natureza do jogo ser uma experiência estruturada. No jogo, as regras e objetivos são anteriores ao usuário, ainda que este possa, em alguns casos, modificar, contornar ou ainda burlar qualquer uma delas.

Cabe percebermos que a posição do jogador é a de se apropriar de um enunciado (possível) disposto no jogo, e assim assimilar e organizar pela experiência de jogo uma determinada formulação. Logo, o jogo é um universo possível e pode ser compreendido em sua dimensão de dispositivo, capaz de assimilar a percepção do jogador, ao permitir sua interferência, mas sobretudo responsável por encapsular, e formular, noções de verdade (saber), relações de poder e formar subjetividade, ponto que discutiremos em tópico pertinente.

1.3.1 A contribuição de Foucault

A respeito dos enunciados, nos apoiamos em Foucault, para quem estes não são outra coisa senão “um lugar determinado e vazio que pode ser efetivamente ocupado por indivíduos diferentes” (FOUCAULT, 2008, p.107). Neste ponto, é indispensável notar que o filósofo aponta os enunciados não como unidades de um discurso e, sim, como funções que perpassam o próprio discurso.

A percepção do enunciado enquanto “espaço” a ser ocupado encontra eco em outro momento da obra do autor. Na passagem, Foucault afirma que o discurso:

[...] nada mais é do que um jogo, de escritura, no primeiro caso, de leitura, no segundo, de troca, no terceiro, e essa troca, essa leitura e essa escritura jamais põem em jogo senão os signos. O discurso se anula assim, em sua realidade, inscrevendo-se na ordem do significante. (FOUCAULT, 2010, p.49)

No comentário, o autor destaca o significante como sendo a ponto referencial para o pensamento acerca do discurso. E é justamente na materialidade dos significantes de um jogo que se dão as trocas simbólicas entre jogador e designer. Compreender o jogo enquanto material discursivo implica também no reconhecimento da atividade como disputa onde o sentido pretendido pelo designer, estabelecido nas regras e ambiente de jogo, por exemplo, encontra no jogador elemento responsável pela ressignificação do mesmo. O usuário portanto, não apenas aprecia a experiência mas interfere na construção do ambiente digital no nível do significante.

No entanto, os elementos significantes do jogo, como quaisquer outros, não estão isentos de um caráter expressivo e, portanto, intrinsecamente ideológico. Logo, em tal arena,

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o designer é o ente responsável por estabelecer o referencial para a formação do discurso. Por outro lado, é da natureza do jogo receber a interferência do jogador, uma vez que este é o responsável pela ação que deve desenrolar o processo de jogo.

Em última análise, então, observamos três dimensões possível para a análise. O posicionamento ideológico dos produtores do jogo, a interferência do jogador no ambiente de jogo, e finalmente o artefato em si. Quanto a esta última perspectiva, nos referimos ao jogo dipositivo, que resguarda o lugar dos sujeitos mas que igualmente pode ser analisado em si. Neste modo de olhar, a materialidade dos significantes deixa o lastro que permite a análise do objeto a despeito dos jogos de produção e interpretação construídos no espaço da obra.

Tendo em vista o tensionamento descrito, o jogo é aqui compreendido enquanto dispositivo, unidade que compreende em sua existência o jogador e o sujeito que o projetista do ambiente. Nesse sentido, ainda que cada jogo seja uma experiência única, a sua condição enquanto dispositivo pode ser discutida e observada, a exemplo dos dispositivos de saber/poder tradicionalmente analisados como prisões como em Foucault (1987) e mesmo celulares em Agambem (2009).

Este entendimento é relevante para a posterior análise dos três elementos propostos nesta pesquisa como paradigmas da construção ideológica em jogos: processos e narrativa e, por fim, a arquitetura de ambientes, aqui tratado como “mundo do jogo”. Com base na análise desses três aspectos pretendemos realizar um processo de desconstrução do processo discursivo do jogo tomando como referência tudo que está dito e visível para a leitura dos silêncios e interrupções que permitam o entendimento do que não foi dito.

1.3.2 Arquitetura discursiva do game

A partir dos três elementos propostos e que serão detalhados mais à frente, percebemos que características do jogo, como o distanciamento do mundo e vida cotidiana, proposto por Huizinga (1980) e Fink (1968), estão ligadas à ideia de “um mundo à parte do real”. Trata-se, portanto, de uma experiência que induz a uma percepção de espaço e temporalidade específica em um ambiente construído digitalmente nos casos aqui investigados. Naturalmente, a construção do espaço de jogo, no caso do game digital, é arquitetada de forma discursiva.

Nesta perspectiva, nos alinhamos à proposta de Jenkins (2005) em seu artigo sobre o “gamedesign enquanto arquitetura narrativa”. Afinal, pensar jogos é também fundamentalmente estruturar experiências a partir da construção de ambientes e mundos, ou

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nas palavras de Jenkins (2005, p.121) “game designers não apenas contam histórias, eles constroem mundos e esculpem espaços”7.

Sendo meios capazes de organizar experiências vividas, os jogos são mecanismos de subjetivação capazes de estimular o aprendizado de valores ali transmitidos. Ora, se o jogo é uma situação estruturada, há de se ter em conta que foi previamente estruturada.

Nessa relação portanto, a construção do jogo se dá na arquitetura de possibilidades que se concretizam no encontro entre o ambiente projetado e o indivíduo que atua como agente. Assim, entendemos que uma análise rigorosa acerca dos jogos, de forma geral, e, no caso desta pesquisa, dos jogos digitais com fins publicitários em particular, não pode levar em conta jogos como objetos midiáticos isolados de uma relação semântica que os permeia.

Temos, nestes, refrações e reflexões do discurso que perpassa os responsáveis por estruturar essa experiência de sentido que é o jogo, assim como incorporações e improvisos decorrentes de uma experiência em algum grau “aberta”.

Mesmo em um jogo digital, o artifício da trapaça é um elemento constitutivo, à medida em que cada jogo carrega em si possibilidades marginais em relação à regra. A trapaça, portanto, pode ser entendida como uma interferência do indivíduo que joga sobre a ordem estabelecida do jogo. Aqui, entra o elemento humano que também se mostra determinante para a compreensão dos jogos e será sobretudo analisado neste trabalho ao tratamos da narrativa.

Um exemplo emblemático do uso discursivo de artefatos lúdicos, e que ilustra a as sutilezas sobre o tema, é a relação entre o jogo de tabuleiro Monopoly (1935), ou Banco Imobiliário, e a versão que deu origem a este o The Landlordʼs Game (1903), analisados por Frasca (2007). Na versão original do jogo, a proposta seria contrária àquela que se tornou famosa no Banco Imobiliário, pois consiste em uma manifestação a favor da criação de um imposto único que teria por objetivo minimizar os efeitos da concentração de renda, em detrimento especialmente dos latifundiários. De acordo com Lizzie Phillips, criadora do jogo, “o objeto do jogo é não apenas oferecer divertimento aos jogadores, mas também ilustrar para eles como... os latifundiários têm vantagens sobre outras empresas e também como o sistema de imposto único iria desencorajar a especulação”8 (WALSH, 2004, p. 48, apud FRASCA, 2007).

Contrariando Phillips, Banco Imobiliário é um dos maiores símbolos da cultura da especulação. Como é sabido, o jogo premia os jogadores que demonstram maior capacidade

7Tradução do autor. 8Tradução do autor.

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de acumular bens e capital, em detrimento dos concorrentes que, uma vez derrotados, são punidos com a falência. Apreende-se, pois, que o jogo, em especial pelo uso das regras, premia e pune os jogadores de acordo com um pressuposto ideológico que indica que acumular bens é algo positivo. Fica igualmente estabelecido que a ação cooperativa está subordinada ao interesse principal: o triunfo do indivíduo sobre o grupo.

Afinal, também é característico do universo do Banco Imobiliário que atitudes potencialmente altruístas não sejam recompensadas, mas, antes, punidas. Não é concebível, por exemplo, que um jogador de Banco Imobiliário doe dinheiro a um competidor e seja de alguma forma recompensado pela dinâmica do jogo. Mais provável seria este mesmo competidor fazer uso da doação para se recuperar de uma condição desfavorável e utilizar os recursos para derrotar o adversário altruísta.

Assim, ao relacionar a falência com a derrota no jogo, a distinção social entre vencedores e perdedores apontada por Piaget (1990) se materializa numa lição sobre o valor e a importância do dinheiro para o sucesso social numa sociedade capitalista. Espera-se então, que durante o curso da experiência no Banco Imobiliário o sujeito assimile uma determinada noção a respeito do mundo. Ou seja, o que poderia ser considerada apenas uma característica da mecânica de jogo, se caracteriza como um projeto de importância primariammente ideológica.

Sob esta luz, o tabuleiro se equipara aos contos de fadas, no que estes têm de lúdico e, ao mesmo tempo, didático. Em ambos os casos a capacidade de contribuir para processos de subjetivação é velada pelo caráter leve atribuído aos contos e aos jogos, ambos frequentemente relacionados ao entretenimento infantil. Em ambos os casos há uma preocupação em formar indivíduos, servindo a interesses sociais amplos ou de grupos específicos.

De todo modo, observa-se que ao estabelecer os cenários de vitória e derrota o jogo valora um determinado cenário como positivo em detrimento de outro. Logo, essa escolha não pode ser considerada meramente ocasional mas antes uma escolha discursiva, onde as escolhas do jogador devem ser feitas no sentido de se atingir um determinado objetivo pré estabelecido.

Assim, na condição de ludus, o jogo se caracteriza também por sua esturtura de controle. Afinal, trata-se de um sistema de comunicação articulado capaz de transmitir mensagens planejadas por um designer de experiências. Repleto de representações, o jogo é também capaz de conduzir o olhar do usuário por uma cadeia de sentidos e vivências que podem contribuir para novas perspectivas sobre uma série de questões do mundo cotidiano.

(32)

1.3.3 Caminhos para análise dos jogos

A despeito de certo consenso a respeito da ideia de que jogos são capazes de persuadir e encerrar sentido, as abordagens são divergentes no que se refere ao como jogos devem ser analisados. Doravante empreenderemos um esforço no sentido de sistematizar algumas questões que parecem relevantes a esta pesquisa. Empreederemos principalmente um esforço de ordem metodológica, ao indicar paradigmas de observação sobre o objeto.

Retomando estudo desenvolvido por Schell (2011, p.41), é possível entender os jogos com base em quatro elementos, indicados por ele como “a tétrade elementar”. Para o autor os quatro elementos fundamentais para a concepção e análise de jogos são a narrativa, a tecnologia, a estética e a mecânica.

Para uma melhor compreensão dos elementos citados pelo teórico trataremos de cada um de forma isolada, com especial ênfase aos aspectos de interesse para a proposta aqui construída. Inicialmente, ao tratar da mecânica, Schell (2011) aponta para as regras e procedimentos que indicam ao jogador como se comportar no jogo. Nesse sentido, há uma abordagem similar a Juul (2005), no que se refere a importância das regras para a compreensão dos jogos.

Em seguida o autor abordará a questão da narrativa, sugerindo que, embora jogos não dependam necessariamente desta, as histórias acrescentam sentido e agregam valor ao jogo. Aqui o autor irá se referir ao Space Invaders (TAITO, 1978) que adotou a premissa de uma guerra contra uma invasão alienígena para justificar um ataque ao exército inimigo. Pretende-se portanto não apenas de oferecer aos jogadores um motivo para atirar, ao escolher os alienígenas como inimigos o jogo evita possíveis reações negativas decorrentes de uma mecânica em que o jogador atira em humanos. Neste ponto, Schell (2011) ressalta que no contexto histórico em que o jogo foi lançado a decisão obedeceu a propósitos estratégicos.

No que se refere à estética, proposta por Schell (211) vai enfatizar a importância dos aspectos sensíveis para a construção da experiência de jogo. Neste ponto, sons, gráficos e a aparência do jogo de forma geral são tratados como forma de ampliar a vivência no jogo. Por fim, ao tratar da tecnologia enquanto elemento, o autor se refere ao meio que torna a experiência de jogo possível, lembrando novamente o game Space Invaders (TAITO, 1978), que foi viabilizado pela criação de uma tecnologia específica para o jogo, neste caso uma placa mãe personalizada. A tecnologia, portanto, é o arcabouço técnico que oferece suporte para a relação entre o jogador e os demais elementos.

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Em um esforço de revisão da categorização realizada por Schell (2001), apontaremos para uma análise baseada em três categorias. Todavia, em um afastamento em relação à abordagem citada optamos pela categorização como mecanismo de categorização ou classificação. Pretendemos antes elencar aspectos que parecem compor a arquitetura do disposivo investigado, sem a presenção de propor um esgotamento dos paradigmas do videogame.

São elementos aqui considerados: os processos, compreendidos aqui pela relação entre regras e objetivos do jogo e como estes são apresentados ao jogador; narrativa, e para este aspecto apresentaremos uma perspectiva própria a ser discutida posteriormente; e mundo de jogo, este último abarcando os elementos estéticos apontados por Schell (2011) e os demais elementos que envolvem o projeto do jogo, como os processos e a proposta narrativa. O mundo de jogo, é a arquitetura do dispositivo, contemplando gráficos, sons ou estímulos táteis9.

1.4 A NOÇÃO DE DISPOSITIVOS NOS ESTUDOS MIDIÁTICOS

Embora seja um termo recorrente na obra de Foucault, o conceito de dispositivo não recebe uma definição conclusiva em qualquer uma de suas obras. Não obstante, o conceito é amplamente aplicado tanto na obra foucaultiana quanto nos trabalhos desenvolvidos por seus comentadores.

Nesse sentido, é possível observar, na obra de Foucault, a difusão do conceito de dispositivo abarcando desde construções arquitetônicas, a exemplo do Panóptico de Vigiar e Punir (1987), até os enunciados na forma de declarações científicas e proposições morais, analisados com maior profundidade em Arqueologia do Saber (2008) – embora neste último o autor sequer tivesse cunhado a expressão. Daí, extraímos que o dispositivo pode se configurar como fruto de uma construção, uma estrutura de poder que traz consigo uma certa forma de apresentar e perceber o mundo e que tem como conseqüência a capacidade de influenciar percepções e comportamentos.

Os dispositivos para Foucault podem ser encontrados na forma concreta das prisões, manicômios e escolas, mas também na abstração das leis, por exemplo. Nos dispositivos são materializadas relações de poder que se traduzem na capacidade de alterar comportamentos e

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