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Tradicionalmente, o envolvimento do usuário nas mídias digitais é descrito a partir da imersão. A noção de imersão, no entanto, sugere que o operador do sistema digital esteja “imerso” na realidade virtual de forma análoga a um mergulhador quando submerge na água, de modo a ficar completamente envolvido por ela (MURRAY, 2005). Nesse sentido, parece bastante confiável a tese de que os jogos digitais, a exemplo de outros artefatos baseados em tais dispositivos, possuam essa propriedade.

Todavia, o conceito de imersão, tão relevante para o entendimento do engajamento do público com as mídias digitais, parece não ser suficientemente acurado para uma diferenciação entre a experiência em jogos digitais. Afinal, conforme alega Calleja (2007), a noção de imersão, aplicada a jogos digitais, sugere a inserção do jogador no ambiente de jogo, mas não considera o caminho contrário, ou seja, a presença do jogador, via avatar, no jogo.

A questão aparentemente sutil indica uma relevante diferenciação entre a experiência de fruição estética entre jogos e mídias apreciativas, como o cinema e a literatura. Ao passo que, no cinema, o filme é capaz de obter um elevado grau de atenção do espectador, o jogo demanda do jogador uma presença simulada. Essa presença, portanto, implica na incorporação do jogador ao ambiente, assim como na assimilação daquele universo por parte dele.

Seguindo a premissa de que o sujeito assimila o ambiente e nele interfere de forma criativa, Calleja (2007) elaborou um modelo conceitual para análise do envolvimento em jogos digitais. Para fundamentação de sua proposta, o autor recorre ao conceito de frame em Goffman(1974), aliada à apropriação desta teoria por Fine (1983).

Antes de darmos prosseguimento a este estudo, é fundamental destacar que no trabalho de Goffman (1974) a proposta de análise de frames, ou análise de quadros ou do enquadramento, é um modelo metodológico que lança um olhar sobre a interação humana a partir da organização de experiências. O quadro portanto, seria uma estrutura cognitiva na qual o indivíduo organizaria as experiências cotidianas. Para Gamson et al (1996, p.384) a análise de frames exerce papel fundamental na análise dos discursos midiáticos ao construir coesão e oferecer coerência a uma série diversa de símbolos.

Ainda mais relevante a respeito do conceito de frames é o fato de estes, como lembram Gamson et al (1996, p.384), serem capazes de equilibrar a tensão entre “estrutura e agência”29. Trata-se, então, de um enquadramento metodológico valioso para a análise do discurso em jogos digitais que, conforme já destacamos, se constituem pelo tensionamento entre uma estrutura previamente definida e o enquadramento que o jogador oferece a esta mesma estrutura.

Assim, em um desdobramento da metodologia, Fine (1983) sugere a adoção do método ao estudo dos Role Playing Games (RPGs), ou jogos de representação de papéis. Para este último, seria possível identificar três frames a partir dos quais a experiência em um RPG seria interpretada.

Neste ponto, chegamos à proposta de Calleja (2007). Segundo o teórico, é possível dividir a experiência do indivíduo em um jogo digital em duas dimensões temporais e seis frames, os quais atuariam sempre de forma interdependente. As dimensões temporais seriam o macro e o micro envolvimento, e cada um dos frames seria componente desta última dimensão. Ou seja, cada frame analisado pelo autor seria responsável por um momento de envolvimento cognitivo do usuário face ao objeto digital. Entre os frames analisados por ele estão seis tipos de “envolvimento”: tático, espacial, performativo, narrativo, compartilhado e afetivo.

Embora a tese apresentada seja de grande contribuição para este trabalho não interessam aqui as especificidades de cada tipo de envolvimento, ou enquadramento, citado pelo autor. Antes, interessa saber que a incorporação seria derivada da síntese entre esses seis tipos de envolvimento entre o sujeito e o mundo virtual.

Conforme explica o próprio autor para que haja incorporação é necessário que o jogador internalize as regras do jogo incorporando uma tática de jogo, desempenhe seu papel ficcional (na narrativa), se faça presente face aos demais agentes do game e se desloque em um determinado ambiente (CALLEJA, 2007, p.255)30.

O processo de incorporação, portanto, pressupõe que a atenção do indivíduo em contato com um jogo digital deverá alternar por diversos estados a fim de atender às demandas da experiência. O autor também comenta que a ação não é o único parâmetro para mensurar a atenção no jogo. Um exemplo citado pelo próprio teórico são os momentos em jogos de tiro em primeira pessoa, em que o personagem se mantém parado à espera de um ataque.

29 Tradução do autor. 30Tradução do autor

Antes de ser mera inércia, há ali um estado de atenção focada que prevê um movimento potencial. Logo, não é a ação que revela importância ou o grau do engajamento do indivíduo no game, e sim seu grau de atenção, sua dedicação àquela experiência.

Neste ponto retomamos o já citado trabalho de Eugen Fink (1968) no sugestivamente denominado “Oásis da Felicidade”. A obra discute a natureza dos jogos enquanto ambientes virtuais, sugerindo o termo “mundo de jogo” para definir um espaço de representações simbólicas. O termo Oásis no texto se refere a um espaço distinto da realidade cotidiana com um fim em si mesmo. Também aqui é possível notar a admissão de que o ato de jogar está intrinsecamente ligado a um alto índice de atenção dedicada.

Queremos destacar que o jogo, na condição mundo à parte, não é relevante apenas por sua capacidade de reter a atenção. Trata-se de uma construção discursiva cujas representações simbólicas irão exigir do usuário um envolvimento experiencial no sentido em que aqueles elementos deverão não apenas ser interpretados como também redefinidos enquanto significantes, não apenas como significado. Ou seja, é necessário que o indivíduo esteja engajado na atividade.

No jogo, a terceira fase da operação mimética tríplice, proposta por Ricoeur (2012), se dá em um processo de ressignificação do mundo também em sua materialidade. Esta mudança na operação distingue os jogos das mídias apreciativas, onde o sujeito interpreta a obra resignificando-a, mas apeanas no âmbito figurado. Já no objeto aqui investigado há a necessária interferência do indivíduo no âmbito do significante.

Logo, ao jogar, o sujeito ocupa uma posição em um ambiente pré-construído e de natureza iminentemente discursiva. Esse mesmo sujeito toma para si enunciados ao se manifestar no jogo. Ocupa assim, efetivamente um espaço que lhe foi designado na ordem dos acontecimentos do jogo, e trava um contato de tensionamento entre as regras e estruturas simbólicas ali dispostas e sua própria interpretação daquele mundo.

O ato insere o jogador em um ambiente onde não apenas os signos representados, mas também comportamentos aos quais este indivíduo é induzido, contribuem para a formação de percepções e reforço de comportamentos. Nas palavras de Ribeiro e Falcão (2009, p.92), “o contato com tais aspectos inerentes ao jogo transforma-se, então, num modificador de certos processos e comportamentos sociais, e consequentemente, das condições produtoras da identidade social do Avatar criado”.

É relevante observar que os autores previamente citados também partem da perspectiva teórica do interacionismo simbólico, ou seja, entendem a representação simbólica

como aspecto da formação identitária. Por outro lado, o contexto original do trabalho trata de jogos onde há interação entre indivíduos, ainda que mediada pelo ambiente sintético.

Diante disto, cabe a questão sobre a validade da tese para ambientes em que a “interação social” não se dá entre humanos, ou fundamentalmente entre humanos, e sim entre um humano e agentes sintéticos31, como é o caso dos advergames em geral.

Tendo como base a premissa de que o agente sintético em jogos desempenha papel potencialmente equivalente ao de um ser humano no ambiente de jogo, entendemos que teses a respeito do comportamento social no jogo sejam aplicáveis também a ambientes onde os parâmetros sociais são desempenhados por máquinas. Esta diferença contudo, realça a relação de poder desfavorável ao agente humano, uma vez que a maior parte dos elos desta relação são artificiais.

Tendo isto em vista, adotamos a perspectiva apresentada por Ribeiro e Falcão (2009) no que se refere à formação identitária do Avatar. Essa construção, contudo, ao invés de se dar como fruto da relação entre entes humanos ocorre, em geral, pela interação com os elementos do ambiente digital.

Conclui-se, portanto, pela modificação do indivíduo no jogo pelos processos, práticas e interações do próprio jogo. Em Ribeiro e Falcão resta sugerida a modificação da “identidade social Avatar” pelo jogo. Neste trabalho, investigamos o potencial deste, o jogo, nos processos de subjetivação do indivíduo, tendo o Avatar como alter-ego simulado. A seguir daremos continuidade a este raciocínio debruçando o olhar sobre as especificidades de tais manifestações na mensagem publicitária.