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CAPÍTULO II – FOTOGRAFIA: HISTÓRIA, USOS, DESDOBRAMENTOS

2. Fotografia, um apanhado para iniciados e não iniciados

2.1. Melhoramento do processo fotográfico e massificação

Os processos fotográficos continuaram sendo aperfeiçoados ao longo das décadas em busca de soluções voltadas à redução do tempo de revelação, bem como o melhoramento das técnicas de fixação da imagem. A associação da fotografia com técnicas de impressão e consequente reprodução passaram a ser buscadas no intuito de se superar as limitações da cópia. Conforme Rouillé, ao fundir técnicas antigas, como “gravura e tipografia, em um composto compreendendo a fotogravura, a impressão com tinta pastosa [e a] prensa” (ROUILLÉ, 2009, p. 50) foi possível, a partir de 1920 e com o impulso do fotojornalismo, “responder às necessidades desenvolvidas pelas sociedades industriais e comerciais, que atingiram um estágio

33 In the end, it was not within the world of commercial speculation, but rather within the halls of science (…). Yet, in a manner disturbingly familiar to us at the end of the twentieth century, the formal scientific establishment was in a turmoil at that time, with politics, money and power taking ascendancy over scientific research.

34 (…) had been drastically cut, in favor of increased funding for the popularization of highly visible and attractive projects.

mais avançado de sua evolução” (idem). Mas bem antes dessas inovações, ainda no século XIX, avanços foram empreendidos em direção às tiragens substancialmente elevadas. Com efeito, o século XIX foi certamente um dos mais férteis períodos para as técnicas fotográficas e “no qual a troca de suportes fotográficos foi constante, fruto da busca por uma maior abrangência de uso, barateamento e qualidade técnica [dos processos fotográficos] (LEITE & SILVA, 2012, p. 1, grifo nosso). O daguerreótipo resistiu bravamente aos avanços tecnológicos e manteve posição dominante até 1850, quando seus positivos em chapas de cobre cobertas com emulsão passaram a perder terreno para o papel enquanto suporte “capaz de satisfazer à necessidade de uma difusão capilar das imagens de consumo. [...] ‘Só ela [a fotografia sobre papel] é capaz de dar ao infinito esta infinidade de provas que as necessidades de nossa época reclamam imperiosamente’” (FABRIS, 1991, p. 16, grifo nosso).

A chamada “civilização da imagem”35 (KOSSOY, 2000, p. 63) é uma

expressão que coincide com a virada do século (XIX para XX), quando a fotografia de fato se estabeleceu como um produto apto a ser distribuído e consumido em larga escala. A invenção da fotografia e seu inevitável contínuo aperfeiçoamento tecnológico, industrial e formal, “fruto de um inusitado consumo”, relata Kossoy (2000, p. 64) foram fatores decisivos para abrir caminho às mais diversas aplicações, dentre as quais comerciais, artísticas, científicas e promocionais.

Podemos propor que no sentido da massificação expressivas foram as contribuições de André Adolphe-Eugène Disdéri (1819–1889), quando da produção de seus famosos carte-de-visite photographique. Disdéri, nascido em Paris, começou a produzir fotografias de qualidade razoável por preços módicos, desbravando um mercado ainda inexplorado pela figura do artista fotógrafo e estabelecendo um pequeno império da fotografia (FABRIS, 1991, p. 20). A “linha de produção” de Disdéri teve início entre 1852 e 1853, quando inaugurou seu estúdio fotográfico no boulevard des Italiens, em Paris. O desejo e a curiosidade pela fotografia à época eram crescentes, mas os retratos em daguerreótipo custavam caro e ficavam restritos a burguesia. Nesse sentido, explica Gisele Freund, Disdéri

35 Trataremos mais adiante de colocarmos alguns pontos de vista sobre o que entendemos por “civilização da imagem” e por “civilização do texto”. Acatando uma sugestão da banca, trabalharemos com uma proposta mais ampla, a que chamamos “civilização da comunicação”.

parece ter sido o primeiro fotógrafo a perceber “as necessidades do momento e encontrar formas de satisfazê-las”36 (FREUND, 1980, p. 55, tradução nossa).

Naturalmente, os modos de produção massificados, diferente das imagens em grande formato, apresentavam falhas no processo em razão das longas exposições que ora faziam sumir os olhos do cliente, ora os deixavam pequenos demais. Isso exigia retoques com lápis ou grafite, além de coloração com óleo, aquarela ou anilina (FABRIS, 1991, p. 21) capazes de remediar os defeitos na imagem – o que não era problema para o empreendedor que havia contratado uma equipe para suportar a grande demanda de serviços. Seu empreendimento havia se tornado “o maior do setor em toda a Europa”, conforme Freund (1980, p. 57, tradução nossa)37. A fama do fotógrafo superou até mesmo o seu “público alvo” e

atingiu personalidades como Napoleão III, que no dia 10 de maio de 1859 a caminho da Itália – e acompanhado de seu exército – fez uma pausa no estúdio de Disdèri para que lhe fosse tomado um retrato enquanto toda a tropa o esperava fora do estúdio. A partir desse momento, relata Freund, sua popularidade [a de Disdèri] disparou. “Suas inovações democratizaram o retrato: reis, estadistas, cientistas, artistas, funcionários públicos, homens ricos ou modestos, todos eram iguais perante a câmera, e as filas intermináveis de clientes produziam milhões em receita”38 (FREUND, 1980, p. 57, tradução nossa).

Disdéri era um empreendedor mais interessado nos lucros e no mercado do que no caráter estético-artístico do processo fotográfico que dominava a ocupação de outros profissionais do ramo nos idos do século XIX. Diferente de seus colegas, aponta Rouillé (2009), o “sistema [de Disdéri] consiste em reunir sobre uma mesma chapa negativa, não mais um único grande clichê, mas quatro, seis, oito ou dez clichês de menor tamanho (aproximadamente 6 x 9 cm)” (ROUILLÉ, 2009, p. 53). O aumento da tiragem dos cartes-de-visite se transformou num fenômeno social que pode ser designado, conforme Rouillé, como a primeira mídia de massa “capaz de associar uma imagem fotográfica ao nome das celebridades” (ROUILLÉ, 2009, p. 53). As personalidades que estampavam os pequenos cartões, após o já relatado

36 Disderi happened to be the first photographer to sense the needs of the moment and to find ways of fulfilling them.

37 His firm became the largest of its kind in all Europe.

38 His innovations democratized the portrait: kings, statesmen, scientists, artists, civil servants, men of rich or modest means all were equal before the camera's eye, and the endless lines of clients posing for his camera produced millions in revenue.

episódio de Napoleão III, variavam entre nomes da política, da indústria, das finanças, das artes, das religiões e outras.

Com efeito, o processo industrial introduzido e patenteado por Disdéri contribuiu sobremaneira para a popularização dos retratos entre as classes mais baixas. Outros fotógrafos também começaram a explorar o mercado criado por ele em uma concorrência que o fez desistir dos negócios. Passar por isso não seria um problema caso o então milionário Disdéri não fosse um gastador contumaz. “Seus luxuosos apartamentos, numerosas casas de campo e estábulos caros eram os assuntos de Paris”39, explica Freund (1980, p. 58, tradução nossa, grifo nosso).

Quando seus empreendimentos minguaram, Disdéri foi obrigado a vender os negócios e sair de Paris. Conforme Freund (1980) – aliás, responsável por um dos mais completos relatos sobre o fotógrafo, Disdéri até tentou uma nova vida em Mônaco, buscando angariar novos clientes, mas a investida não vingou. Pobre e adoecido em razão de anos “selvagens” no período de bonança dos negócios, voltou a Paris onde morreu em 1889.

Nos idos de 1880 a fotografia se distanciava mais e mais “da esfera do unicum, de preocupações estéticas alheias a seu código, apesar da persistência da vertente pictórica, abrindo-se a novas possibilidades, como a ilustração de jornais e revistas, que começa a delinear-se no final do século” (FABRIS, 1991, p. 22).

Ao lado das fotografias em formato “cartão de visita”, os cartões postais também floresceram e contribuíram para a massificação da fotografia no final do século XIX e primeira parte do século XX. A chamada idade de ouro dos cartões postais, iniciada em 1899 (KOSSOY, 2000, p. 64), foi realmente explosiva: a Alemanha produzira 88 milhões de postais; a Inglaterra outros 14 milhões, enquanto Bélgica e França respondiam por, respectivamente, 12 milhões e 8 milhões de postais. Onze anos depois a França responderia pela produção de nada menos do que 123 milhões de postais (BALLAND apud KOSSOY, 2000, p. 64).

Aos poucos a “civilização da imagem” foi absorvendo e consumindo mais e mais itens colecionáveis (dentre os quais os postais), revistas, pôsteres, cartes-de- visite e toda a sorte de materiais impressos com fotografias estampadas. O caráter industrial da imagem técnica assumia em definitivo sua posição e, com isso, cumpria o que Sontag chamou de “promessa inerente da fotografia”, qual seja, a de

promover a democratização das experiências ao traduzi-las, porta-las em imagens (SONTAG, 2015, p. 18).