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CAPÍTULO I – ANOTAÇÕES SOBRE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

1. Fotografia e percepção pública de ciência: como a imagem contribui para a

1.4. Observações bourdiesianas

E é por todas essas razões e exemplos que consideramos animadores os desafios deste campo. Nós entendemos o jornalismo como um campo – aqui relacionado ao conceito compreendido e calcado na teoria bourdiesiana25 – e o

jornalismo científico (ou divulgação científica ou comunicação de ciência ou ainda comunicação científica e seus semelhantes) como uma espécie de subcampo, ao invés de trata-lo como um organismo autônomo. E prosseguindo ainda no âmbito do nosso entendimento, reconhecemos que o jornalismo científico, por ser antes e sobretudo o jornalismo ele mesmo, se pauta nos valores-notícia mais tradicionais:

24 Ver sobre esse assunto as repercussões – inúmeras – a respeito do herbicida glifosato. Institutos de pesquisa reconhecidamente sérios, como a International Agency for Research on Cancer (IARC) aponta que o produto é potencialmente cancerígeno para humanos. Mas os experimentos e métodos adotados pela European Food Safety Agency (EFSA), por exemplo, não reconhecem este risco. Conferir https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5972398/;

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5515989/;

https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/dec/06/the-weedkiller-in-our-food-is- killing-us. Acessos em 12 de dezembro de 2018.

25 Não é nosso objetivo esmiuçar nesta investigação qualquer conceito bourdiesiano, mas reconhecemos que suas ideias referentes à noção de campo podem ser aplicadas à problematização atual.

informação, opinião e interpretação (BODSTEIN, 2006, p. 8), o que facilita sua compreensão e o aproxima da comunicação geral, evitando a criação de barreiras e, portanto, o estabelecimento de uma área distinta.

Assim, apesar de o campo ser um único – o campo jornalístico – seu subcampo científico se pauta em métodos próprios que são referentes a seus modos de produção, de investigação, de busca de informações em fontes específicas e baseados em um quadro referencial que transita entre as esferas da comunicação e da ciência. Esses métodos, no entanto, não impedem que outros agentes de outros campos exerçam sobre o jornalismo científico influências de toda ordem. Dito de outra forma, o jornalismo científico está submetido às leis do próprio campo jornalístico, ao mesmo tempo em que o campo da ciência, por intermédio de capitais científico, econômico e político exerce (ou pode vir a exercer), por consequência, algum tipo de controle sobre a autonomia do jornalismo, especialmente no que diz respeito ao que se veicula e ao que se silencia.

Todo campo, argumenta Bourdieu, é um espaço onde forças desiguais competem para a transformação ou conservação da estrutura do campo. Esse campo, por sua vez, é um espaço, um mundo teórico – portanto não físico – que compreende relações de força, que podem ser de dominação ou subordinação. Os agentes mais poderosos desses campos se valem de suas relações de força para submeter outros agentes, aqueles posicionados abaixo em uma tal estrutura hierárquica, às regras do campo de forças visando sua conservação ou transformação (BOURDIEU, 2002, pp. 22-23): ou o agente se submete às regras do jogo ou fica fora do combate. O campo corporativista (seja ele entendido no sentido corporativo do termo, empresarial, portanto; seja entendido no sentido da defesa dos interesses de uma classe), por exemplo, sendo detentor de capitais simbólicos elevados (capital científico, econômico ou político), exerce autoridade nos campos alheios para fortalecer o seu próprio campo de forças.

Esse poder é exercido a partir de uma estrutura de relações objetivas que pode ser aqui sintetizada sob a forma da apresentação ou imposição de ideias, de conceitos, de produtos e ainda de argumentos justamente por parte de agentes cujo capital acumulado é capaz de determinar “a estrutura do campo em proporção ao seu peso, que depende do peso de todos os outros agentes, isto é, de todo espaço” (BOURDIEU, 2002, p. 24). A constante batalha pela dominação de um determinado cabedal é o que movimenta os agentes dentro dos campos. Esses cabedais,

entendidos também como objetivos, variam de acordo com os interesses dos agentes. Podemos citar a obtenção de publicações orgânicas na grande imprensa (publicações jornalísticas e não publicitárias, ou seja, espaços conquistados pelo seu valor enquanto notícia) que, por seu caráter jornalístico favorecem o incremento de capital simbólico do agente a partir da ampla exposição capaz de reforçar (ou reduzir, se a notícia for negativa) seu caráter dominante em relação a outros players.

Um agente (e aqui o sujeito pode ser tanto um indivíduo quanto uma associação ou ainda uma empresa) só consegue impor seus desejos, pressionar um campo mediante seu “capital de crédito” que pode ser científico, econômico, político, simbólico ou ainda à sua posição na estrutura da distribuição do capital, que é hierárquica por natureza e por isso desigual. É assim que alguns atores podem reger com alguma liberdade os campos que lhes são alheios, como é o caso das indústrias químicas, das indústrias de alimentos, das farmacêuticas, automotivas e tantas outras que vez ou outra aparecem com soluções “fantásticas” e “indubitáveis” prontas para serem veiculadas na imprensa, com sugestões de fontes, amostras grátis, brindes. Grosso modo, pode-se dizer que é possível que em determinados casos se criem problemas para que depois possam se vender soluções.

Deste modo, o exercício da divulgação científica pode incorrer de certo modo numa “ação controlada do campo científico, quando pensada através de um tipo de saber a ser representado sem a contestação dos receptores externos” (WATANABE e KAWAMURA, 2017, p. 307). As autoras se referem, especificamente neste caso, às situações em que os próprios cientistas são divulgadores de suas descobertas, mas a passagem é bastante elucidativa e pode ser ampliada se considerarmos que o poder exercido pelos detentores de capital simbólico têm força para influenciar as ações de outros campos, como o jornalístico; isto é, não precisam ser os próprios cientistas os divulgadores de suas pesquisas para que a ação controladora ocorra. Ao considerarmos que tanto os produtores quanto os distribuidores de conhecimento científico têm “interesse em preservar esse conhecimento e explorar seu uso” (TILLY, 2006, p. 68 apud WATANABE e KAWAMURA, 2017, p. 307), e considerando o breve apanhado teórico feito até aqui, parecem haver evidências significativas de que o campo científico exerce sobre o jornalístico se não uma dominação, ao menos uma tentativa – e sobre tal risco, legítimo, devemos nos ocupar com evidente preocupação e vigilância.

O jornalismo, em especial o científico, é sem sombra de dúvidas um campo fascinante, mas que ao mesmo tempo é potencialmente perigoso uma vez que se vê pressionado por atores de outros campos dispostos a se utilizarem do meio para comunicar, divulgar conteúdo cujo interesse pode ser mais pessoal (busca por mais capital) do que social. Nossas observações buscam problematizar o jornalismo de ciência e fazer com que se conheçam suas limitações e as dimensões de sua atuação, argumentando que sua manutenção na grande imprensa é essencial e que seu fazer é plenamente justificável – mas que vez ou outra pode falhar. Afinal, como disse certa vez Deborah Blum, diretora do famoso programa Knight Science Journalism, oferecido pelo MIT: “A ciência é como qualquer outra empresa. É humana, é falha, é cheia de política e de egos” (BLUM apud BRUMFIEL, 2009, tradução nossa)26.

CAPÍTULO II – FOTOGRAFIA: HISTÓRIA, USOS,