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5. RESULTADOS

5.3 Tipificação dos espaços educadores não mencionados nas monografias

5.3.2 Memória dos espaços educadores

Marta Kawamura Gonçalves, Suzi Maria José Alcaraz Hönel e Eva dos Santos Cozza apresentam similaridades e distinções em seus processos de resgate da memória ambiental. O público da terceira idade é abordado nos trabalhos das duas primeiras PAP3 cuja recordação envolve o município como um todo no processo de urbanização. Eva trabalha em torno de um espaço específico que é a escola e seu bairro próximo, seu público envolve a terceira idade, mas não é constituído exclusivamente por essa faixa etária. O grupo gira em torno da condição de estudante e ex-estudantes da escola estadual. No passado ou no presente, todos contribuem com a construção do projeto de Eva.

Marta53, cujo trabalho nos referimos anteriormente no estudo sobre corporeidade, enfoca também a memória do grupo PAP4. Como testemunhas do processo de urbanização, desvelam justamente esse período de transição.

Como destaca Marta, o grupo se atém mais ao modo de vida paulatinamente modificado que aspectos referentes ao espaço propriamente dito. A impermeabilização do solo e diminuição dos quintais que inviabilizaram a criação doméstica, enclausuramento que afeta os muros baixos com fins para a proteção, ruas sem carroças, cavalos ou bonde e até mesmo ausência de crianças e as saudáveis brincadeiras de rua ou ar livre. Televisão e seus discutíveis valores que padronizam comportamento e opiniões, substituindo a conversa entre vizinhos, contação de histórias ou diálogo entre familiares. Venda a granel e entrega de

52 Ibid p.8

53

Gonçalves, M.K. Movimento Corporal, Comunicação e Memória:Educação Ambiental com Grupo da Terceira Idade, 2008

alimentos de porta em porta contrastando com o comércio mais próximo e mais adaptado para estimular nossos desejos do útil pelo inútil e vice-versa. Garrafas retornáveis e sacolas de pano eram a regra e como não se tinha geladeira, os vizinhos eram mais solidários na divisão de comida. Partos domésticos. Enfim, os muitos aspectos daquilo que hoje nos soa exótico, mas é objetivado por pessoas que querem viver de modo mais natural e menos ao sabor do mercado. Sobretudo, foi um exercício prazeroso, porque ao compartilharem lembranças encontraram recepção favorável as suas colocações. Tal recepção incluía valorizar o que se dividia com o outro na construção coletiva de conhecimentos (GONÇALVES, 2008).

Suzi54 encontra esse mesmo entusiasmo do grupo da terceira idade ao relatar suas memórias por estas encontrarem eco no outro. A escolha do curso CESCAR foi inusitada para a PAP3, não porque lhe interessasse a questão ambiental. Como bibliotecária sentiu necessidade de entender mais do assunto para atender aos interesses de sua clientela e catalogar adequadamente publicações afins. Assim como optou pelo grupo de idosos como PAP4 na tentativa de estimular esse público específico a vencer resistências e passar a freqüentar mais a biblioteca.

Não obstante, o trabalho de Suzi levanta uma questão importante, ate que ponto o ambiente era educador ou eram as dificuldades que estimulavam a economia. Assim como constata que a relação corpo/espaço era outra. Interagia diretamente sem as facilidades de um controle remoto. O corpo inteiro se envolvia, e não partes deles com o menor esforço. O esforço físico era intenso onde o ócio é hoje intensificado pelo controle remoto. Antes buscavam a água, hoje, a água vem até nós. Nem tanto um caso quanto o outro, a questão está em buscar uma situação intermediária entre estes dois extremos.

A PAP3 ministrou seu curso como parte de um programa que atende ao público da terceira idade promovido pelo Colégio Diocesano La Salle, em São Carlos/SP. Suzi move as carteiras de modo a melhor promover o diálogo no grupo. Em seguida, movimenta seu grupo aproveitando o programa de excursões do CDCC. Assim, o grupo relembra fatos e os localiza onde nos locais onde se deram tais acontecimentos, aprendendo outros que compartilham com os familiares de diferentes gerações.

Antes o grupo estava desmotivado e faltavam muito as aulas, segundo a coordenadora do “Projeto de vivência Lassalista”. É freqüente ouvir dos participantes que a atividade deve continuar sentem-se valorizados em poder compartilhar a experiência de vida e ao mesmo tempo adquirir novos conhecimentos através de vários suportes didáticos.55

O resgate da auto-estima através da valorização da memória de vida transformou um grupo de terceira idade que antes tinham uma postura passiva e não participativa em indivíduos ativos, interessados em cooperar, em informar-se, pois nunca é tarde para aprender (segundo eles).56

O aprendizado advindo do espaço resgatado pela memória, aproxima gerações. Encontram significado no vivido, de modo tão meritório que despertam interesse em quem antes não se permitia o diálogo.

Eva57 passou a infância em área rural, percebeu a diminuição da área destinada aos quintais durante o fenômeno de urbanização tal como no depoimento do grupo de Marta, e trouxe para a escola onde leciona e desenvolveu sua interação educativa o lema ensinado pelos seus pais: “casa que não tem terra é casa triste”58.

Em que condições foi fundada a escola, características do local e da paisagem em sua época eram curiosidades de uma parcela dos professores. Para transformar o que era mera especulação em um projeto de resgate de memória, Eva contou com o relato de gerações antecessoras, ex-alunos que hoje são avós e pais das crianças que freqüentam a escola.

Sobre o local, Vila Prado em São Carlos/SP, moradores eram conhecidos de modo jocoso como índios porque as moradias esparsas eram parcialmente encobertas pela vegetação. Carroças e charretes e caminhadas, carros a motor escassos. Boiadas pela rua, chuva e os enormes lamaçais59. Lugar de se estender lona dos circos em visita à cidade a promover o encontro dos munícipes.

O antigo e desconfortável casarão onde funcionava a escola fora substituído por uma construção mais adequada. Porém o local escolhido para a nova escola destituiu os moradores de uma área de lazer. Conhecer como era o local no passado fez crescer a vontade de restituir certo aspecto relativo ao lazer, que é o de proporcionar um local agradável à comunidade. Em parte da calçada, construiu-se canteiros. Como insistentemente eram pisoteados não pelas crianças, mas pelos pais descuidados, a direção escolar viu-se no papel

55 Ibid p.35 56 Ibid. p.36

57COZZA, E. dos S. Memória Histórica da E.E.Bispo Dom Gastão e a Conservação Ambiental São Carlos

– SP

58 Ibid p.8

59 Os moradores do bairro Vila Prado até hoje são conhecidos como pés vermelhos devido à época das ruas de terra

não só de quebrar pedras nas calçadas, mas resistências daqueles que não enxergaram mudanças no presente com um quê de nostalgia.

Um aspecto interessante envolve o trabalho sobre memória e sua relação com o passado, principalmente no que tange o que chamamos de resgate. Sobre temporalidade, parece-nos que resgatar a memória no sentido de retomar ou recuperar é uma colocação mais adequada que declarar uma volta ou retorno ao passado. Porque em certo sentido, recordar é trazer para o presente a representação de algo que aconteceu no passado.

Para Merleau-Ponty (2006), o tempo nasce à medida que nos relacionamos com as coisas. Se observo manchas secas na minha mesa, encontro nestas uma prova de um acontecimento anterior, mas que em si mesmas, as manchas, são elementos que estão no momento presente. Por meio delas vejo os sinais produzidos no passado porque o sentido desse passado é significativo para mim. O tempo existe porque estamos situados nele. Por isso temos o presente que projeta um duplo horizonte - no passado e no porvir – além de se caracterizar como zona onde coincidem ser e consciência. A recordação de uma percepção passada é efetivamente trazer ao presente um ato de representação de um acontecimento passado, não o acontecimento em si. Rememorar é uma percepção interior ou consciência primária que dá aparência a aquilo que foi uma experiência passada. O tempo e o espaço se inter-relacionam e justificam existencialmente um ao outro:

"[...] é comunicando nos com o mundo que indubitavelmente nos comunicamos com nós mesmos. Nós temos o tempo por inteiro e estamos presentes a nós mesmos porque estamos presentes no mundo." (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 567)