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3.3 Metáfora viva e símbolo em Ricoeur

3.3.2 Símbolo e sua distinção da metáfora

Uma renovação da investigação pela semântica perpetrada por alguns teóricos modernos da língua, ganha destaque na concepção ricoeuriana da metáfora viva.

O estudo dos símbolos, porém torna-se um obstáculo que impede acessar diretamente à sua estrutura, que apresenta um duplo sentido. Isto porque o símbolo pertence a diversos campos de pesquisa, "tão divididos entre si que tende a perder-se na sua proliferação". (RICOEUR, 1976, p. 65)

Ricoeur (1976) explorou três desses campos:

- na psicanálise, conflitos psíquicos profundos tomam os sonhos e outros sintomas e objetos culturais como símbolos.

- na poética, as imagens privilegiadas de um poema ou aquelas que dominam as obras de um autor, ou figuras que por sua constância se identificam a uma determinada cultura, ou ainda, as imagens arquetípicas da humanidade independente da origem cultural dos grupos – todos são considerados símbolos.

- na história das religiões, entidades concretas como árvores, labirintos, escadas, montanhas representam símbolos do espaço e do tempo, transcendentes,que indicam outra coisa além do manifesto por eles.

Somam-se a isso, duas dimensões ou um duplo universo de discurso – um de ordem lingüística e outro de ordem não lingüística.

Na prática, a construção de uma teoria que explicaria a estrutura em termos de sentido e significação do símbolo em uma dimensão lingüística é possível. Entretanto, a dimensão não lingüística relacionada ao símbolo faz de qualquer teoria que não o inclua, uma teoria incompleta. Um símbolo relaciona seu significado ao seu elemento lingüístico somado a alguma coisa a mais como uma associação a conflitos psíquicos ocultos, uma visão de mundo ou meio onde o sagrado se manifesta. Se a complexidade externa do símbolo é tal que impede sua acessibilidade direta, Ricoeur (1976) irá abordá-los por uma teoria da metáfora, em três passos seqüenciais:

- identificar a cerne semântica característica de todo símbolo baseado na estrutura do sentido operante nas expressões metafóricas

- o funcionamento metafórico da linguagem isola o estrato não lingüístico dos símbolos, o princípio de sua disseminação por meio de um método de contraste

- a nova compreensão do símbolo suscita melhor entendimento da metáfora que de outro modo, permaneceria oculto.

O momento semântico de um símbolo

O sentido literal e o figurativo de uma expressão metafórica quando relacionados nos permite identificar os traços propriamente semânticos de um símbolo. Estes traços testemunham uma unidade que é inerente a todo e qualquer símbolo. É a partir da fala que o símbolo suscita um pensamento. A metáfora pode ser comparada a um catalisador que evidencia o aspecto semântico dos símbolos ou sua afinidade com a linguagem. Um símbolo num sentido geral relaciona sua função a um excesso de significação: o lobo-mau é mais que a descrição de um lobo, o nascer do sol pode representar mais que um fenômeno metereológico. Assim como na teoria da metáfora, o excesso de significação no símbolo só se reconhece na interpretação, de posse de um sentido literal encontramos um outro que é o

excesso de sentido. Um sentido literal transcende para um sentido simbólico, ou ainda, o sentido simbólico principia-se quando anteriormente um sentido literal foi assimilado (RICOEUR, 1976).

A interação do que é similar e o que é totalmente diferente gera um conflito do significado anterior da realidade e um novo, tal qual na metáfora viva. Mas por não estar articuladas num nível lógico, o estabelecimento destas relações é mais nebuloso. A metáfora porque representa uma predicação excêntrica, invoca uma articulação faltante a linguagem simbólica. Porém, símbolo não se deixa vir a tona em sua totalidade pela linguagem conceptual (RICOEUR, 1976).

O momento não semântico de um símbolo

Por contraste, são semânticos os traços do símbolo que (RICOEUR, 1976): - se podem submeter à análise lingüística e lógica em termos de significação e interpretação

- coincidem em parte com traços correspondentes da metáfora, mas algo do símbolo não corresponde a uma metáfora, resiste a qualquer transcrição lingüística, semântica ou lógica.

O símbolo se torna opaco quando desejamos significá-lo em razão aos diferentes métodos de investigação que o assumem como objeto de estudo, relacionados às áreas da nossa experiência que lhe são mais próximas. Tanto o sonhar para a psicanálise, o poetar para os literatos ou o invocar para os religiosos abordam de modo distinto os símbolos, tornando suas interpretações alheias umas as outras. A atividade simbólica é considerada por Ricoeur como carente de autonomia, pois se representa uma ligação entre toda essa variedade disciplinar, também a constituí e seu significado como significado total permanece hermético (RICOEUR, 1976).

Recorrendo à psicanálise freudiana, Ricoeur (1976) apresenta um motivo pelo qual o símbolo não se transforma em metáfora. Localiza o fenômeno da atividade simbólica numa área limítrofe entre o desejo e a cultura – uma fronteira entre os impulsos e seus representantes afetivos. A repressão ao instaurar-se, permite apenas que nos seja acessível aquilo que é sublimado: os signos como substitutos indefinidos, um texto rasurado ou desfigurado cujo exercício de leitura é similar ao decifrar de um enigma ou hieróglifo. Esses conceitos híbridos presentes no sonho ou no texto simbólico impõe a psicanálise um estatuto epistemológico misto já que conflitos profundos são resistentes a redução em processos lingüísticos. Essa concepção mista, longe de expor certa fragilidade ou incongruência da psicanálise, indica o lugar onde principia o seu discurso: "na mistura de força e sentido, de

impulso e discurso, de energética e semântica". (RICOEUR, 1976. p.71). O símbolo habita uma linha divisória entre o bios e o logos, origina-se onde a força e a forma coincidem. A metáfora está circunscrita ao universo já purificado do logos.

Northrop Frey citado por Ricoeur (1976), coloca que a linguagem poética enquanto inversão da linguagem comum se dirige em direção a um interior que é o estado do espírito estruturado e expresso por um poema. Nesse sentido, a poesia se encontra liberta do mundo assim como se liga noutro sentido. O estado de espírito é co-extensivo ao simbolismo de um poema. O poema não é um jogo verbal de palavras. O poema está conectado por aquilo que cria suspendendo o discurso ordinário e qualquer explicação didática. A redução dos valores referenciais do discurso comum permite exprimir o sentido da realidade que se deve trazer. Novas configurações trazem à linguagem novos modos de estar-no-mundo. O discurso poético revela à linguagem modos de ser que a visão ordinária obscurece ou até reprime.

Dentro do universo sagrado, a vida está em toda a parte como uma sacralidade presente no movimento das estrelas ou n alternância do nascimento e da morte. Os símbolos são captados pela linguagem quando os próprios elementos do mundo se tornam transparentes, portanto, apresentam um caráter de ligação. O caráter ligado dos símbolos é o diferencial entre um símbolo e uma metáfora. A metáfora é uma criação do discurso; o símbolo está conectado ao cosmos.O falar no universo simbólico se embasa na capacidade que o cosmos tem de significar. Razão pela qual um templo se conectará sempre a um modo celestial e a hierogamia da terra e do céu corresponde à união entre homem e mulher e entre macrocosmo e microcosmo. Assim como existe correspondência entre o solo arável e o órgão feminino, o sol e os nosso olhos, o sêmen e as sementes, etc. Pela lógica das correspondências, ocorre uma religação do discurso no universo do Sagrado. O simbolismo só pode ser ativado quando a sua estrutura é interpretada. O caráter sagrado da natureza revela-se no seu dizer-se simbólico. A revelação fundamenta o dizer, e não inversamente (RICOEUR, 1976).

Ricoeur refere-se ao momento não semântico de um símbolo àquilo que neles pode ser traduzido em linguagem, mas nunca em sua totalidade:

[...] é sempre algo poderoso, eficaz e forte. O homem é aqui designado como um poder de existir, indiretamente discernido a partir de cima, de baixo e lateralmente. O poder do s impulsos que assediam as nossas fantasias, dos modos de ser imaginários que inflamam a palavra poética, e do omni-englobante, desse algo muito poderoso que nos ameaça quando nos sentimos não amados, em todos esses registros e talvez ainda noutros tem

lugar a dialética do poder e da forma, que garante que a linguagem apenas apreende a espuma na superfície da vida. (RICOEUR, 1976, p.75)

Relação entre Símbolo e Metáfora

Ricoeur (1976) coloca duas proposições contrárias acerca da relação entre metáforas e símbolos:

 há mais na metáfora que no símbolo.  há mais no símbolo que na metáfora.

Na primeira proposição, é a metáfora que traz à linguagem a semântica implícita do símbolo já que esta permanece confusa nele. As similaridades de uma coisa ou outra e de nós às coisas ou correspondências infinitas entre os elementos é clarificado na tensão da enunciação metafórica.

E, há mais no símbolo que na metáfora, pois:

A metáfora é o procedimento lingüístico – forma bizarra de predicação – dentro do qual se deposita o poder simbólico. O símbolo permanece um fenômeno bidimensional na medida em que a face semântica se refere à não semântica. O símbolo está ligado de um modo não presente na metáfora. O símbolo tem raízes. Os símbolos mergulham na experiência umbrosa do poder. As metáforas são precisamente a superfície lingüística dos símbolos e devem o seu poder de relacionar a superfície semântica com a superfície pré semântica nas profundidades da experiência humana à estrutura bidimensional do símbolo. (RICOEUR, 1976, p.81)

3.4 Corporeidade em Merleau-Ponty – corpo próprio como preâmbulo para a