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3.3 Metáfora viva e símbolo em Ricoeur

3.3.1 Metáfora Viva

Retomemos a obra de Paul Ricoeur, Teoria da Interpretação – o discurso e o excesso de significação, publicação de 1976, particularmente onde o autor desenvolve a teoria da metáfora viva. O excesso de sentido das metáforas que lhe atribui um sentido cognitivo mais que meramente emocional e se incorpora ao domínio da semântica. No símbolo, porém, distinguem-se algo de semântico e não semântico inserido a ele. Ricoeur então, abordará o símbolo como uma estrutura de duplo sentido, e, a metáfora, por ser puramente semântica. Metáfora e símbolo se relacionam não só pela característica semântica que dá sentido total a um e é apenas uma parcela significativa em outro: a metáfora nos conduz ao símbolo, e o símbolo à significação no duplo sentido verbal e o duplo sentido não verbal.

A teoria da metáfora

Ricoeur (1976) cita que Beardsley considera a metáfora como um poema em miniatura. A relação entre o sentido literal e figurativo metafórico é uma versão abreviada dentro de uma frase singular da complexa interação de significações que caracterizam a totalidade de uma obra.

No positivismo, o sentido explícito está para a função cognitiva da linguagem que por sua vez relaciona-se ao vocabulário denotativo. Assim como o implícito para a emotiva e se relaciona ao conotativo. Ricoeur questiona limitar o significado cognitivo apenas e tão somente aos aspectos denotativos de uma frase. Até porque, a denotação ligada à cognição é de uma ordem semântica, mas a conotação destituída de qualquer valor cognitivo por ser considerada uma função emotiva da linguagem, é considerada extra-semântica. Assim, o sentido figurativo de um texto não seria da ordem do conhecimento. Para Ricoeur, é na metáfora que o sentido literal e figurativo se relacionam internamente numa significação global (RICOEUR, 1976).

Para Ricoeur, a metáfora diz mais respeito a uma semântica da frase que propriamente da palavra. Uma metáfora só encontra o seu sentido numa enunciação como fenômeno de predicação e não de denominação. Uma tensão entre o teor e o veículo constitui a metáfora, como em espaço educador. A metáfora resulta, portanto, de uma tensão entre dois termos numa enunciação metafórica. Essa tensão numa enunciação metafórica não é uma tensão entre duas interpretações opostas da enunciação. O conflito entre duas interpretações sustenta a metáfora. Uma metáfora só existe porque a interpretamos. Uma interpretação literal da metáfora é inconsistente, se autodestrói e esse processo é uma transformação que impõe uma extensão do sentido que acarreta em um sentido não literal. Os valores lexicais das palavras que compõe uma metáfora submete-se a uma espécie de trabalho do sentido ou torção metafórica. Daí a enunciação passa a fazer sentido (RICOEUR, 1976).

A metáfora consiste em reduzir o conflito gerado por duas idéias incompatíveis. A expressão metafórica busca um parentesco onde a superficialidade de uma observação não enxerga relação. Para Ricoeur, o papel de uma metáfora é um erro9 calculado: coisas aparentemente não associáveis são associadas na metáfora, o que gera um mal entendido. É esse princípio confuso que origina justamente uma relação de sentido até então despercebida:

Quando Shakespeare fala do tempo como um “pedinte”, ensina-nos a ver o tempo como..., a ver o tempo como um pedinte. Duas classes anteriormente distantes são aqui de súbito conjugadas e o trabalho de semelhança consiste precisamente em congregar o que uma vez esteve distante. (RICOEUR, 1976, p. 63).

Ricoeur convida a pensar em termos de uma metáfora viva que resulta de uma tensão entre duas interpretações que se principiam na frase - uma literal e outra apropriadamente metafórica – num processo contundente de criação de sentido. Na metáfora como mera substituição de palavras10, ocorre um registro do resultado que não faz juz ao evento criativo da metáfora, portanto. Opondo uma teoria da tensão da metáfora a teoria da substituição, uma nova significação emergente envolve a frase ou enunciação em sua totalidade. Tal propriedade emergente faz da metáfora uma criação instantânea ou inovação semântica atribuída por um predicado incomum e inesperado que para Ricoeur é antes decifrar um enigma que buscar similaridades entre as palavras. A inovação semântica, seu poder criativo ou aspecto vivo não se aplica a toda metáfora, sendo possível classificá-las entre metáfora viva e metáfora morta. Um dicionário contém metáforas que a rigor não

9 Para Ricoeur, o que Gilbert Ryle chamou de erro de categoria aproxima-se ao funcionamento de uma metáfora.(RICOUER, 1976)

poderiam ser consideradas sequer metáforas por terem perdido qualquer vigor inventivo – como pé de cadeira (RICOEUR, 1976).

Para fins de compreensão, a esse aspecto vivo da criação de significação metafórica, analogamente, aproximamos as propriedades emergentes estudadas em ecologia11. A combinação de átomos de elementos químicos distintos como hidrogênio e oxigênio numa proporção de dois para um, resulta numa molécula de água cuja ligação coesa e fluida simultaneamente, apresenta uma inovação tal em termos de propriedade que transcende àquelas que lhe deram origem, e mais propriamente permite a vida no nosso planeta desde seu primórdio até como atualmente a conhecemos. Ou de algumas espécies de algas que associadas aos fungos, originam líquens que pelo aspecto externo e propriedades em nada lembram seus antecessores. Propriedades emergentes não são meramente a resultante de um somatório, estes exemplos acima citados, representam antes uma inovação ao permitir ampliar as possibilidades da vida; e, de significações e sentidos, concebidos por nós, humanos.

O caráter inventivo da metáfora viva tende a perder intensidade por uso constante. As metáforas de tensão não são traduzíveis por mera substituição de palavras ou de um sentido literal. É certo que partem de sentido literal das palavras que a compõe, portanto se inscrevem no âmbito da semântica. Mas Ricoeur fala em decifrar um enigma, pois do sentido literal que representa um absurdo, as metáforas vivas criam seu próprio sentido. Metáforas vivas assumem bem mais que uma função ornamental no discurso, pois assim como lhe confere um valor emotivo também "diz-nos algo de novo acerca da realidade." (RICOEUR, 1976, p. 64)