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Ángel Rama e os saberes do exílio

1.2 Memórias à deriva

T. S. Eliot confessou que quando um homem atinge a metade de sua vida ele se depara com três escolhas: preferir não escrever mais, seguir se repetindo com mais habilidade ou encontrar um novo modo de trabalhar.108 Pensando em Rama, e considerando particularmente os seus últimos ensaios e o seu diário, tudo indica que ele tenha escolhido a última opção. À primeira vista, é plausível pensar que, se comparada à sua obra crítica, a matéria do Diario perde solidez porquanto escapa a qualquer tipo de ancoragem segura; antes, procura situar-se nos deslocamentos do tempo-espaço109 e, principalmente, nos interstícios da percepção. Por outro lado, nada impede que o Diario possa ser lido e interrogado como acenos em momentos de perigo, tal como enfatiza Benjamin nas suas Teses sobre a história; ou como se a razão de quem o escreve se entregasse ao sono profundo e, com isso, viesse a abolir as próprias categorias de tempo- espaço que prometeu respeitar, se agarrando somente a um tênue sentimento de existência: “escrever é entregar-se ao fascínio da ausência de tempo.”.110

Daí que, entretanto, a verdade do Diário não esteja nas observações e comentários interessantes, de recorte literário, mas nos detalhes insignificantes que se prendem à realidade cotidiana. O Diário representa a seqüência dos pontos de referência que um escritor estabelece e fixa para reconhecer-se, quando pressente a metamorfose perigosa a que está exposto. É um caminho ainda viável, uma espécie de caminho de ronda que ladeia, vigia e, por vezes, duplica o outro caminho, aquele onde errar é a tarefa sem fim. 111

Quando lemos o Diario de Rama nos defrontamos com um embate mantido contra o que foi se configurando como um fechamento identitário - iniciado pelo desmoronamento da sociedade uruguaia e seguido pelo exílio na Venezuela. Como veremos adiante, o diário abriu uma delicada discussão sobre o grau de xenofobia sofrido por Rama e Marta Traba na cidade de Caracas. A situação foi particularmente cruel porque atingiu frontalmente duas pessoas que lutavam justamente para ampliar o leque das identidades culturais do continente. No caso de Rama, Mabel Moraña observou que a

108

T. S. Eliot apud: BLANCHOT, M. O livro por vir. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 150.

109

As anotações no Diario acompanham o ritmo frenético de trabalho, mas também servem ao que podemos chamar de seus „planos de fuga‟. Por isso ele faz anotações desde Barcelona, EUA e, por último, Paris.

110

BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1987, p. 20.

111

“dictadura que lo mantuviera durante muchos años alejado de la patria y que lo obligara a desplazamientos y reinvenciones constantes, es el origen de una peripecia personal también paradigmática.”.112 É precisamente de uma necessidade de reinvenção que trata os primeiros movimentos do Diario, quando Rama nos informa sobre as “opções” que estariam ao seu alcance nesse ano de 1974:

Entrevista con el cónsul honorario del Uruguay que, por suerte, es un venezolano. Recibió cablegrama de Relaciones Exteriores ordenando se me niegue pasaporte. No sé si paso a la categoría de “apátrida” y deberé pedir a las Naciones Unidas que me reconozcan como tal, o, como me dice el cónsul, a la categoría de “confinado en Venezuela” que resuelve por mí el gobierno de Bordaberry. La dictadura es clara: nada para los que se atreven a disentir. También debe leerse en el telegrama negándome pasaporte una advertencia: no ponga los pies en el Uruguay. 113

Embora essa fosse uma questão de ordem prática, Rama refletia também sobre as matrizes conceituais envolvidas nesse processo:

(...) el “exilio” es, básicamente, un fenómeno político. Aunque sus fronteras con la condición de “emigrado” o “refugiado” son difíciles de fijar, en el “exiliado” reconocemos el descendiente del “proscripto”, del “desterrado”; del condenado al “ostracismo” a consecuencia de que un determinado país no le concede el derecho a expresar dentro de él sus ideas políticas, ni a actuar para imponerlas en su sociedad nativa. Por lo tanto el “exiliado” es el portador de muy determinadas y precisas doctrinas políticas y su pertenencia a ellas es tanto o más definidor que su condición de “expatriado”… La definición de “exiliado” es ante todo política y después situacional.114

Quando se olha mais detidamente a questão - e o Diario é fundamental nesse sentido - deduz-se uma “marca” que perpassa o pensamento de Rama, ou seja, a marca política de um exilado em pleno exercício de sua função como intelectual público e comprometido com a cultura latino-americana. Mas não podemos deixar de pensar no grau de distorção/precisão advindo dessa nostalgia difusa da qual geralmente é tomado o exilado. Ou, em outras palavras, partindo do pressuposto de que o exílio é uma

112

MORAÑA, Mabel. Crítica Impura: estudios de literatura y cultura latinoamericanos. Vervuert: Iberoamericana, 2004, p. 145.

113

RAMA, Á., op. cit., 2001, p.36. 114

BARROZ-LEMEZ, Álvaro e BLIXEN, Carina. Cronología y bibliografía de Ángel Rama. Montevideo: Fundación Ángel Rama, 1986, p. 62.

experiência dolorosa, é necessário considerar as reações mais pessoais frente às circunstâncias adversas do exílio.

Carina Blixen observou sagazmente que o Diario, por referir-se a poucas recordações, é “absorvido pelas urgências do presente.” 115 Ora, sabemos que a obra rameana se liga originalmente ao Uruguai, mas, não obstante haja essa espécie de “dívida” com a sociedade uruguaia e com a geração crítica, o fato é que ele foi aos poucos sendo afastado e se afastando do país desde fins dos sessenta, paralelamente ao aumento do seu interesse pela cultura latino-americana.

As razões desse afastamento são várias, confluindo com a sua própria insatisfação com o desenrolar dos acontecimentos econômicos, culturais e políticos do Uruguai antes do golpe; o aumento da repressão e conseqüente violação dos direitos humanos em todos os países do Cone-Sul; o término de seu primeiro casamento com a poeta uruguaia Ida Vitale116; o ingresso num segundo casamento, em 1969, com Marta Traba; as demandas urgentes advindas dos projetos mais abrangentes; o acúmulo de atividades e compromissos internacionais, entre outras. Com base nisso, não é difícil inferir que o Diario funciona como uma importante ferramenta para refletir e acompanhar o desenrolar dessas e de outras questões gestadas em um período tenso da história do continente. Quando Rama começa o seu diário pretende apreender os movimentos de uma vida que descobre, afinal, em “dívida” consigo mesma:

A esta edad, normalmente, se redactan las memórias. A falta de ellas, me decido por una anotación de diario, ni público ni íntimo. Con los peligros del solilóquio (esse enrarecimiento del vivir al ser desgonzado de sus naturales quícios) pero también con los benefícios de la subjetividad, particularmente en un ser humano que siempre ha procurado reemplazarla por las coordenadas intelectuales o las comunitarias (trabajo, movimientos políticos). 117

À maneira de um estóico, o que Rama estaria buscando, então, se aproxima de uma consciência plena e vigilante dos processos interiores e exteriores, pelo menos até onde acreditava estar informado. Em relação aos processos exteriores, o alvo recai sobre o campo intelectual latino-americano e suas instituições. Por vezes, algumas passagens do Diario podem deixar o leitor um pouco espantado como, por exemplo, quando Rama,

115

BLIXEN, Carina. “El espejo y las palabras”. In: http://sololiteratura.com/ramacarinablixen.htm. Acesso em 10/03/2009.

116

Em 1950 Rama casou-se com a poetisa uruguaia. O casamento se dissolveu em 1969. 117

em setembro de 1974, avalia o projeto da Biblioteca Ayacucho - um símbolo de grande representatividade da cultura latino-americana ao qual dedicou um labor especial por mais de seis anos:

Reunión con los delegados extranjeros para oirles sugerencias sobre la Biblioteca Ayacucho.

Casi nada de interés, sobre todo a causa de la estrechez nacionalista de miras: Ardao habla de recopilar en varios tomos los escritos de Batlle y Ordóñez; Roig, de publicar las historias de los ferrocarriles argentinos de Scalabrini y así sucesivamente. Compruebo, y con la mejor audiencia posible, la atroz incomunicación latinoamericana. Y, más que nada, la ausencia de un verdadero plano continental, unitario para medir su creación cultural, aplicando en la óptica crítica esa conciencia latinoamericana de la que tanto se habla y la que tan escasamente se practica.118

A repulsa de Rama ao limite dos olhares nacionalistas que impediam o vislumbre de um “plano continental” não poderia ser mais contundente. Na verdade era a própria atividade crítica, a sua viabilidade mesma que estava sendo posta em questão naquele momento. De fato, Rama quis abarcar mais do que era possível e, por conseguinte, aceitou correr o risco de ficar de mãos vazias. Além disso, os problemas do projeto não diziam respeito apenas aos delegados latino-americanos: para a indignação de Rama, um jornalista espanhol radicado há muitos anos na Venezuela critica o projeto da

Biblioteca Ayacucho apelando para argumentos do século XIX, particularmente de

Menéndez Pelayo, quando este alegava que tal unidade continental somente poderia advir da língua, de tal modo que a coleção só poderia fazer sentido se incluísse em seus volumes os clássicos espanhóis. Rama vê o argumento como extemporâneo já que a Espanha, até então, nunca havia criado nenhuma biblioteca que incorporasse os hispano- americanos em pé de igualdade com os castelhanos.

Lo grave es que a renglón corrido el español agregue que, carentes de títulos de España, mal se podrán conseguir 300 títulos Buenos para la Biblioteca, a no ser que se apele a la “basura” tipo Mariátegui. Aqui sale a luz el viejo y sólo embozado desprecio por las antiguas colônias que sigue anidando en lo pecho de los españoles y que sólo los grandes espíritus (como Unamuno) fueron capaces de vencer para leer, comentar y debatir con toda libertad y en mismo plano, lo peninsular y lo hispanoamericano. Pero fuera de un puñado de excepciones, la independência de América sigue siendo vivida, en la conciencia colectiva española, como una ingratitud, una perversión y un ultraje. Y los hispanoamericanos siguen siendo percibidos como

118

retrasados colonos indignos de manejar un idioma que ellos no han creado y que no hacen sino deteriorar.

Que quinientos años de historia cultural no pueden depararnos trescientos volúmenes calificados sería certificar la inferioridad de un pueblo y uma verdadera fatalidad histórica que lo condenaria por siempre a la esterilidad. 119

Naquele momento, em setembro de 1974 – ainda sem cumprir um mês de diário – Rama rechaçava qualquer tipo de fechamento, sobretudo se estivesse ele direcionado para a cultura latino-americana. Aliás, a “escolha” pelo exílio já configura – em Rama e em Traba - a contrapartida ao encerramento provocado por esse processo traumático. E, para piorar ainda mais as coisas, o casal viveu praticamente todo o período do exílio em meio à insegurança profissional e à precariedade econômica. Esses foram os contornos de uma conjunção angustiante para Rama, sobretudo durante as suas horas de sono. Assim, da repulsa e da aversão concernida aos limites intelectuais, chega-se ao terror concentrado nos pesadelos. Para traduzir o seu estado de espírito desolador, Rama se ampara na pesada simbologia de um pintor-desenhista acostumado a revezar a imagem pictórica e imagem literária120, o suíço Johann Heinrich Füssli:

(...) sensación de opresión como si todos los monstruos de la pesadilla hubieran estado acuclillados sobre mi pecho (evoco el cuadro del XIX, “La pesadilla”, de quien?) y el corazón hubiera estado cercano a paralizarse. Quisiera entonces volver al abismo, pero con los ojos abiertos, descender a ver los monstruos. Pero nada, ni hay retorno, ni ninguno de ellos se muestra. Vuelvo nuevamente de lo negro y ahora estoy en el día, como un extraño. 121

Mais do que para o quadro de Füssli122 - até porque é o próprio Rama quem confessa não ter conseguido reter nenhuma lembrança sequer do sonho -,123 cumpre

119

RAMA, Á., Op. cit., 2001, p. 39. 120

STAROBINSKI, Jean. 1789: Os emblemas da razão. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 86. Ao comparar o pintor Jacques Louis David (1748-1825) a Johann Heinrich Fussli (1741-1825), Starobinski afirma: “David pinta cenas de teatro e Fussli, mesmo quando se inspira nos dramaturgos, mesmo quando representa atores ou dançarinos, desenvolve visões, cenas épicas, numa dimensão ao mesmo tempo narrativa e mental. Suprime o lageado horizontal, o assoalho cênico sobre o qual, em David, tudo se erige racionalmente. O desenho e o quadro não são mais os substitutos imobilizados de uma cena teatral, nenhum “quadro vivo” lhes pode equivaler, nenhum ator poderia desempenhar o papel. A visão liberta-se da sujeição ao aplomb e ao verossímil; doravente, o espectador e o personagem não habitam mais o espaço comum; sua relação se torna ao mesmo tempo mais íntima e mais estranha”, p. 86.

121

RAMA, Á., Ibid., p. 37. 122

Trata-se do quadro O pesadelo (1782). 123

Ele abre a entrada de 17 de setembro de 1974 com um autoquestionamento: “Cuál es el laboreo secreto de la noche? Salgo del sueño, como si remontara de las profundidades del mar, sin un solo recuerdo, una

atentar para o real significado da convivência com a faceta escura da experiência do exílio; o destino trágico de um homem vivendo completamente dilacerado e em luta constante para sair dessa condição: “(...) É preciso dar ao provisório a densidade e a espessura da vida.”.124

Mas, sobre a referência ao quadro de Füssli tudo nos leva a pensar que, mesmo vivendo sob tais condições, Rama tentou transpor (sem muito êxito) esse dilaceramento para uma dimensão analítica. Desde a sua ótica, era preciso que esse dilaceramento fosse minimamente conhecido e reconhecido como herança cultural. De qualquer maneira, nos deparamos com um limite: estamos na presença do indizível, ou melhor, da impossibilidade de nomear a experiência vivida. Situando o lugar histórico da representação do quadro O pesadelo, Starobinski registra que Füssli:

Se talvez compôs O pesadelo para denunciar alegoricamente a inquietação que pesava sobre a Inglaterra, retraçou sobretudo nesse quadro o êxtase mortal de uma adormecida torturada; o prazer singular que experimentamos com essa cena de horror faz de nós, furtivamente, os cúmplices do mal. Tais são os prodigiosos perigos de uma arte animada por um vasto desígnio moral, mas que nada quer ignorar das regiões obscuras do mundo psíquico; ela aí se deterá talvez mais demoradamente do que convém. Uma potência de loucura intervém, um malefício se manifesta, e não ficará intacta a intenção primitiva da consciência diurna; os passos de Füssli se perdem nas regiões noturnas de uma terra de crueldade – semelhante ao território inventado por Sade – onde paira uma fatalidade temível.125

Na verdade, não pretendo deliberadamente incorrer no erro de instalar-me numa posição de voyeur ao analisar esse momento complexo da vida de Rama. Muito menos ainda, posso inferir que ele extraía algum tipo de prazer, fascinação ou cumplicidade com o que literalmente o assaltava e o aterrorizava. Ele se refere a uma “sensación de opresión” involuntária que, por mais que não tornasse a se repetir na vigília – terreno onde se sentia muito mais capacitado para o combate –, não deixava „intacta‟ a sua “consciência diurna” e o seu corpo.126

Como Füssli, ele não se nega a ir ao encontro dessas “regiões obscuras do mundo psíquico” - ao inconsciente, diríamos -, mas idealiza fazê-lo desde um estado de consciência.

sola imagen onírica, pero dominado por una angustia tenaz, traspirado, debatiéndome en un sufrimiento sin formas ni expresiones”. RAMA, Á., Op. cit., 2001, p. 37.

124

VIÑAR, Marcelo. Exílio e tortura. Tradução de Wladimir Barreto Lisboa. São Paulo: Escuta, 1992, p. 110.

125

STAROBINSKI, J. Op. cit., 1988, p. 91-92. 126

Como observa Marcelo Viñar: “O terror é, antes de tudo, a experiência do corpo esmorecido”. Op.cit, 1992, p. 99.

Rosário Peyrou inicia o seu prólogo ao Diario retirando dele uma frase escrita por Rama: “Soy de los que lamentarán irse sin haber podido ver y saber más cosas, tanto viejas como nuevas.”.127 E justifica a sua escolha dizendo: “esta afirmación, escrita al pasar, define una de sus características más salientes como persona y como intelectual.”.128 A meu juízo essa frase não só comprova a entrega129 de Rama como mostra o quanto ele se manteve afastado da metafísica tradicional que sempre têm projetado um triunfo sobre a morte. Vejamos um exemplo que sustenta essa postura: invertendo a atitude do protagonista de Orwell130 em 1984, Rama lamentava que, à propósito do adoecimento de Marta Traba, o martírio131 se passasse sobre o corpo do ser amado e não sobre o seu. Ele se mostrava convencido disso - mas também parecia querer convencer-se - na medida em que se julgava mais bem preparado para enfrentar a dor, a mutilação, a proximidade com a “data imodificável” da morte. Por isso, Rama vive junto com Traba esse martírio e transporta-o para as páginas do Diario.

A partir desse momento, se formaria uma idéia um pouco mais clara do significado do Diario. Creio que nele Rama buscava preescrutar a sombra dos seus limites pessoais, de sua insignificância e insuficiência. A tarefa não era simples.

Un interminable recorrido, a lo largo de una serie indefinida de circuitos, que induce a la observación crítica a una historia que es al mismo tiempo la suya propia y la de su objeto: esa es sin duda la imagen de esta actividad sin fin en la que se empeña la voluntad de comprender. Comprender es, en primer lugar, reconocer que jamás se ha correspondido lo bastante. Comprender es reconocer que todas las significaciones permanecen suspendidas en tanto que uno no haya terminado de comprenderse a sí mismo.132

127

RAMA, Á., Op. cit., 2001, p.76. 128

PEYROU, Rosário. Prólogo ao Diario. In: RAMA, Ángel. Ibid., p. 5. 129

Rama demonstra essa entrega em outros momentos do Diario. Como quando relata a dificuldade sentida pelo ruído incômodo do marca-passo em seu coração: “Con dificuldad fui aceptándolo: algunas veces – en un comercio, en una reunión – alguien ha inquerido por esse sonido y me he prestado a que oigan mi pecho. Cuando se hace el silencio en el living, siento que me oyen: ya no me inquieta. Sólo cuando en la cama nos abrazamos y Marta pone su cabeza sobre mi hombro siento confusión, como si me portara mal, y pienso que ella se pone inquieta aunque nada me dice, y no prolongo el abrazo. Es un memento mori perpetuo. Pero más bien lo vivo como una disminuición – una verguenza – en el comercio social, un motivo para sumirme en la intimidad.

Estas líneas traen, a la cola, el recuerdo de mi convalecencia en Houston y en Puerto Rico, en casa de Pilar Requero donde pasamos una semana. Mi infinita debilidad, mi apacible entrega, que prefigura cómo será ese tiempo prévio a la muerte donde la reducción de fuerzas ayudaría al temido tránsito. Y sin embargo, cómo nacía suavemente la apetência de vida!”, p. 69.

130

Orwell faz o seu protagonista - no auge de seu pavor - suplicar para que o martírio imposto sobre ele seja transferido para o corpo do ser amado.

131

Refiro-me ao câncer de Marta Traba que a obrigou a uma mastectomia. 132

STAROBINSKI, Jean. La relación crítica: psicoanálisis y literatura. Tradução de Carlos Rodrigues Sanz. Madrid: Taurus, 1974, p. 63.

Por tanto, no Diario confluem a sua história pessoal e a história do seu objeto de conhecimento: a América Latina. A questão nos remete para um conselho de Elias Canetti: “Quem realmente quer saber tudo aprende melhor em si mesmo. Mas não pode poupar-se: precisa tratar a si próprio como um outro o faria, e até com maior rigor.”.133 Tem-se aí um traçado e nele é preciso observar que as chamadas “heridas secretas” - as quais o escritor acredita que possam dar sinais de vida através de suas anotações -, podem funcionar como chaves de entendimento ao Diario. Um leitor minimamente informado sobre a vida de Rama facilmente poderá supor que é o exílio o principal responsável por todos os padecimentos relatados em seus dois cadernos.134 Entretanto, é muito difícil saber ao certo o peso do exílio nesse diário. Nesse caso, convém evitar a precipitação,