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Capítulo I. Enquadramento Teórico: Aprendizagem musical, música irlandesa e

1.3. Processos de aprendizagem musical – Abordagens gerais

1.3.2. Memorização musical

A memorização é um processo de assimilação e conservação de conhecimentos, sendo uma consequência do tempo, empenho e esforço que o indivíduo despende para a aprendizagem de qualquer conteúdo, pelo qual tenha interesse. De forma geral, compreende-se que a memória do ser humano tem a capacidade de “armazenar, reter e subsequentemente recuperar informação” (Araújo, Almeida, Fulanete, & Lara in Almeida, 2011). Para saber como se pode memorizar é essencial compreender a forma como as informações são retidas e a durabilidade das memórias.

Assim existem duas formas pelas quais as informações são retidas: as memórias explícitas ou declarativas. Estes tipos de memória armazenam os factos e a forma como são adquiridas está associada à consciência (Lombroso, 2004 in Sousa & Salgado, 2015). Por outro lado, as memórias implícitas ou não declarativas são adquiridas inconscientemente, como as funções do dia-a-dia, por exemplo, e as competências. Assim, dentro deste tipo de memória, implícitas ou declarativas, existe a memória de procedimentos que retém as competências motoras e sensoriais. Para o indivíduo mostrar que é capaz de realizar uma tarefa tem de executá-la. Por ser um processo inconsciente, torna-se difícil definir as fases, passo-a-passo dos processos de memorização (Izquierdo, 2011, in Sousa & Salgado, 2015).

“Quando se fala no armazenamento de informações, sabemos que tal retenção pode se prolongar por um longo período de tempo (memória de longo prazo) ou perdurar apenas durante a execução de determinada tarefa (memória de curto prazo)” (Bear e cols., 2002; Helene & Xavier,

2007 in Moreira-Aguiar,. et.al, 2008).

memórias estão divididas em memória de curto prazo ou memória de trabalho, que para alguns autores estão interligadas e por fim a memória de longo prazo.

A memória a curto prazo é considerada como sendo uma memória frágil, breve e imediata que retém os conteúdos processados no momento. A sua durabilidade é variável entre doze segundos e trinta segundos, porém qualquer distração poderá fazer com que se perca a informação (Zenhas, 2016). A memória a curto prazo é portanto responsável pelo processamento e permanência temporária da informação. Por ter dupla função, reter e processar a informação, Baddeley (1986) considera este tipo de memória como memória operatória. De forma geral, a memória operatória não é considerada como uma estrutura independente e tem como principal função apoiar a atividade cognitiva com competências como a linguagem, o raciocínio, a resolução de problemas e a tomada de decisões. Assim, é responsável pela direção e controlo do desempenho das tarefas. Para uma abordagem mais profunda devem ser consultadas as categorias de domínio específico (in Pinto, 2003).

Enquanto a memória a curto prazo apenas retém a informação de modo passivo durante um curto espaço de tempo, a memória de trabalho tem a função de gerir a informação de forma mais ativa durante o processo, armazenando, transformando ou descartando as informações conforme for necessário.

A memória de longa duração armazena a informação por esquemas e organiza-a, assim como permite diferenciar as informações relevantes e menos relevantes, descartando naturalmente as que são irrelevantes, sendo possível recuperar através dela informações de décadas. Do mesmo modo, as memórias retidas são fatores condicionadores no que respeita à perceção do mundo, afetando também as decisões. Assim, este tipo de memória caracteriza-se por arquivar e consolidar as informações e vivências, sendo que os limites desta ainda são desconhecidos. Este tipo de memória está sempre em contacto com a memória a curto prazo, sendo que é a memória de longo prazo que sustenta as informações transferidas para a memória de curto prazo (Dividino & Faigle, 2004). É ainda importante saber que a memória a longo prazo é subdividida noutras categorias, mas não serão desenvolvidas nesta dissertação.

Deste modo, conseguimos perceber que a memória tem formas diversas de adquirir informações e com diferentes durabilidades. Na visão musical, Aiello e Williamon (2002), em resultado de um estudo, consideram que a audição, a visualização e a cinestesia são considerados três pilares fundamentais da memorização. Para além disso, referem que o conhecimento e compreensão das estruturas das obras que o intérprete pretende memorizar são competências cruciais a desenvolver, devendo englobar os três pilares fundamentais

Os autores Wildt, Carvalho & Gerling (2004) também consideram que os processos de memorização são parte integrante da aprendizagem e desenvolvimento musical. Acreditam que a independência da partitura pode facilitar uma maior conexão com o instrumento, concentração no desempenho das tarefas e maior liberdade. Referente às performances, existem vários fatores que influenciem a opção de memorização dos conteúdos como, por exemplo, o aspeto estético, o facto de ser exigido em provas de acesso, ser recomendado pelo educador ou simplesmente por opção própria e por gosto. Os mesmos autores referem ainda que a intimidade entre o intérprete, o instrumento e a obra poderá ser reforçada pelo motivo de exigir mais tempo de estudo. Terminam referindo que o recurso à partitura para fazer música, muitas vezes, ocorre devido à falta de confiança na competência de memorização (in Garrochinho, 2016:20).

Contudo nem todos os intérpretes se identificam com a ideia da memorização. Pianistas conceituados como Bèla Bartók, Raoul Pugno e Dame Myra Hess utilizavam partitura durante as performances. Na perspetiva de Rink (2002) o recurso à memorização de obras durante as performances não proporciona liberdade absoluta (in Garrochinho, 2016:29).

Podemos então concluir que a execução musical de memória é uma atividade complexa, requer o estabelecimento de conexões, pelas competências visuais, intelectuais, emocionais e cinestésica.

Por outras palavras, memorização é o resultado de um processo de assimilação de conhecimentos, uma competência que só poderá ser desenvolvida com o empenho e dedicação que cada indivíduo dispensa para a treinar. Para tal é essencial que previamente à memorização de qualquer obra, exista uma prévia preparação da componente auditiva e técnica bem como da compreensão das estruturas e melodias das obras que se pretenderem memorizar.

a) Memorizar música – estratégias

Memorising music does not call for any extraordinary talent; it merely requires - like almost everything else - practice and common sense.(Kenyon,1968:2).

No que diz respeito ao estudo da música e à memorização da mesma, é essencial manter uma mente forte e um corpo saudável para atingir os melhores resultados possíveis e ter sucesso na vida.

A memorização musical pode ser desenvolvida por via oral e por assimilação auditiva. No caso de indivíduos que iniciaram a sua aprendizagem musical pela audição e

por via da leitura e repetição dos conteúdos. Considera-se assim que os sujeitos memorizam as matérias em vez de as perceber, resultantando em muitas ocasiões num processo mecânico, outros aspetos musicais como dinâmicas, acentuações, qualidade de som entre outros acabam por ser pouco desenvolvidos.

Assim sendo, será importante sistematizar e organizar uma prática consciente e refletida do trabalho individual introduzindo estratégias e técnicas de estudo diversificadas, dependendo do objetivo a alcançar tendo em vista obter melhores resultados, tanto a nível técnico e como interpretativo. Esta forma de planeamento designa-se metacognição (Hallam, 1997), e segundo a autora, consiste num conjunto de estratégias centradas no planeamento, acompanhamento e avaliação do aprendiz (in Barros, 2015). Nesta linha de pensamento, Williamon, 2004, considera que é importante que o aluno desenvolva e adquira variadas estratégias para introduzir ao longo do estudo, dependendo da finalidade e das dificuldades que necessitem de mais insistência e assim expandir o leque de possibilidades a utilizar para a resolução de problemas (in Barros, 2015).

“Tocar de memória é indispensável para a liberdade da prestação musical. Deves

suportar na tua mente e na memória, toda a peça, para cumprir todos os detalhes.” (Hofmann 1976:112)

As estratégias de estudo utilizadas durante a prática de uma obra, um excerto ou um tema musical, tendo em vista a memorização musical, podem partir da repartição da obra por partes e a prática das mesmas. O autor da área da psicologia, O’Brien (1943), verificou que a organização do estudo individual na prática de excertos curtos e longos era uma das estratégias específicas utilizadas durante o processo de memorização. Lhevine (1972) acrescenta que a memorização deve ser frásica e não por compassos, considerando a frase como a unidade musical (in Barros, 2015).

Deste modo considera-se que a memorização musical deve passar pelos processos de amadurecimento e ser concretizada na sua plenitude sem falhas. O autor Kenyon (1968) considera que é preferível consolidar na sua totalidade seis ou oito peças do que ter “um conhecimento imperfeito de quatro ou cinco dúzias. Se uma peça for completamente memorizada – quer emocionalmente quer racionalmente – o aluno encontrará dificuldades em esquecer” (:5). Aconselha ainda que deve pensar nas sensações físicas que a execução abrange durante o processo de memorização.

tempo são fatores que influenciam a evolução dos processos de aprendizagem, assim como o grau de competência da memorização. Considera-se o processo de repetição fundamental para a expansão desta competência e, por isso, é essencial praticar todos os dias organizada e equilibradamente, utilizando diferentes estratégias, dependendo da área e instrumento, e criar hábitos de trabalho, neste caso, para desenvolver a memorização musical, mas também a compreensão dos processos de memorização.