• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4. SEMIOSE E COMUNIDADE

4.2 Mente: externalidade e crescimento

conhecer “a história” do acontecimento e inserir-se nos jogos da comunidade requer, do sujeito, um processo mental que se alimente neste mesmo contexto e que não recaia, portanto, em referências privadas. A mente, para isto, deve ser entendida como processo aberto e comunicável. Este é o assunto da próxima seção.

4.2 Mente: externalidade e crescimento

O objetivo desta seção é apresentar uma caracterização da “mente” como processo externo conforme Peirce, observando que o “externo” não se contrapõe ao “interno”. É claro, a mente não deixa de ter um aspecto interno (pertencente a cada indivíduo), mas isso não elimina sua externalidade, concebida aqui como dimensão que permite entender onde se passam alguns de seus processos. Essa discussão nos permite aprofundar no aspecto do “crescimento” que é típico de qualquer processo de semiose – portanto, também da “modificação do acontecimento” –, assim como perceber as bases nas quais Peirce ergue sua discussão sobre “comunidade”.

Desta forma, entender a “mente” se torna importante para debater a “modificação

do acontecimento” naquilo que ela nos chama atenção: seu crescimento (como semiose) e sua independência dos indivíduos, ou melhor, o caráter coletivo e social que todo fenômeno real deve assumir.

Igualmente, esse movimento vai permitir, em seguida, discutir a “comunidade”, entendendo-a como elemento essencial de uma discussão sobre a realidade e a inquirição (afastada de “muros de irrealidade”, para citar os termos de Boorstin).

Nesse sentido, esta seção se baseia na análise de alguns comentadores sobre o tema

e principalmente na leitura de dois textos de Peirce, “Homem, um signo” [Man, a sign –

CP 5.310 a 5.318] e “Consciência e Linguagem” [Consciousness and Language – CP 7.579

a 8.187], onde a questão do crescimento é buscada em correlação com o funcionamento mesmo da consciência e do espírito (mente) humanos.

Expusemos, na seção anterior, que o sentido inteiro da linguagem – daquilo que

dizemos por meio de representações, para falar sobre o mundo, e conhecê-lo – é possível

em sua dimensão coletiva e social, pois é assim que os fatos se dão a conhecer. Este “soar

como pragmatismo” nos postulados de Wittgenstein – afinal, não é outra coisa que dizer

147

aproxima-o de Peirce, por exemplo, na discussão que este realiza em torno das “consequências em torno das quatro incapacidades” (1868).

Aqui, recuperamos a última: “4. Não temos concepção alguma do absolutamente

incognoscível (PEIRCE, 2008, p.261)”. Peirce vai sustentar este argumento ao lembrar que

já que o significado de uma palavra é a concepção que ela traz, o absolutamente incognoscível não tem significado porque nenhuma concepção se veicula a ele. Trata-se, então, de um termo sem sentido; e, consequentemente, o que quer que seja entendido como “real” é cognoscível em algum nível, e esta é a natureza de uma cognição, no sentido objetivo do termo (CP 5.310)92.

Nessa direção, Peirce aproveita para perguntar-se: “em que consiste a realidade da

mente?” (CP 5.313), e ensaia uma resposta: “sobre o princípio de que, portanto, o incognoscível não existe, de modo que a inteira manifestação de uma substância é a substância, devemos concluir que a mente é um signo desenvolvendo-se de acordo com as leis da inferência” (idem). Ou seja, a mente não tem um lugar, mas é o resultado do processo inferencial de conhecer.

Aqui, ecoam os postulados (já expostos em capítulos anteriores) de que todo pensamento se dá por meio de signos, obtidos – i.e. formulados e interpretados – em processos inferenciais. Nesse sentido, a mente não pode estar em outro lugar senão nesse trânsito entre pensamentos, ou em semiose. Isso permite que a mente cresça, se desenvolva e expanda seus próprios limites.

Nesse aspecto, Peirce compara o homem à palavra, sugerindo que ambos têm uma característica intrínseca a todo signo: o crescimento.

Poderíamos dizer que o homem tem consciência, enquanto a palavra não. Mas consciência é um termo bem vago. (...) A consciência pode significar o Eu

penso, ou unidade no pensamento; mas a unidade não é nada senão consistência93, ou o reconhecimento dela. A consistência pertence a todo signo,

na medida em que é signo; e portanto todo signo, naquilo que significa primariamente, significa sua própria consistência. O homem-signo adquire informação, e vem a significar mais do que anteriormente. As palavras também. “Eletricidade” não significa mais hoje do que nos dias de Franklin? O homem faz a palavra, e a palavra não significa nada mais do que o homem a faça significar, e isto apenas a alguns homens94. Mas já que o homem pode pensar

92 Since the meaning of a word is the conception it conveys, the absolutely incognizable has no meaning

because no conception attaches to it. It is, therefore, a meaningless word; and, consequently, whatever is meant by any term as "the real" is cognizable in some degree, and so is of the nature of a cognition, in the objective sense of that term.

93 Aqui, a palavra “consistência” [consistency] nos faz lembrar outro termo utilizado pelo autor para o

mesmo sentido: “conteúdo” [purport].

148

apenas por meio de palavras ou outros símbolos externos, elas podem virar-se e dizer: “Você não é nada mais do que aquilo que te ensinamos, e apenas na medida em que você se dirija a uma palavra como interpretante do seu pensamento”. De fato, portanto, homens e palavras reciprocamente educam-se uns aos outros; cada crescimento de informação em um homem envolve e é envolvida por um acréscimo correspondente de informação em uma palavra (CP 5.313)95.

Nessa identificação entre o homem e a palavra, que nada mais é do que uma consequência de seu pragmatismo e o reconhecimento de que a linguagem se desenvolve na vida, Peirce vai igualar homens e signos:

É suficiente dizer-se que não há nenhum elemento da consciência humana que não corresponda em algum aspecto à palavra; e a razão é óbvia. É que a palavra ou o signo que o homem usa é o próprio homem. Assim, o fato de que todo pensamento é signo, assim como o fato de que a vida é um trem de pensamento, prova que o homem é signo; então, se todo pensamento é um signo externo, isso prova que o homem é um signo externo. Isto é, o homem e o signo externo são idênticos, da mesma forma que as palavras homo e homem são idênticas. Logo, minha linguagem é a soma total de mim mesmo; porque o homem é o pensamento (CP 5.314).

Peirce reconhece e alerta para a estranheza dessa citação; ele admite a dificuldade em aceitar tais ideias, porque “o homem insiste em identificar-se com sua vontade, seu poder sobre o organismo animal e sua força bruta” (CP 5.315), ou, ainda, com “a consciência pura, a racionalidade e a interioridade” (FABRICCHESI, 2009, p.2). Ao

contrário, Peirce compreende o organismo “como instrumento para o pensamento”, e,

assim, “a identidade do homem está na consistência do que ele faz e pensa, e consistência é o caráter intelectual de uma coisa, isto é, seu ‘expressar algo’” (idem). Também, tal consistência é expressa em um sistema de signos e traduzida em hábitos e práticas, nunca totalmente individuais. “A identidade do homem vem portanto de um tipo de alteridade, a alteridade dos signos externos nos quais a personalidade é exposta e estendida. Uma complexidade de relações sígnicas que o homem é, não que ele tem” (ibidem).

Isso permite a Peirce refletir sobre o lugar da alma humana:

95 But this consciousness, being a mere sensation, is only a part of the material quality of the man-sign.

Again, consciousness is sometimes used to signify the I think, or unity in thought; but the unity is nothing but consistency, or the recognition of it. Consistency belongs to every sign, so far as it is a sign; and therefore every sign, since it signifies primarily that it is a sign, signifies its own consistency. The man-sign acquires information, and comes to mean more than he did before. But so do words. Does not electricity mean more now than it did in the days of Franklin? Man makes the word, and the word means nothing which the man has not made it mean, and that only to some man. But since man can think only by means of words or other external symbols, these might turn round and say: "You mean nothing which we have not taught you, and then only so far as you address some word as the interpretant of your thought." In fact, therefore, men and words reciprocally educate each other; each increase of a man's information involves and is involved by, a corresponding increase of a word's information.

149

Um homem denota tudo aquilo que seja objeto de sua atenção num dado momento; conota tudo o que sabe ou sente a respeito desse objeto, e é a

encarnação desta forma ou espécie inteligível; seu interpretante é a recordação futura desta cognição, seu ego futuro, ou outra pessoa a que ele se dirija, ou uma sentença que escreva, ou um filho que tenha. Em que consiste a identidade do homem e onde é o sítio de sua alma? Parece-me que estas perguntas normalmente recebem respostas muito estreitas. Por que costumávamos ler que a alma reside num pequeno órgão do cérebro que não é maior do que a cabeça de um alfinete? (PEIRCE, 2008, p.309).

Para ele, se a ideia de semiose tem uma significação tão ampla (“seu interpretante é ... uma sentença que escreva, ou um filho que tenha”, etc), não haveria sentido em encerrar a mente ou a alma humanas em uma acepção tão estreita, identificando-as a um lugar tão definitivo. Essa é uma inquietação manifestada em outras citações, como:

Vê-se que a sensação não é senão o aspecto interior das coisas, enquanto a mente pelo contrário é um fenômeno essencialmente externo. O erro [de considerar a mente como algo interno] é muito parecido com aquele que prevaleceu durante muito tempo de que a corrente elétrica se movia através do cabo metálico; enquanto agora se sabe que este é justamente o único lugar do qual ela está apartada, sendo completamente externa ao cabo. De novo, os psicólogos tentam localizar vários poderes mentais no cérebro, e sobretudo consideram como bastante certo que a faculdade da linguagem reside em um certo lóbulo; mas eu creio que decididamente se aproxima mais da verdade (ainda que não seja realmente verdadeiro) que a linguagem reside na língua [tongue]. Na minha opinião é bem mais verdadeiro que os pensamentos de um escritor vivo estão em qualquer cópia impressa de seu livro do que estão em seu cérebro (CP 7.63496).

É importante relacionar esta passagem com os fundamentos do sinequismo, doutrina do contínuo, sem o qual a semiose não poderia tomar um significado tão amplo, porque, neste caso, a alma e a mente são pensadas na processualidade da ação do signo. Por isso, seria muito simples pensar que Peirce está valorizando os meios físicos ou tecnológicos nos quais o pensamento se deposita; na verdade, o que está fazendo é chamar atenção, no contexto desse sinequismo, para o fato de que a mente de um indivíduo não está só no crânio, como também nos textos que escreve e lê, nas pessoas com quem interage, nas atividades que desempenha etc. Este é um dos aspectos que faz o “signo” (meio, mediação) na semiótica não ser apenas o rádio, a televisão ou o livro, como também outras formas (a mente inclusive) usadas pela inteligência para significar e conhecer.

96 “It is seen that feeling is nothing but the inward aspect of things, while mind on the contrary is essentially

an external phenomenon. The error is very much like that which was so long prevalent that an electrical current moved through the metallic wire; while it is now known that that is just the only place from which it is cut off, being wholly external to the wire. Again, the psychologists undertake to locate various mental powers in the brain; and above all consider it as quite certain that the faculty of language resides in a certain lobe; but I believe it comes decidedly nearer the truth (though not really true) that language resides in the tongue. In my opinion it is much more true that the thoughts of a living writer are in any printed copy of his book than that they are in his brain”.

150 Desta forma, Peirce continua:

A maioria dos antropólogos diz, agora, de um modo mais racional, que a alma ou está espalhada por todo o corpo ou está toda em tudo e toda em toda parte. Estaremos encerrados numa caixa de carne e sangue? Quando comunico meu pensamento e meus sentimentos a um amigo que me inspira muita simpatia, de modo que meus sentimentos passem para ele e que eu tenha consciência daquilo que ele está sentindo, será que não estou vivendo tanto em seu cérebro quanto no meu – quase que literalmente? É verdade que minha vida animal não está ali, porém minha alma, meu sentimento, pensamento, atenção, estão. Se assim não for, um homem não será uma palavra, é verdade, mas, sim, algo bem mais pobre. Há uma noção bárbara e miseravelmente material segundo a qual um homem não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo; como se ele fosse uma coisa! Uma palavra pode estar em vários lugares ao mesmo tempo, porque sua essência é espiritual; e creio que o homem não é em nada inferior à palavra, sob este aspecto. Todo homem tem uma identidade que transcende em muito o mero animal – uma essência, um significado, por mais sutil que possa ser. Ele não pode conhecer sua própria significação essencial; de seu olho é o olhar. Mas o fato de que ele verdadeiramente tem esta identidade projetada – tal como uma palavra – é a verdadeira e exata expressão do fato da simpatia, sentimento da camaradagem – junto com todos os interesses não egoístas – e tudo aquilo que nos faz sentir que ele tem um valor absoluto (PEIRCE, 2008, pp.309-310).

E, ainda:

A essência de que falo não é toda a alma do homem: é apenas seu âmago, que carrega consigo toda a informação que constitui o desenvolvimento do homem, seus sentimentos totais, intenções, pensamentos. Quando meus pensamentos entram em outro homem, não levo consigo necessariamente todo meu ser, mas o que levo de fato é a semente da parte que não estou levando – e se carrego a semente de toda minha essência, carrego a de todo meu ser concreto e potencial. Posso escrever sobre papel e, deste modo, imprimir nele uma parte de meu ser; essa parte de meu ser pode envolver apenas aquilo que tenho em comum com todos os homens e, neste caso, eu deveria ter levado comigo a alma da raça, mas não minha alma individual para a palavra ali escrita. Assim, a alma de todo homem é uma determinação especial da alma genérica da família, da classe, da nação, da raça a que ele pertence... (PEIRCE, 2008, p.310).

Observe-se que esses apontamentos sobre a “essência” diferem radicalmente do que

supõe o cartesianismo, e, por isso, vão na mesma direção do que dizia (criticava) Wittgenstein em sua segunda fase. Aqui, a “essência” se entende não como referência segura e recôndita para todo o conhecimento, garantindo uma misteriosa certeza para tudo aquilo que se sente e percebe, mas, pelo contrário, é a essência que se transmite e se comunica na medida em que o homem se constitui de uma radical abertura alimentada pela corrente inferencial [train of thought].

Se um signo, diz Peirce, é qualquer coisa que esteja no lugar de algo para alguém, trata-se essencialmente de uma relação viva numa cadeia interminável de referências. Se essa série é interrompida, o signo perde seu caráter de significação. Então, se admitimos que o homem é um signo, nós temos que aceitar que o homem é um signo em contínuo desenvolvimento, nunca totalmente atingido. A cada passo, nós recalculamos nossa origem, nosso significado, nosso destino. Como todo signo, o homem-signo vive nas translações e referências a que dá origem, e seu sentido reside numa área incerta de trânsito. Devemos consentir ao desafio de pensar o homem como uma

151

entidade vaga e potencial, constantemente dirigindo-se a outros signos como seus Interpretantes (FABBRICHESI, 2009, p.3)97.

O desafio de “pensar o homem como uma entidade vaga e potencial” deflagra sua gritante incompletude, respaldada na atitude sinequística de reconhecer que nada está acabado para sempre. O sinequismo faz-nos assim entender que estamos sempre nos endereçando a outros signos porque, já que estamos em semiose contínua, não haveria outra forma de expressar nossa personalidade. Esta, também em semiose e também

incompleta, necessita apontar para ações e sentidos futuros: “a referência ao futuro é um

elemento essencial da personalidade. Se os fins de uma pessoa já estivessem expostos, não haveria espaço para o desenvolvimento, para o crescimento, para a vida, e consequentemente não haveria personalidade. O mero ato de carregar propósitos predeterminados é mecânico” (CP 6.157).

Dita incompletude coloca o ser humano diante da necessidade vital de transitar em outros pensamentos, de intercambiar signos, de dialogar com outras mentes para entender e ser entendido (ou então seria condenado a jamais desenvolver-se). Neste processo, sugere o lógico americano, estará a imortalidade da alma, mas de uma espécie bem diferente

daquela que é costumeiramente almejada – não uma imortalidade da glória do corpo eterno

e dos sentidos eternos, mas a de simplesmente poder completar-se eternamente nos pensamentos de mentes futuras, vivificadas pela ação da verdade:

A verdade, diz-se, nunca deixa de ter uma testemunha; (...) de modo que o símbolo verdadeiro possui um interpretante na medida em que for verdadeiro. E como é idêntico a seu interpretante, sempre existe. Assim, o símbolo necessário e verdadeiro é imortal. E o homem também o deve ser, contanto que seja vivificado pela verdade. Esta é, realmente, uma imortalidade bem diferente daquela que muitos almejam, embora não entre em conflito com esta. Eu não sei se o paraíso maometano não é verdadeiro, apenas não possuo evidências de que o seja. A existência animal é, sem dúvida, um prazer, embora alguns digam que estão cansados dela; mas creio que a maioria das pessoas cultas confessa que essa existência não é imortal; caso contrário, considerariam imortais os rudes. A existência espiritual, tal como a que um homem tem em si, a que ele carrega consigo em suas opiniões e sentimentos, como a simpatia e o amor: é isto que serve como evidência do valor absoluto do homem – e é esta a existência que a lógica descobre ser, sem dúvida, imortal. Não é uma existência impessoal, (...) mas uma existência mudada; uma existência na qual não se desejam mais as

97 If a sign, as Peirce states, is anything which stands to somebody for something, it is essentially a relation

that lives in an endless chain of reference. If this series is broken off, he writes, the sign falls short of its significant character. So, if we admit that man is a sign, we ought to accept that man is a continually developing sign, never fully-acquired. At every step, we recalculate – so to say – our origin, our significance, and our destination. Like any sign, the man-sign lives in the translations and the references it gives rise to, and its meaning resides in an uncertain area of transit. We must consent to thinking of man as a vague and potential entity, constantly addressing to other signs as its Interpretants.

152

glórias da audição e da visão, pois os sons e as cores exigem um olho animal (...) (PEIRCE, 2008, pp. 310-311).

A ideia sobre a imortalidade é reforçada quando Peirce sugere que

o sinequismo reconhece que a consciência carnal não é mais que uma parte do homem. Existe, em segundo lugar, a consciência social, pela qual o espírito de um homem está corporificado nos outros, e que continua a viver e a respirar por muito mais tempo do que suporiam observações superficiais (CP 7.575)98.

Isto está ancorado na crítica que Peirce dirige a Parmênides e a sua ideia de que “aquilo que é, é; o que não é, não é”. Se fosse assim, aquilo que “deixa de ser” cessaria de existir por completo, preenchendo a existência com rupturas e não continuidades. O lógico irá de encontro a esta ideia ao relatar:

Um amigo meu, por consequência de uma febre, perdeu totalmente seu sentido da audição. Ele era muito fã de música antes desta calamidade; e, estranhamente, mesmo depois disso lhe apetecia ficar perto de um piano quando um bom músico tocava. Então eu lhe disse, “você pode ouvir um pouco, afinal”. “De modo algum”, ele me disse, “mas posso sentir a música pelo meu corpo. “Uau”, exclamei, “como é possível um novo sentido desenvolver-se em meses?!”. “Não é um sentido novo”, ele disse. “Agora que minha audição se foi, eu reconheço que sempre possuí este modo de consciência, que eu anteriormente, como outras pessoas, confundia com audição”. Do mesmo modo, quando a consciência carnal se vai com a morte, deveremos perceber que o que tínhamos a todo momento era a consciência espiritual que estávamos confundindo com outra coisa (CP 7.577)99.

Em um primeiro momento, todas essas ideias podem parecer muito distantes