• Nenhum resultado encontrado

Realidade existência e realidade “com sentido”

CAPÍTULO 2. MODIFICAÇÃO DO ACONTECIMENTO COMO SEMIOSE

2.3 Realidade e representação no realismo de Peirce

2.3.2 Realidade existência e realidade “com sentido”

Na seção anterior, vimos que o objeto apresenta-se em duas faces: objeto dinâmico e objeto imediato. Isso significa que a realidade está sendo considerada sob dois aspectos: uma realidade bruta, física, externa à representação, que se força sobre nós, que insiste; e uma realidade com sentido, que transparece em nossos discursos e linguagem, uma realidade na cultura, em semiose, isto é, uma realidade no pensamento. Essa distinção, apesar de não ser opositiva porque estamos falando de uma mesma realidade, é importante porque permite uma contraposição às ideias dos autores apresentados no primeiro capítulo, em que a comunicação de massa é concebida em um cenário dicotômico em que ou algo é fiel à verdade – portanto real – ou, se é apresentado sob recortes da tecnologia na comunicação humana, recai em um “muro de irrealidades”.

Para Peirce, a distinção entre o que é real e o que não é, como vamos vendo, não é dicotômica, e requer que continuemos na análise da “realidade” para ser entendida. Podemos recorrer, para isso, às categorias de “secundidade” e “terceiridade” no seu sistema faneroscópico (fenomenológico). Antes de irmos a isso, é necessário entender o

que se chama de faneroscopia: é a “descrição do phaneron, e por phaneron eu me refiro ao

total coletivo de tudo o que está de um modo ou outro presente à mente, não importa se corresponde a algo real ou não” (CP 1.284). Mais:

O que eu denomino como faneroscopia é aquele estudo que, baseado na observação direta dos phanerons e generalizando suas observações, assinala várias classes muito amplas de phanerons; descreve as características de cada; mostra que embora estejam tão inextricavelmente misturados que nenhum possa ser isolado, ainda demonstra que suas características são bem diferentes; depois prova que uma lista bem pequena compreende todas essas categorias mais amplas de phanerons que existem; e finalmente procede à laboriosa e difícil tarefa de enumerar as principais subdivisões dessas categorias (CP 1.296).

73

Essas categorias são as de primeiridade, secundidade e terceiridade, que vamos explorar um pouco aqui antes de prosseguir no entendimento da realidade no sistema de Peirce. Vemos, nas citações acima, que a faneroscopia não se preocupa em distinguir os fenômenos entre reais ou não: ela está interessada em estudá-los conforme aparecem. Na teoria de Peirce, o que vai analisar a organização do mundo ontologicamente considerado para que ele produza essas aparências é a Metafísica e a Lógica (IBRI, 1992). No entanto, esses estudos levam em conta as aparências, e portanto abarcam a faneroscopia.

O estudo dos phanerons requer as faculdades de “ver, atentar para e generalizar” a

partir do que aparece na experiência (IBRI, 1992, p.6). É assim que no fenômeno aparecem e são notadas as características que são subsumidas pelas três categorias. Na de primeiridade, comporta-se tudo aquilo que a aparência genuinamente é, a despeito de relações com qualquer outra coisa. Vemos, assim, que o fenômeno aparece sobretudo na qualidade de ser algo independentemente de outros fatores. Essa liberdade de ser tal qual é constitui a primeiridade do fenômeno.

No entanto, quando percebemos que o fenômeno já se impõe a nós tal como ele é,

estamos no domínio das características envolvidas pela secundidade. São as características da força bruta, da resistência ou reação à consciência, de aparecer como outro, de estar envolto nos elementos que fazem essa aparência ser alter para um ego (IBRI, 1992, p.7).

Por fim, a faneroscopia percebe que as aparências têm um aspecto regular, isto é, além do caráter de alteridade, elas permanecem no tempo ou se repetem, de forma geral, apresentando-se em outras formas similares. Sem essa possibilidade de permanecer no tempo, as aparências e os fenômenos estariam em um mundo destituído de regularidade e direção, um mundo repleto de momentos desconexos e, por isso, dispersos e sem sentido. Parece então “que a experiência estrutura um vetor direcionado à terceiridade, na sua força

compulsiva de fazer pensar que” (IBRI, 1992, p.15). Ou seja, o aspecto regular e geral das

aparências comporta uma possibilidade para o pensamento e, portanto, para a

representação, porque representar ou pensar é generalizar, abstrair. “Representação geral,

mediação, pensamento, síntese e cognição estão, assim, sob o mesmo modo de ser fenomênico. Parecer ser lícito inferir que o curso temporal da experiência como resultado cognitivo do viver traduz-se na aquisição de terceiridade” (idem).

Considerando que as características englobadas por essas categorias aparecem todas juntas, de modo que nunca estão absolutamente separadas, pode-se dizer que os fenômenos

74

comportam-se, a uma só vez, tais como são em sua singularidade, resistentes e opostos à consciência em sua alteridade, mas ao mesmo tempo participantes da consciência em sua regularidade e generalidade.

O phaneron não é alguma coisa que se revela ele mesmo, mas algo que está sempre já plenamente exibido e aparente; nada é invisível, nada está escondido no seio do phaneron: nenhum recanto está obscuro nele. Um elemento chave do

phaneron é a consciência (awareness) que se liga a ele. Importa perceber que no seio do phaneron a consciência não está desassociada do que aparece. (...) O

phaneron é o preenchimento contínuo da consciência pela evidência irresistível da aparência; ele é o berço no qual mundos exteriores e interiores se fundem. Estar consciente de um phaneron, diz Peirce, (...) é estar cara a cara com a aparência, ou ainda, participar da aparição do aparente. O traço importante é aquele da imediatez que caracteriza a consciência fanerônica: aparência e mente são um (DE TIENNE, 1999, p.23)40.

Na medida em que aparência e mente são um na manifestação do fenômeno em um mundo que ontologicamente o permite, isto é, em um mundo que permite aparências que convidam ao pensamento, conforme se vê na hipótese metafísica e cosmológica de Peirce (IBRI, 1992), notamos que a própria realidade tem características, fenomênicas e ontológicas, que podem ser enquadradas na lista das três categorias. É importante passar por isso para entender de que modo essa realidade é entendida no realismo de Peirce em uma relação entre objeto dinâmico e imediato, o que nos fará prosseguir na compreensão da modificação dos acontecimentos.

A realidade como primeiridade, ontologicamente, é aquilo que é sem relação a nada mais (daí a dificuldade de discorrer mais sobre isso). Fenomenicamente, apresenta-se na forma de qualidades de sentimentos, em impressões livres e vagas, etc. Em termos de secundidade, é existência física e pontual (ontologicamente), e também força ou resistência em toda sua alteridade em relação com a opinião egoística (fenomenicamente). Em terceiridade, a realidade ontologicamente é regularidade e generalidade, e fenomenicamente apresenta características gerais que podem ser captadas pela mente num sentido de aprendizagem.

40 Le phanéron n’est pas quelque chose qui se dévoile lui-même, masi quelque chose qui est toujours déjà

pleinement exhibé et apparent ; rien n’est invisible, rien n’est caché au sein du phanéron : aucun recoin n’y est obscur. Un élément-clef du phanéron est la conscience (awareness) qui s’y attache. Il importe de réaliser qu’au sein du phanéron la conscience n’y est pas dissociable de ce qui apparaît. Le phanéron est le remplissement continu de la conscience par l’évidence irrésistible de l’apparence ; il est le creuset dans lequel les mondes éxterieur et intérieur sont fusionnés. Être conscient d’un phanéron, dit Peirce, (...) c’est être mis face à face devant l’apparence, ou encore, participer à l’apparition de l’apparent. Le trait important est ainsi celui de l’immediateté qui caractérise la conscience phanéronique : apparence et esprit ne font qu’un.

75

No entanto, em que medida esses aspectos da realidade permitem entendê-la no realismo de Peirce e, também, sua relação com modificação de acontecimentos? A resposta a isso pode ser encontrada se entendemos o papel que a realidade como existência pontual das coisas (secundidade) entretém com a realidade geral (terceiridade), naquilo que Liszka (1998) chama de “realismo discursivo”:

A afirmação inconsistente de que a realidade é independente da representação mas dependente dela se torna coerente se nós entendemos que uma modalidade da realidade – secundidade – é a única modalidade independente da representação. Entender a característica e o papel da secundidade no sistema peirceano é vital, então, para entender sua coerência, e sua singular posição. (...) Secundidade – “the outward clash” – é aquilo que nos faz perceber que há algo externo a nossos sistemas de representação, e nos dá acesso a esse modo de ser – atualidade. Uma metafísica que ignore a secundidade é inútil; se uma filosofia, em princípio, não leva em conta a realidade na insistência de uma doença, ou na impenetrabilidade de uma parede de tijolos, ou na gravidade de uma montanha, então ela nada pode nos dizer de verdadeiro sobre o mundo. Ao mesmo tempo, o objetivo da inquirição não é simplesmente reconhecer a cega bruteza da vida, mas viver nela, e não no modo como uma bola de pinball vive confinada em sua

máquina, mas no modo que alcança compreensão e controle em nossas vidas. É na generalidade que essas coisas são possíveis, e é essa modalidade da realidade que emerge nos sistemas de representação verdadeiros. Consequentemente, nós somos motivados a investigar, a adotar práticas discursivas precisamente por essa razão (LISZKA, 1998, p.241).

O objetivo do pensamento é, portanto, buscar ou operar mediações no ambiente para amortecer o impacto bruto ou o choque repentino com as coisas, tornando possível fazer previsões e ampliar a consciência acerca do funcionamento da natureza, e com isso deixar a vida mais “vivível”, por assim dizer – e isso se faz por meio de dinâmicas contínuas de conhecimento, não simplesmente para averiguar o que está no mundo, mas também para sugerir modos de ação e comportamento a partir do que é averiguado. Então, o comportamento estará de acordo com a realidade se o sistema de representações que o motivou estiver ele também de acordo, isto é, se for verdadeiro. Disto, sugere-se que o

41 “The inconsistent claims that reality is independent of representation but dependent upon it is made

coherent, if we understand that one modality of reality, secondness is the only modality independent of representation. Understanding the character and role of secondness in Peirce's system is vital, then, to understanding its coherence, and its unique position (…). Secondness –the "Outward Clash"--is that which makes us realize that there is something external to our representational systems, and gives us access to that mode of being–actuality. A metaphysics which ignores secondness is useless; if a philosophy, in principle, cannot entertain the reality in the insistence of disease, or the imperviousness of a brick wall, or the gravity of the mountain, then it cannot tell us anything truthful about the world. At the same time, the goal of inquiry is not simply to acknowledge the dumb brutishness of life, but to live in it, and not in the way in which a pin ball might live in the confines of its machine, but in the way that achieves comprehension and control in our lives. It is in generality that such things are possible, and it is this modality of reality that emerges in true representational systems. Consequently, we are motivated to investigate, to engage in discursive practices precisely for this reason”. O grifo é nosso.

76

sistema realista de Peirce não se preocupa apenas em verificações, ou em simples correspondência ponto por ponto da representação com o objeto real, uma vez que procura extrapolar essa relação:

Há três modalidades de ser: possibilidade, atualidade e generalidade (CP 1.23), e é só na representação que a terceira pode ser realizada, e é o lugar em que todas as três aparecem juntas. Deve ser lembrado que para Peirce “a realidade que não tem representação é uma que não tem relação ou qualidade” (CP 5.312). É apenas pela representação que uma qualidade pode ser transmitida, e a generalização estabelecida. Portanto, o sistema de representação no fim da inquirição serve para completar o real, e não simplesmente para corresponder a ele. O real se torna plenamente real nas e através de suas representações verdadeiras, e representações verdadeiras são encontradas no fim da inquirição (idem42).

Portanto, Peirce vincula “a pura existência das coisas reais (com independência de sua relação com o entendimento) com a experiência da ‘resistência à vontade’ (‘outward clash’) (...) – Secundidade – ao passo que a realidade, enquanto realidade ‘com sentido’ (representada em símbolos) fica referida ao conhecimento possível (Terceiridade)” (APEL, 1997, p.5143). Como se vê, a categoria da terceiridade permite falar em um “sentido possível” da realidade, o que significa, em suma, falar nas maneiras possíveis pelas quais a

realidade possa ser representada – ter sentido. “E isso só se pode buscar na relação com o

entendimento, isto é, na ‘cognoscibilidade’” (idem).

Nessa caracterização da realidade como algo que se completa na representação e na vivência, tiramos um importante entendimento sobre o que deve ser a aprendizagem, e, no nosso caso, aprender sobre o mundo. “Aprender é relacionar em uma regra fenômenos individuais ocorridos no passado, criando assim predições para o curso da experiência

futura. O conhecimento é, dessa forma, um potencial, um vir a ser” (CUNHA, 2010, p.33).

42“For Peirce, making coherence out of ostensibly contradictory claims – that reality is independent of

representation, yet dependent upon it, rests on his claim that there are three modalities of being : possibility, actuality and generality (CP 1.23), and that it is only in representation that the third can be realized, and the place where all three are unified. It must be kept in mind that for Peirce, "a reality which has no representation is one which has no relation and no quality" (CP 5.312). It is only through representation that a quality can be conveyed, and a generalization established. Thus, the representational system at the end of inquiry serves to complete the real, not simply to correspond to it. The real becomes fully real in an through its true representations, and true representations are found at the end of inquiry”.

43 Peirce iluminará la obscuridad de esta afirmación al vincular la pura existencia de las cosas reales (con

independência de su relación com el entendimiento) com la experiencia de la ‘resistencia a la vonluntad’ en el ‘outward clash’, así como con la función ‘indicativa’ del lenguaje – como por ejemplo en la expresión ‘eso de ahí’, que no puede utilizarse como ‘símbolo’ independientemente de uma situación concreta – (‘Segundidad’), mientras que la realidad, en tanto que realidad ‘com sentido’ (representada em símbolos), queda referida al conocimiento posible (‘Terceiridad’)”.

77

O fato de que a mente é capaz de observar e generalizar o modo de ser das coisas sustenta a aprendizagem e possibilita que moldemos nosso comportamento de acordo com a natureza das coisas que estão sendo observadas. A realidade, portanto, traduz-se em comportamentos pela mediação da representação, e é assim que podemos falar em um “completar o real”, isto é, preencher a existência com o sentido pleno da vida:

Esta é uma enviesada e despretensiosa apresentação do Realismo de Peirce. Não um roto Realismo que admite, tão-somente, a existência das coisas externas à nossa interioridade, mas, sim, aquele que reconhece a realidade de um tecido de generalidade, similar àquele que dá forma ao nosso pensamento. Uma contínua estrutura de ordem constituindo-se, evolutivamente, desde um primevo caos. É esta ordem, e apenas ela, que permite que façamos previsões sobre a conduta futura do mundo. Errôneas, falíveis, mas evolucionariamente passíveis de crescimento. Interpretantes sem pretensão de certeza absoluta, esta sonolenta busca de tantas filosofias. Constituindo um terceiro modo de ser do Universo, tal ordem é que torna cósmico o que, de imediato, como segundo, apenas se opõe, conferindo interioridade inteligível àquele primeiro belo e virtualmente cruel aparecer (IBRI, 1997, p.3).

Outro ponto que devemos observar no realismo de Peirce refere-se ainda – e é conseqüência – do estatuto da representação como inevitavelmente ligada e contínua à realidade. Trata-se da impossibilidade de aceder à realidade por outro meio que não a própria representação, o que se traduz na inexistência de algo impossível de ser representado: o que é real é representável (IBRI, 1992, p.123). Essa é uma das características do “paciente objeto da semiótica”, como diz Ibri (1997, p.3), e que já mencionamos anteriormente: “de sua interioridade, este Objeto se faz exterior, tornando sua cognoscibilidade a sua própria essência de ser; ocultar-se como coisa em si mesma seria vedar-se à existência e eximir-se de evoluir”.

Isso não significa, contudo, que não haja uma realidade exterior ao que já se conhece, como expusemos aqui anteriormente. Para o lógico americano,

O realista é simplesmente alguém que não reconhece outra realidade “mais recôndita” que aquela que se representa em uma representação verdadeira. Assim, portanto, dado que a palavra “homem” é verdadeira em relação a algo, aquilo que “homem” significa é real. O nominalista deve reconhecer que “homem” pode aplicar-se realmente a algo, mas crê, no entanto, que por trás desse algo se esconde sempre uma coisa-em-si, uma realidade incognoscível44

(CP 5.31245).

44 Por “coisa-em-si” ou “realidade incognoscível”, Peirce refere-se a alguma coisa sem relação com o

pensamento.

45 But, in fact, a realist is simply one who knows no more recondite reality than that which is represented in a

true representation. Since, therefore, the word "man" is true of something, that which "man" means is real. The nominalist must admit that man is truly applicable to something; but he believes that there is beneath this a thing in itself, an incognizable reality.

78 E também:

O pensamento não é outra coisa que uma teia de signos. Os objetos nos quais o pensamento se ocupa são signos. Tentar tirar os signos e chegar à profundidade do próprio significado é como tentar pelar uma cebola e atingir assim o fundo da própria cebola... (PEIRCE apud ANDACHT, 2004, p.145).

“Realidade exterior” é, então, o que existe independentemente das constatações, mas só podemos ter essa consciência à medida que essa realidade é expressa em comportamentos e pensamentos (“realidade com sentido”). O real compreende, a uma só vez, aquilo que não depende de nós e aquilo de que nossa vida depende. Ainda, aquilo a que a representação se refere não é necessariamente a realidade inteira, mas o estado atual e a maneira pelos quais determinado objeto é conhecido, o que abre caminho para conhecimentos futuros, novos e aperfeiçoados. Se a realidade não pode ser pensada separadamente do pensamento que a conhece, então devemos atentar que além de conhecermos algo, conhecemo-lo de uma certa forma.

Na forma como vamos pensando a modificação do acontecimento no regime da atualidade mediática, vemos que esta é a ambiência legítima pela qual a sociedade de massa conhece o seu mundo. Esses acontecimentos, ou “eventos monstros” para usar a terminologia de Nora, são o resultado de processos de cognição e experimentação de uma sociedade em um regime que incorpora uma certa tecnologia de comunicação. Como semiose, são a maneira inescapável de que dispomos para reconhecer o mundo e adaptar

nossa conduta de acordo. Nada do que o “evento monstro” apresenta esconde um fato-em-

si: por trás do “evento monstro” não há um “evento normal”. Desta forma, não há como assumir a existência de um “narcótico” para as massas, por baixo do qual se esconda a “realidade insípida”. Esta realidade aparece nas próprias “camadas” que a “modificação” fabrica, e, se alguma ficção for aí colocada, terá de ser descoberta nesse mesmo tecido da “modificação”.

E na medida em que esses acontecimentos vão “alterando o estado do grupo que os

recebe” (HAACKE, 1969), “modificando-se” sempre mais no eixo da representação e da vida, da recepção potencialmente infinita e das constantes generalizações, porque estão no mundo para serem conhecidos (e esta é a condição de sua existência), mais eles vão

compondo o tecido do “vivido das massas” (NORA, 1972) – um “vivido” que não é dado,

nem determinado, mas é “uma interpretação vivenciada da experiência” (IBRI, 1992, p.9) –, e mais vão tecendo a realidade “com sentido” que preenche e se refere à existência.

79

Vemos que há uma relação entre a realidade, o “vivido das massas”, a modificação

“do estado do grupo” que recebe os fatos e, portanto, a modificação do próprio acontecimento. Essa relação pode ser mais bem compreendida ou aprofundada, se estudarmos o conceito de “hábito” em Peirce, que tem a uma só vez uma ligação com a semiótica e com as categorias analisadas brevemente aqui – e, portanto, com aquilo que vamos entendendo por semiose e realidade.