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4.3 A dívida ecológica

4.3.2 Mercantilizar a natureza?

Entre as propostas dos defensores da dívida ecológica, uma se destaca: a da troca da dívida externa pela dívida ecológica. De acordo com os cálculos feitos pelos defensores desta corrente, são os países ricos os devedores, e os pobres os credores. Isto se deve ao fato de nunca haver existido nenhum tipo de pagamento pelos passivos ambientais30, pela contaminação, nem tão pouco pelos danos sociais causados.

Para expressar em dinheiro estes custos ambientais foi criada a Economia Ecológica, área do conhecimento que tenta traduzir em valores monetários as perdas ambientais ao longo dos séculos de ocupação e dominação estrangeira. De acordo com Alier (2007, pg. 105-110), os componentes da dívida ecológica que podem ser expressos em dinheiro são:

1. Aqueles relativos ao comércio ecologicamente desigual:

a. Os custos de produção, sustentação ou manejo sustentável dos recursos naturais renováveis exportados (que não foram pagos). Como exemplo, tem-se a reposição dos nutrientes incorporados nas exportações agrícolas;

b. Os custos atualizados da não disponibilidade, no futuro, dos recursos não renováveis destruídos. Por exemplo, o petróleo já escasso, ou a biodiversidade destruída;

c. Os custos de reparação (não pagos) pelos danos locais produzidos pelas exportações (como exemplo tem-se o dióxido de enxofre proveniente da fundição do cobre, os resíduos das minas, os problemas de saúde pela exportação de flores, a contaminação das águas causada

30 Os passivos ambientais são referentes ao rol de danos e impactos ambientais gerados – pela natureza da atividade ou acidentalmente, ou ainda herdados por determinada atividade, cuja identificação e tratamento se consolidam como responsabilidade social, ou seja, obrigação oficial ou de seu próprio interesse e decisão da empresa/ empreendedor/ proprietário equacionar em prol da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável. (ALIER, 2007).

pelo uso do mercúrio para a exportação de ouro), ou quando não há reparação possível, o custo atualizado dos danos (ou o que se conhece pelo nome de passivos ambientais). Como exemplo, pode-se citar os danos causados pela soja transgênica para exportação.

2. Aqueles que ocorrem por falta de pagamento dos serviços ambientais a. Os custos de reparação (nunca pagos) referente às conseqüências da

importação de resíduos tóxicos sólidos e/ou líquidos;

b. O custo correspondente aos resíduos gasosos absorvidos gratuitamente até o momento, ou depositados na atmosfera (principalmente CO2),

supondo a existência de uma estrutura de direitos iguais a todos os despejos de carbono31;

c. O custo (não quitado até agora) da informação e conhecimento sobre os recursos genéticos usurpados gratuitamente, sempre que tenha sido desenvolvido um aproveitamento comercial desta informação ou conhecimento.

A simples transformação de problemas ambientais em valores monetários suscita o questionamento sobre a possibilidade de se estar propondo a mercantilização da natureza, diminuindo assim cada vez mais a sua importância junto aos países desenvolvidos, que poderiam pagar pelos problemas ambientais sem restrições. Mas não é esta a proposta.

Em realidade não se pode valorar a contaminação de um rio, ou o deterioro completo de uma floresta, ou mesmo o extermínio completos de povoados. Todos estes elementos não são passíveis de valoração, já que compreendem universos completamente distintos da vida, aliando aspectos materiais a fatores subjetivos como cultura, necessidade ou contemplação. Um pequeno rio pode abrigar centenas de milhares de seres vivos que ali convivem em equilíbrio. Este mesmo rio pode ser o principal recurso para a manutenção de vários povoados ribeirinhos que dali coletam água para cozinhar e beber, ou mesmo o utilizar como fonte de subsistência, com a pesca. Por fim, a contaminação do rio pode acarretar morte e doenças para comunidades inteiras.

Neste ínterim, simplesmente tentar avaliar tais problemas em valores, pagando posteriormente por eles, não seria suficiente para anular todo o conjunto de conseqüências

31 Isto pode ser calculado segundo os custos das reduções necessárias não realizadas, ou alternativamente, pelo cálculo do montante atualizado dos danos que serão produzidos. Caso a redução anual necessária seja estimada em 3000 milhões de toneladas de carbono (para não seguir aumentando a concentração de CO2 na atmosfera), e se todo o custo médio da redução é estimada em cerca de U$ 20,00, então obtém-se uma cifra aproximada em torno de U$ 60 milhões (quase a décima parte da dívida externa da América Latina), valor este que deveria ser retroativo para os países cujas indústrias e empresas produzem gás carbônico em excesso.

provenientes do impacto ambiental citado. Entretanto, verifica-se a urgência da criação de formas de inibir a atitude do homo economicus frente ao meio ambiente. Para tal, os estudiosos da dívida ecológica optam por sugerir uma alternativa de ação dentro do atual pensamento moderno e economicista que domina os mercados mundiais.

Entretanto, a razão de tal atitude não seria buscar a compensação monetária simplesmente. Como dito anteriormente, isto seria impossível. A intenção real deste tipo de estudo e proposta repousa no interesse em promover o debate sobre a temática ambiental, sobre as questões relativas à desigualdade, bem como sobre a necessidade de que respeito para com os ecossistemas e as populações que deles necessitam. A forma encontrada seria converter em números os valores da degradação, comparando posteriormente custos e benefícios. A verificação da problemática ambiental também em números seria, portanto, a forma de inibir atitudes pouco ou nada responsáveis com o meio ambiente.

A dívida ecológica seria o meio encontrado para dar o valor econômico aos recursos naturais. Desta forma, assim como o valor da dívida externa é medido a partir dos recursos de capital emprestados aos países em vias de desenvolvimento, a dívida ecológica seria a noção relativa à valoração dos recursos explorados até a atualidade, e que passariam por uma quantificação capaz de promover a comparação em relação aos custos ambientais produzidos a partir de tal exploração (ALIER, 2007, p. 305).