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CAPÍTULO 3 A REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA FISCAL

3.4 MERCOSUL

O bloco denominado Mercosul, Mercado Comum do Sul, não tem logrado o êxito esperado. O efeito integracionista não se sucedeu de forma eficaz, mantendo-se mais do ponto de vista diplomático, do que, propriamente, como uma zona de integração das políticas comerciais e fiscais. E isso se deve, basicamente, à inexistência de reformas nos ordenamentos dos países-membros, sendo necessário alterar-se a estrutura dos mesmos para a figura da união aduaneira, reavaliando-se conceitos estáticos como “o nacionalismo, o protecionismo e a ‘velha’ concepção da soberania dos Estados.”571

Criado pelo Tratado de Assunção, em 1991, o citado bloco tinha como objetivos: a) a liberação comercial entre os países-membros; b) a coordenação de políticas macroeconômicas; c) a instituição de tarifa externa única; d) a formalização de acordos setoriais; e) a instituição de um sistema de solução de controvérsias e de cláusulas de mecanismos de controle de práticas anti-concorrenciais572.

Nesse contexto, reitere-se que a doutrina geralmente coloca três fases de integração: a) a criação de zona de livre comércio, em que há eliminação de aduana e demais

570

“Mr Conjin, a Netherlands national residing in the Netherlands, derived income in Germany from industry, trade or business (Gewerbebetrieb) from a shareholding in a German limited partnership (Kommanditgesellschaft) which he had inherited as a joint heir. This German income accounted for less than 90 percent of this total income. In his 1998 tax return, Mr Conjin deducted from his taxable income the costs which he had incurred in obtaining tax advice, for the purpose of preparing his tax return in Germany, as special expenditure. The German Finanzamt refused to allow the deduction of that expenditure on the ground that such deductions are not allowed for non-resident taxpayers. Mr Conjin challenged that refusal before the Finanzgericht Hamburg and subsequently before the Bundesfinanzhof. The Bundesfinanzhof decided to stay proceedings and to refer a prejudicial question to the ECJ. Refering to its Gerritse judgement of June 12, 2003 (Case C-234/01), the ECJ decided that the freedom of establishment precludes national legislation which does not allow a person with restricted tax liability to deduct from his taxable income, as special expenditure, the costs incurred by him in obtaining tax advice for the purpose of preparing his tax return, in the same way as a person with unrestricted tax liability.” Cf. European Court of Justice Tax Cases 2006: a Review. Washington: BNA International, 2006, p.51.

571

Cf. COUTO, Jeanlise Velloso. A Tributação no Mercosul. In: CASELLA, Paulo Borba; LIQUIDATO, Vera Lúcia (Coord.). Direito da Integração. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 274.

572

Cf. MACEDO, Leonardo Correia Lima. Direito tributário no comércio internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2005, p. 41.

regulamentações restritivas; b) a formatação de união aduaneira, que, no dizer de Marco Bruno Miranda, “consiste em passo imediatamente posterior à consolidação da zona de livre comércio, porque compreende além da eliminação das barreiras tarifárias na comercialização de produtos no comércio intrazona, a adoção da tarifa externa comum (TEC) no comércio extrazona.”573; c) mercado comum, o verdadeiro avanço da “liberalização dos fatores de produção [...] no território do bloco regional”574.

Na prática do Mercosul, entretanto, infere-se que seus objetivos não prosperaram, sendo considerada uma união aduaneira575 imperfeita, porquanto inexiste uma política comercial comum para os seus países-membros, inviabilizando, por conseguinte, a esperada livre circulação de bens entre os membros do bloco. Veja-se, pois, que o Mercosul não foi capaz de integrar seus países-membros da forma esperada576.

Como lembra Edison Carlos Fernandes, a história do Mercosul acompanha as transformações a partir da segunda metade do século XX:

A partir da formação dos Estados Nacionais, na Idade Moderna, a condução da política internacional – por meio da diplomacia – e da economia internacional – por meio do comércio exterior – foi fundada em uma ‘teoria do conflito’, ou ‘teoria da guerra’. [...]

Os impactos das duas guerras ditas mundiais, que aconteceram num curto espaço de tempo (1914-1945), propiciaram a mudança na condução da política e da economia internacionais, em que foi trocada a ‘teoria do conflito’ pela ‘teoria da integração’ ou ‘teoria da interdependência’. Por conta disso, são assinados acordos plurilaterais marcos, que trazem para a realidade as lições da nova teoria; são exemplos: Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (1948); e Declaração Universal dos Direitos do Homem (1950). Por reflexo, ou por maturidade, a América Latina se insere em tais acordos. 577

O processo global de integração, portanto, em substituição à chamada “teoria do conflito”, influenciou na mudança de discurso dos governos dos países latinos, especialmente

573

Cf. CLEMENTINO, Marco Bruno Miranda. A Constituição Federal de 1988 e a integração regional:o desafio da harmonização tributária. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2007, p. 40.

574

Ibid., p. 45. 575

Considera-se, nesse trabalho, união aduaneira a região em que há livre circulação de bens, região esta formada por diferentes países-membros.

576

Sobre o tema, FERNANDES, Edison Carlos. Sistema tributário do Mercosul: o processo de harmonização das legislações tributárias. 3. ed. São Paulo: RT, 2001.

577

Id. A não-discriminação tributária nos acordos multilaterais do comércio. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 55-56.

no Cone Sul, que acabaram formalizando o tratado inicial. A esse respeito, cumpre observar a edição, pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), de documentos condenando a falta de integração, o que foi reiterado pela evolução econômica da antes Comunidade Econômica Européia578. Assim, tinha-se de um lado o sucesso integracionista europeu, e, de outro, o fracasso econômico dos países do Cone Sul, marcados por problemas de suas estruturas financeiras.

Em 1º. de junho de 1960, entrou em vigor o primeiro Tratado de Montevidéu, “constituindo a Associação Latino-Americana de Livre Comércio – ALALC”, pautando-se em temas como: “liberação comercial, apoio para compensação de pagamentos; acordos de complementação econômica; e tratamento favorável aos países menos desenvolvidos.” 579

Depois disso, tomadas várias medidas, foi formalizado novo Tratado entre os países- membros (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), decidindo constituir um Mercado Comum, com data programada para ter início em 31 de dezembro de 1994. Entretanto, as limitações são patentes, em face, principalmente, das exceções da não-discriminação tributária, conforme defende Edison Carlos Fernandes:

[...] 8º. A análise normativa do Mercosul deve ser efetuada à luz do fato de que se trata de um bloco eminentemente intergovernamental (e não supranacional). Daí que todas as normas vinculantes, quais sejam, as Decisões do Conselho do Mercado Comum – CMC, as Resoluções do Grupo do Mercado Comum – GMC e as diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul – CCM são fruto de discussões entre governos e manifestam a posição consensual dos Estados Partes. [...]

12º. Enfim, como principal conclusão do presente estudo, pode-se apresentar a seguinte definição para a norma da não-discriminação tributária do Mercosul: regra multilateral, condicional, aplicável internamente no bloco regional (para dentro), específica para as questões relacionadas a tributos, por força da qual um Estado Membro deve atribuir aos produtos oriundos de ou com destino para outro Estado Membro o mesmo tratamento fiscal, na sua acepção mais ampla, atribuído a produto similar nacional.

13º. Essa regra, conquanto possa ser aplicada a todas as espécies tributárias, possui, expressamente no ordenamento do Mercosul, três ordens de exceção, a saber: a) as listas de exceção e de adequação; b) a disciplina das áreas aduaneiras especiais (zonas francas); e c) a adoção do regime (princípio) do destino com relação aos impostos indiretos internos.” 580

578

Ibid., p. 57. 579

Cf. FERNANDES, Edison Carlos. A não-discriminação tributária nos acordos multilaterais do comércio. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 55-56.

580

Do exposto, nota-se a limitação da tentativa de harmonização tributária no âmbito do Mercosul, em face das exceções admitidas pelos países-membros no tratamento tributário das operações inter-países. Esse tratamento, portanto, acaba sendo desigual nas operações comerciais, o que não ocorre, por exemplo, na União Européia.