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MERTEN, Luiz Carlos Artistas Negros Brigam por Espaço In: Jornal de S Paulo, São

No documento TADEU PEREIRA DOS SANTOS (páginas 135-149)

MORRE GRANDE OTELO, O NOSSO ETERNO MACUNAÍMA.

Testemunho 13: MERTEN, Luiz Carlos Artistas Negros Brigam por Espaço In: Jornal de S Paulo, São

Paulo, 03/05/2001. Caderno 2. p. 56. Edição digitalizada.

Por descolamento do tempo de sua produção, silencia o seu significado. Apóia- se numa legenda, cuja relação qualifica o sujeito pelo atrelamento ao personagem e ao universo da malandragem.99 A utilização da referida imagem tenta encobrir o conflito entre as classes, como se o resolvessem no imaginário, no intuito de obter o consentimento ativo pelos dominados, contudo, o instante imagético não contemplou a complexidade das relações abordadas.

Todo o universo apresentado pela mídia visando dicotomizar Sebastião como Prata e como Grande Otelo foi incapaz de visibilizá-los amplamente. apresentando as suas complexidades, mesmo no âmbito comercial. Há que considerar a diversidade de intervenções de Sebastião em Prata como Grande Otelo.

O ver e crer do sujeito são configurados no personagem para possibilitar a relação memória-lembrança e esquecimento, tentativa de enquadrar Sebastião pelas

99 CANDIDO, Antonio. Dialética da Malandragem. In: ______ O discurso e a cidade. Rio de Janeiro:

atuações fílmicas pela via do socialmente aceito. A memória pública de Prata amplia-se via Grande Otelo, apesar de referir-se ao sujeito. Referenciam-no ao universo afro- brasileiro, valorizando-o como ator. Visibilizam-no, explicitando contradições, silêncios ou o tratamento conferido aos negros, embora o distinguisse pelo realce no cinema nacional e internacional.

Apoiados em Sebastião como Prata/ ator, os referidos cineastas o transformam numa bandeira de luta reivindicatória da ampliação da participação negra nas questões étnico-raciais, pelo slogan “Cinema Brasileiro – Uma Arte de Raça”, pelo que imagem e legenda se contradizem ao imputarem a malandragem a Sebastião como Prata via Grande Otelo.

Pelo texto, o lugar ímpar de Sebastião como Prata é um contraponto à carência de atores negros e ao branqueamento do cinema, afigurando-se apelo à inclusão dos mesmos. Embora as criações se constituam um processo ampliado das representações, Grande Otelo foi dado visível como uma realidade constituída, como se portasse a própria historicidade, transitando em diversos fóruns de discussão da temática negra, que também o presentifica como Grande Otelo.

Imagético e textual, embora contraditórios, são apresentados simultaneamente. Visam uma trama de sentido unívoco, tomando como verdade a realidade de Grande Otelo. Contudo, trata-se de incongruência desqualificadora do texto que faz Sebastião como Prata expressão de luta. O renovado sentido vinculado ao cinema tem-no na figura do malandro, epíteto pejorativo do universo negro.

O gestual fílmico (ou cênico) assume caráter existencial. As cenas se dinamizam pela memória como lembranças de linguagens. Matizam o ver e o ler, identificadores de Sebastião em Prata como Grande Otelo. Embora imagético e textual se relacionem, o primeiro se sobrepõe ao último como efeito de verdade, assegurando o condicionamento da lembrança pelo impacto. A freqüência de seu uso nas linguagens fortalece a conotação do personagem como sujeito.

Por intermédio de táticas, produzem signos que se articulam ou se entranham como fixadores identitários de caráter gestual em Sebastião como Prata. É realçada sua caricatura vinculante ao meio artístico, personagens e o mercado. Sua circulação firma a pluralização do referido caráter via exibições cinematográficas, apresentando o ficcional como histórico.

Até o ano de 2003, apontamos que, esporadicamente, Sebastião como Prata em Grande Otelo foi evocado em eventos relacionados à temática negra nos fóruns de

cinema, teatro e músicas. A partir da referida data, passou a afigurar-se na agenda dos movimentos negros do país, que o transformaram em seu representante vinculado ao cinema, na efetivação da lei 10.639100, como bandeira de suas reivindicações.

A difusão de suas imagens, juntamente com as de outras pessoas negras, mas de destaque social, visualizam-nos como contributivos da cultura negra que reclama respeito à sociedade, é como uma das táticas realçadoras dos negros trabalhadores comuns pobres. Nesse sentido, é presença constante em produção de material didático pedagógico, a exemplo do livro de Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes, que reúne vários artigos relacionados ao processo de colonização do Brasil, do vínculo Brasil/África, do negro na atualidade, da discriminação racial e, sobretudo, das várias personalidades negras silenciadas na história da sociedade brasileira. Dentre as referidas personalidades abordadas integra-se Sebastião Arthur Bernardes de Souza Prata, pelo veio artístico, renovando suas representações como ser Grande Otelo:

"Grande Otelo (1915-1993)"

Sebastião Bernardes de Souza Prata não era carioca, como muitos podem imaginar. Era mineiro, nascido em Uberlândia, em 1915. Ganhou o sobrenome da família que o educou – até que ele resolvesse se aventurar no Rio de Janeiro e em São-Paulo em busca de sua vocação: ser ator.Na Ópera Nacional, onde estudou, ganhou dos colegas o apelido de Pequeno Grande Otelo. Ele se auto-intitulou The Great Grande Otelo, mais tarde abrasileirado e dando a ele o nome pelo qual se tornaria conhecido: Grande Otelo. Assim começou a carreira de um dos maiores atores brasileiros, que passou pelos palcos dos cassinos e dos grandes shows das mais importantes casas noturnas do Rio. Passou também pelo teatro, pelo cinema e pela televisão, deixando sempre a lembrança de personagens marcantes. Sua principal atividade foi o cinema. Apareceu pela primeira vez na tela em Noites Cariocas, em 1935. Trabalhou em alguns filmes conhecidos como Futebol e família (1939) e Laranja da China (1940), conseguindo fama suficiente para ser chamado para trabalhar no primeiro filme produzido pela Atlântida: Moleque Tião, de 1943.O sucesso se consolidou ao formar dupla com outro grande mito do cinema nacional: Oscarito. Juntos, participaram de mais de dez Chanchadas como

Carnaval no fogo, Aviso aos navegantes e Matar ou correr. Mas ele não

era apenas comediante. Como ator dramático, marcou presença em vários filmes, entre os quais Lúcio Flávio – Passageiro da agonia e Rio, zona

norte. Grande Otelo morreu de enfarte ao desembarcar em Paris, às

vésperas de seus 78 anos, a caminho do Festival dos Três Continentes, em Nantes, onde seria homenageado.101

100 A discussão relativa à lei pode ser percebida no parecer da Professora Petronilha Silva. Ver

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Parecer nº 003 de 2004, de 10 de março de 2004, p.1).

101 MUNANGA, & GOMES, Nilma Lino. Homens e mulheres negros: notas de vida e de sucesso. In:

MUNANGA, Kabenlege [et al]. Viver, aprender unificado 7ª e 8ª séries: história, geografia, artes:educação de Jovens e Adultos-EJA. São Paulo: Global, 2007. Coleção viver, aprender.

Há que se considerar que a ascensão social não anula a história do sujeito, daí a ambivalência do conceito de personalidade, que os fazem públicos e notórios, mas não os destituem das peculiaridades anteriores quando trabalhadores negros e pobres.

Se, por um lado, o fazer da memória torna-se presença em outro suporte, mediatizando transformações dos lugares e, ao mesmo tempo, assumindo novos sentidos, por outro, revela o processo de instauração da memória prática em que, pela manipulação do espaço, é impedida de realizar seu caráter reflexivo, tentando evitar a ruptura entre Sebastião e personagens. O ajustamento da heterogeneidade temporal valora Prata, como reivindicatória dos anseios dos movimentos negros, renovando representação instituída e perenizada de Sebastião como Grande Otelo, aglutinadora de temporalidades heterogêneas e contraditórias.

Pela descrição, produz-se efeito silenciador dos contrapontos desajustados na trama, provocadores de rupturas, assegurando uma paisagem harmônica. A dinamicidade do ver e ler, como crer, é resultante da produção de esquecimento, impactando o leitor, já que a mesma é transformada em memória, embora seja apenas modo de publicização. Assim, pretende operacionalizar o esquecimento de Sebastião como Prata via Grande Otelo, em que os efeitos da descrição, além de se manifestarem como ficções de histórias, são elementos que precisam a narrativa como efeito de verdade.

A dinâmica do lembrar diretamente ou pela relação visível e invisível, possibilita intervenções da memória em contrapontos. Contudo, pela linguagem instrumental da memória, as astúcias do narrar tornam-se importantes à estratégia de mercado, em torná-lo motivo para consumo.

A apropriação das lembranças pela ação da memória cria, na história narrada, um espaço de ficção, presentificador de Grande Otelo enunciado por terceiros que o renovam sempre, não carecendo de legitimidade comprobatória. O narrar consiste em uma tática que produz efeito de verdade em conformidade ao estilo102. Dessa forma, convertem os contrapontos em ficções de histórias, cuja leveza faculta serem vistas como se pautadas na conjuntura. A descrição torna-se elemento da narração, a exemplo do artigo “Apelidos e nomes de gente famosa”, jornal O Estado de S. Paulo, em 15/05/2003:

102 CERTEAU, Michel de. O tempo das histórias. In: A invenção do cotidiano: artes do fazer. Trad.

E quem será Antônio Carlos Bernardes Gomes? É o Muçum dos trapalhões. Ele ganhou o apelido do ator Grande Otelo, que adorava as suas palhaçadas, e dizia que Antônio Carlos não era nome de negro.103

Com táticas usuais, a estratégia midiática se vale da memória lembrança para moldurar o ver e o ler. Mecanicamente, difunde e transforma realidade ausência/presença pela habitualidade que invade o cotidiano. A análise despiu-se de reflexão; fazendo lembrança equivalente à memória: daí, o esquecimento.

Por esse veio, as narrativas se fazem criações em que cada conjuntura é adequada para expressar um sentido, do que decorrem as imagens de Sebastião como Prata por nostalgia, anedota, história, política, reivindicação, “causos”, bandeira de lutas, dentre outras. Todavia, é necessário considerar que, embora as mesmas sejam dinâmicas e não unívocas, via linguagem transmutada na memória prática, transformam-se em objetos de manipulação, como fio de uma teia tal qual a Sebastião/Grande Otelo.

As inovações lançam-no ao presente, enaltecendo sua arte de atuar. Entretanto, enquadram-no ao cinema nacional: fazem da Atlântida matriz geradora do lembrar que, se por um lado, renova a figuração áurea do cinema que o faz grande, por outro, condiciona sua arte ao humor, grotesco e vulgar. O descrever produz efeito do narrar, multiplicando suas astúcias, incorporando Sebastião como Prata como objeto referido do próprio jogo.

A sobreposição de imagens implica na expressividade do gestual, pelas atuações de Sebastião em Prata como Grande Otelo, ao atribuir-lhe sentidos que os fazem partilhantes de uma mesma realidade. É desconectada a dualidade sujeito/personagem, pretensamente unívocos e dotados de uma única identidade. A constante presença do banal apresentam-nos como inofensiva. Transformam-no pela repetição em “elementos habituais”: dimensionam o olhar pelo ver e sentir, gerando o crer e condicionam a lembrança pelo esquecimento. Assim sendo, as imagens de Grande Otelo como Sebastião em Prata, constituem memória lembrança, operada pelo esquecimento. Os seus modos de processar consistem em fazer ler as partes como um todo.

Entre Sebastião e Sebastião como Prata; Sebastião Prata e Sebastião Prata; e Sebastião Prata como Grande Otelo, o banal se espraia, consolidando a presença do primeiro (ser) na forma do seu esquecimento e olvido (as imagens de seus personagens),

ou seja, do ser como lugar de sua lembrança, a exemplo da publicação presente no caderno 2/ Cultura, jornal O Estado de S. Paulo, 05/12/2003104:

Testemunho Imagético 14: SILVA, Elizabeth Coelho. Programação Festeja os 90 anos de Grande Otelo. In: Jornal de S. Paulo, São Paulo, 05/12/2003. Caderno 2/Cultura p. 52. Edição digitalizada.

O texto justifica a ausência de homenagens aos 10 anos da morte de Sebastião como Grande Otelo e anuncia que as mesmas serão prestadas em 2005, celebrativas dos 90 anos de Grande Otelo105, articulando imagética e textualmente a errônea equivalência

104 SILVA, Beatriz Coelho. Jornal S. Paulo, 05/12/2003, Caderno 2/Cultura. p.52 da edição digitalizada. 105 A maioria dos documentos que subsidiam a construção interpretativa do jornalista, são, atualmente, de

responsabilidade da Agência Cultural – Sarau – que, por meio de um projeto financiado pela Petrobrás, comprou da família do artista o acervo que o mesmo preservou ao longo da sua trajetória de vida. Isto é, aproximadamente setenta caixas de documentos reveladoras da experiência artística e pessoal de Grande Otelo. A partir da análise do Projeto Sarau, podemos apontar que já foi concretizada a elaboração do musical “Eta Moleque Bamba”, que esteve em cartaz em várias regiões do país, inclusive na terra natal de Grande Otelo e, ainda a referida biografia escrita pelo jornalista Sérgio Cabral. CABRAL, Sérgio. Grande Otelo uma biografia. São Paulo. Editora 34, 2007. Na referida data ocorreu várias atividades em comemoração aos 90 anos de Prata como Grande Otelo. Isto foi ressaltado na peça Eta Moleque Bamba, por mim assistida em 25/08/2007, no teatro Rondon Pacheco da cidade de Uberlândia. A peça consiste em uma das atividades produzidas pelo SARAU – agência cultural responsável por um projeto financiado pela Petrobrás – cujos resultados foram disponibilizados por meio de uma biografia escrita por Sérgio Cabral e, ainda em um documentário sobre o artista. Em relação à peça, a sua trama consiste em fazer uma interpretação que vai da experiência de sua infância à morte. Sobretudo, a trama é construída em um

de Sebastião como Prata a Grande Otelo. Tal como a iconografia processada por deslocamento, apropriação e atribuição que lembra Sebastião Prata via Grande Otelo, as posteriores celebrações, tais como a peça teatral, a biografia e o documentário, se farão pelo mesmo veio.

O lembrar pelo artístico obscurece outras dimensões do sujeito, a exemplo da própria data de nascimento de Sebastião atribuída a Grande Otelo, embora Sebastião tenha nascido em 1915, Grande Otelo, em 1935 e Sebastião Prata, em 1939. Assim, o primeiro, em 2005, faria 90 anos, enquanto o segundo apenas 70 anos e o terceiro, 66 anos.

Entre eles, o entrelaçamento do ficcional e o relacional. Daí, a necessidade de considerar as historicidades específicas de cada qual. O lembrar para o esquecer se faz via imagens atribuídas a Grande Otelo referentes a Sebastião como Prata. O campo gestual partilhado por diversas pessoas, em temporalidades distintas abarca, via solidariedade de gerações, passado, presente e futuro.

A mencionada comemoração de 90 anos referida a Grande Otelo, na verdade, consiste na de Sebastião. Contudo, se faz representativa das demais, em que o sedimentado pelo banal é retro-alimentador das ocorrências celebrativas, tal qual seu nascimento e morte. Entretanto, os intervalos curtos ou longínquos, temporalmente, das louvações se instituem como paisagens pretensamente harmônicas presentificadoras de Sebastião em Prata como Grande Otelo. Para além deste aspecto, é necessário considerar a diferença entre ambos, pois, enquanto os curtas se acentuam via mídias, como inovações e permanência de Prata como Grande Otelo, renovando o socialmente instituído, tornam explosivas as homenagens, cuja renovação na referida conjuntura tem caráter de fechamento que ser quer eterno e perenizado.

A homenagem abaixo se faz expressão do banal e tem como objetivo aquecer o mercado, tanto de Sebastião como de Grande Otelo, visando assegurar a sua condição de produto cultural:

misto da sua experiência artística com aspectos da sua vida pessoal , no qual podemos destacar a sua relação com o Hotel da cidade em sua aproximação com um sujeito apresentado na peça com o nome de Joça. Destacamos ainda a famosa cena, antológica, em o mesmo trabalhava na produtora de cinema Atlântida (em destaque a Cena de Carnaval da Atlântida em que Grande Otelo e Oscarito parodiam a cena vivenciada por Romeu e Julieta da peça de William Shakespeare). A sua passagem pelo Cinema Novo, com destaque no filme Macunaíma e, ainda, a sua relação com Herivelto Martins e os conflitos matrimoniais são enfocados na peça.

Testemunho Imagético 15: BRASIL, Ubiratan. Talento estimulado pela necessidade. In: Jornal Estado de S. Paulo, São Paulo, 17/12/2005, Caderno 2, p.D3.

A estrutura gráfica da reportagem trás, na parte superior, uma imagem conjunta de Sebastião em Prata como Grande Otelo e Oscar Lorenço (Oscarito), ladeada por um destaque de primeiro e, no plano inferior, à esquerda, retrata individualmente o segundo. Em suma, consiste em aproximá-los via cinema e afirmar a especificidade de ambos em distanciamento. Tal relação se consolida por meio de homenagens, em que reavivam suas lembranças, reportando-os à época áurea do cinema brasileiro.

O textual reforça o imagético, afirmando a relevância de ambos em parcimônia. Embora os firmem como próximos, põe em relevo o que os distancia. A iconografia ilustrada com os mesmos reforça o imaginário das suas celebridades no cinema. A entrevista de Cabral não se restringe a Sebastião como Prata: é um meio divulgador de sua biografia, se valendo para apresentar inovações como conjuntura semelhantes a um folhetim. Indica uma sutil e pretensa novidade, num movimento de harmonização de controvérsia, um esforço de provocação-pacificação, em que se opera ideologia, conforme nos sugere Barbero:

Aí, nessa junção interior de intriga e moral não convencional – e não nas posições reacionárias ou reformistas dos personagens-, é onde opera a ideologia e a consolação é produzida. Tais soluções, que o leitor saboreia como inovadoras, mas que são em última instância tranquilizadoras, são as que ele esperava. Para esse ponto convergem a originalidade narrativa do folhetim e o efeito mais secreto da ideologia: na dinâmica provocação- pacificação. O folhetim aponta e denuncia contradições atrozes na sociedade, mas no mesmo movimento trata de resolvê-las “sem deslocar o leitor”, a solução corresponderá àquilo que ele espera e assim há de lhe devolver a paz.106

Nesse sentido, os subsídios gráficos se fazem suporte do imagético e textual, em que alteram Sebastião como Prata num estrategista, de modo que suas táticas fazem- no um sujeito em meio à sociedade, fomentado por contradições, mas concordante com suas representações socialmente aceitas. A entrevista de Cabral realimenta as inquietações de Prata como surpresas e contradições, em soluções propostas em sua obra.

Nessa lógica, a capa porta rudimentos táticos da estratégia, especialmente de Sebastião como Prata, que faz do gestual o dado do sujeito a ser lembrado e, com sutileza, remete às suas atuações. Há uma articulação ao iconográfico atendendo à lógica do mercado para dotá-la de teor mais mercadológico. A recomposição do passado

106 BARBERO, Jesus Martin. Das massas a massa. In: Dos meios às mediações: comunicação, cultura e

é feita renovando as noções de Sebastião em Prata como Grande Otelo, tendo o artístico suporte do lembrar.

Cabral usurpa o lugar de Sebastião para valorizar sua própria criação e desencadear efeitos mais eficazes de suas afirmativas. Daí recorrer a informações oferecidas como surpreendentes, como a nova data de nascimento atribuída a Sebastião que atestam a sua estratégia para trabalho, trazendo o falar do mesmo referente à criação de “Macunaíma” por Mário de Andrade, ratificando os artifícios por ele empregados da inversão da lógica que faz do personagem o fundante do seu ser Grande Otelo.

O racismo é trazido como contradição que proporciona o maior caráter de grandeza. O enaltecimento de Grande Otelo e Orson Welles culmina na dissipação do espaçamento entre personagem e ator, usurpando o lugar dos interlocutores e transmutando a vida em arte e a arte em vida, sem, contudo, participar do contexto que aponta.

É necessário considerar a natureza portada pela própria entrevista que se norteia por noções a serem trazidas na organização da elaboração objetivada. Isto é, o ilustrado no próprio tema ”Talento Estimulado pela Necessidade”. A biografia de Cabral não aponta, claramente, para o sujeito ou o personagem, numa fusão de ambos que transforma o produto Grande Otelo em ator e vinculado a Sebastião em Prata como se personagem secundário. Em suma, vale-se de reiterados deslocamentos para cunhar sua proposta biográfica, a exemplo da consideração à relação Sebastião como Prata /Orson Welles, reforçadora da intencionalidade que perpassa a entrevista publicitária da sua obra “em relação a Orson Welles, porém, não sei quem admirava mais: se o ator Grande Otelo ou o personagem Sebastião Bernardes de Souza Prata. Ele adorava os dois. Na verdade, são dois grandes personagens”.107

A biografia de Cabral é destoante em dois aspectos: primeiro, impõe a data de nascimento de Sebastião ao ano de 1917, quando na verdade, o próprio alega ser dois anos antes, ou seja, em 1915. Retira de um batistério que não a atesta, não por ele obtido, mas por mim a ele cedido por cortesia108, inclusive tendo o mesmo sido

107 BRASIL, Ubiratan. Talento estimulado pela necessidade. In: Jornal Estado de S. Paulo, São Paulo,

No documento TADEU PEREIRA DOS SANTOS (páginas 135-149)