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SEBASTIÃO NO SEU PASSAMENTO

No documento TADEU PEREIRA DOS SANTOS (páginas 149-194)

“(...) A conjuntura ideológica e a encenação midiática juntaram regularmente seus efeitos perversos, ao passo que a passividade desculpatória se conciliava com a artimanha ativa das omissões, das cegueiras, das negligências. A famosa “banalização” do mal não passa, neste sentido, de um efeito-sintoma dessa combinação ardilosa.”

Paul Ricoeur

Na ocasião da morte de Sebastião as linguagens deveriam, dialeticamente, incorporar ação e representação, criando a perspectiva para o seu existenciário. Contudo, suprimem a dialética, reduzindo-a ao par antagônico dualista que não consegue resolver o mecanismo processual, por ater-se apenas ao inicio e ao fim, sem problematizar o meio.

O afirmar de Sebastião como Prata confinado a Grande Otelo, se fez embasado pela estratégia de integrá-lo tanto local quanto nacionalmente pela sua publicização constante via linguagens, cujo cerimonialismo conferiu-lhe valoração de patrimônio artístico nacional e merecedor de reverência. O lembrar de Grande Otelo realça Sebastião como Prata em esquecimento a Sebastião. Passa por um contínuo perenizar de um passado artístico seleto, que ensejou modelar o presente como futuro. Embora sendo dado como o seu existenciário integral, apenas consiste em parte e que se presta à ocultação do indesejável em Sebastião.

Apesar das memórias local e nacional se complementarem como suportes à existência de Grande Otelo, divergem pelo fato de a nacional se referenciar no passado de Sebastião como Prata, enquanto a local apóia-se em Grande Otelo refutando Sebastião. Daí, o esquecimento pautou quadros de recordações ocorridos no dissenso configurativo das lembranças, em razão de memórias não confinadas e concorrentes. Desse modo, esforçam-se em harmonizar as memórias local e nacional atrelando-as,

apenas pelo inicio e final. Objetivam a subjetividade de Sebastião, para suprimir via imaginário as contradições vivenciadas por ele em sua prática.

O funeral foi a solenidade fundante e instrutiva com o propósito de orquestrar sinfonicamente a coadunação dos interesses sociais aos políticos. Consuma-se numa narrativa efetivada por intermédio da comunicação metalingüística, com o macro delineamento das matérias, do linear ao cronológico, o que resulta no epistêmico a ser perpetuado como a integralidade do sujeito.

As matérias funcionaram como um plano geral, conformado aos outros particulares que o totalizaram, advindos da amplitude e precisão à pretensão concreta em relação ao sujeito. Contudo, constituíram-se abstrações distanciadoras em dar-lhe concretude afirmativa da sua integralidade. Buscou-se a fragmentação via conciliação das afirmatividades, em que até os elementos contraditórios foram dados como harmônicos.

Daí, o imagético, o textual e o oral confluírem a uma comoção sensória inerente ao sujeito que não mais fala, mas foi reportado como se ainda falante. Valeram- se de pretensas proximidades com o mesmo, na dinamização do seu ver, ler, dizer e do sentir para firmar-se o crer.

O lembrar, na ocasião, consistiu em avivar representações públicas de Sebastião como Prata, em que, por um lado, se prestaram à harmonização com a localidade de seu nascimento sem conflitar com as tecidas nacionalmente e, por outro lado, pela acentuação nacional de representações renovadoras do seu passado no presente, asseveram Sebastião em Prata como Grande Otelo.

Os silêncios para ocultar contradições e os conflitos foram percebidos no Jornal Correio de Uberlândia, que, em outras ocasiões, como em 1945, produziu representações em relação a Sebastião já como Prata, que, em decorrência dos desentendimentos, o enquadraram no mesmo lugar destinado aos negros nas páginas impressas:

A bolsa Uberlandense de estudos instituição filantrópica creada por abenegados cidadão da cidade, com o fim principal de custear o ensino das creanças e que relevantes serviços vem prestando a sociedade, publicou, ontem, neste jornal, os resultados catastróficos do festival Linda Batista-Grande Othelo que devia ter sido realizado na noite 22 de janeiro, mas suspenso à ultima hora, em virtude do procedimento incorreto e inqualificável desses dos << Lindos>> e <<grandes>> artistas, que, alegando um pretexto qualquer, deixaram de comparecer. A atitude de << Linda>> Batista numa <<feissima>> e << pequeníssima>> e que nos entristeceu grandemente, porque afinal de contas, trata-se de artistas brasileiros, sendo um deles, filho da cidade.

Linda Batista, artista conhecida não é nenhuma ingênua nem tão pouco inexperiente. É uma artista experimentada, conhece de sobra suas responsabilidades e é de supor-se que o senso do dever não tenha se ausentado tão cedo...Antes de tomar tal compromisso, devia consultar seus interesses e se podia ou não cumpri-lo. E o mais triste em tudo isso, é que tratava-se de um espetáculo de benemerência, cujos resultados destinavam-se a um fim nobre e elevado, que é o de educar e instruir as creanças pobres, obra essa de grande alcance social. Quanto a grande Othelo - Grande exclusivamente no pomposo nome de Guerra que inteligentemente adotou- não nos surpreendeu, absolutamente. Teria nos surpreendido se ele tivesse desmentido o adágio... O negrinho perdeu uma excelente oportunidade de rever sua terra, de receber aqui as que só agora reconheço que não merece, absolutamente! Grande Othelo deu a entender, por outro lado, de que sozinho ele vale muito pouco...

(...) Oxalá sirva esse acontecimento de advertência aos incautos que confiam em artistas dessa marca...1

A afirmação de Sebastião como Prata fora da localidade o permitiu confrontar- se com a mesma que o relegara ao mero Bastiãozinho. Sebastião como Prata correspondeu ao Rio de Janeiro, enquanto Bastiãozinho a São Pedro de Uberabinha, de onde partira.

Tais conflitos se fizeram insolúveis em vida e postumamente, uma vez que foram uma constante com a cidade natal, que o tratava com descaso por Bastiãozinho, enquanto, como Sebastião como Prata não se prestava às intenções da sua manipulação em prol dos interesses locais.

Ao desancar a atitude dos artistas, sem, no mínimo, levar em consideração a justificativa de que o Cassino da Urca não os liberou, foi ocasião para eclodir os preconceitos antigos, frutos do racismo impregnado e do provincianismo da cidade. A memória e o reconhecimento local por Grande Otelo ficou ferido e, só mais tarde, por interesses políticos, foi retomado. Tal evento firmou-se em marco delineador das relações ressentidas de repulsa intensificadas por Sebastião de Uberabinha. Desejava um próprio Sebastião ou Grande Otelo ao invés de Sebastião Prata que não se conformava a seus interesses.

Por essa lógica, a relação memória e esquecimento se pautaram na dinamicidade, em que as memórias impedidas e manipuladas decorreram de abusos possibilitadores de novos abusos que induziram à memória anistiada2 asseguradora do esquecimento via ordem institucional, impedidos por sedição social.3

1OLIVEIRA, Alves. Correio de Uberlândia. Uberlândia, 18 fev. 1945, ano IX, nº 1596. p.1. Acervo do

Arquivo Público de Uberlândia.

2 Paul Ricoeur problematiza o processo de esquecimento de recordação via memória impedida, memória

Pela operacionalidade das narrativas do Jornal Correio de Uberlândia, houve um fio condutor das representações imagéticas e textuais, relacionando essas duas realidades distintas, na intenção de apresentá-lo integrado à localidade.

Processo semelhante realizaram as mídias nacionais, ao considerarem a ausência como presença, em reforço à memória lembrança como memória, em que a memória/esquecimento conferiu o status de Sebastião em Prata como Grande Otelo, silenciando o próprio Sebastião.

Embora afirmemos que as estratégias locais e nacionais se fizeram aproximativas, por tecerem, simultaneamente, nas exéquias de Sebastião, o firmando do seu imaginário obscurecedor da mundanidade cotidiana. Embora os usos do passado tenham sido diferenciados, conjuntamente, asseguraram a oposição entre memória e esquecimento.

Em relação à localidade, Sebastião como Prata significou seu desejo de retorno, reconhecimento e aceitação social por sua cidade natal. A memória proporcionada pela ocasião que a produziu apenas se sustenta no referido contexto, não o extrapolando.

Assim sendo, essa memória produzida pela imprensa local se faz fundada em sua própria lógica de produção, circulação e recepção. Se afirmou ocultando a mundanidade cotidiana de Sebastião na localidade, o que o fez conflituoso e contraditório à celebração.

Por um lado, a memória local foi instaurada no espaço da morte, por oposição de memória e esquecimento, vislumbrando o presente como abertura para o futuro. Igualmente foi contrário ao passado existencial e cotidiano de Sebastião, relacional e dialógico à localidade. Por outro lado, a memória tecida nacionalmente o apresentou como “herói mortuário” apenas, enquanto condição não vivenciada cotidianamente pelo mesmo. Fez-se por movimento articulador do presente com o passado, tendo a última

produção de esquecimentos por intermédio de usos e abusos que faz das recordações equivalentes à memória. Uma discussão mais acurada ver: RICOEUR, Paul. O esquecimento: In: A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Ed. da Unicamp, 2007. Cf. 455-462.

3 Tal processo que relaciona tanto a memória impedida quanto a manipula da desaguando na anistiada, se

apresenta como equivalente ao trabalho da memória, propositando uma simulação ou resolução do problema, impedindo o trabalho da memória e o luto. Por sua vez, em relação a Sebastião como Prata, consiste na manutenção das contradições, pois o anistiado é o produto cultural e não o sujeito, o qual é renegado ao esquecimento por uma tentativa de apagamento. Neste sentido, segundo Paul Ricoeur, a existência dessas memórias se fazem suportes à tentativa de produção do soerguimento do esquecimento por apagamento de rastros, impeditiva do trabalho da memória, já que as ações de cada uma delas se pautam em produzir esquecimentos, fazendo com que as recordações sejam equivalentes à memória. Ibid. p. 455-662.

temporalidade como suporte da presentificação dessa significação na contemporaneidade como abertura para o futuro.

Tal construção foi feita por deslocamentos, apropriações e atribuições, ativadores das representações num jogo antitético memória e esquecimento, conjurado negativamente. Assim, a memória produzida na morte se fez por ajustamento do retornar o já antecipado. Isto é, isentou-se de distância o presente e o passado, ou seja, tendo no primeiro a expressão do segundo.

Daí, a operacionalidade do fazer narrativo consistir em deslocar os lugares de Sebastião para o ser Grande Otelo, criando-se um referenciamento destituído de referente, que o relegou ao ostracismo, elegendo como ser para suporte do imaginário da ocasião, Grande Otelo. Contudo, quanto mais se afastou de usualidade conceitual do agir, mais possibilitou ao rastro explicitar-se ou firmar-se.4

As imagens enunciam as combinações das séries de conotações, sustentadoras dos pontos de observação de cada cena, por ordem de grandeza, formatadoras sequencialmente como se conferidoras de integralidade à matéria. Ao mesmo tempo, apresentaram-se como extensão ou interação das seqüências que conferiram sentidos ao funeral de Sebastião.

Pela lógica que as integraram, como fios contraditórios, porém, ligantes das parte ao todo, portaram-se como condutoras da construção da memória que preconizou harmonizar Grande Otelo à localidade, valendo-se da missa de sétimo dia, sepultamento, traslado, velório na Câmara Municipal, à sua chegada ao aeroporto.

Daí operou-se a produção de esquecimento, pela oposição entre memória- lembrança e memória hábito, desconsiderando o distanciamento temporal, que as relacionaram. Sobretudo, conferiu-lhes sentidos opostos de duas realidades interagentes. O passado de Sebastião, embora anunciado silenciosamente no presente, proporcionou o fazer recordado por não se poder recordar. Por essa lógica, o noticiário abaixo, referente à missa de sétimo dia de Sebastião, em 03/12/1993, como manchete do Jornal Correio de Uberlândia, foi uma representação anunciadora da restauração do equilíbrio, de superador de ressentimento, via Grande Otelo:

4 Tal condição se firma a partir da dialética da representação e da ação apresentada por Paul Ricoeur, ao

fundamentar o distanciamento entre memória hábito e memória lembrança. RICOEUR, Paul. O esquecimento: In: A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Ed. da Unicamp, 2007. p. 447.

Testemunho Imagético 16: Fãs e parentes rezam por Grande Othelo. Jornal Correio de Uberlândia, 03/12/1993. p.9. Acervo Arquivo Municipal de Uberlândia.

A chamada da matéria localiza-se à direita, na parte inferior da página do jornal. Seu foco delimitou a profundidade de campo e delineia o ângulo de visualização da igreja. Direcionou o olhar para o seu interior, realçando a imagem do sacerdote e, sobretudo, a diversidade de pessoas presentes no momento da celebração, em especial, aos idosos que, de algum modo, transmitem a idéia de serem conhecedores das histórias referentes a Sebastião na localidade. A missa assume caráter de prolongamento do

celebrismo das exéquias que culmina com o sepultamento para possibilitar o florescimento e o reavivar das intencionalidades objetivadas.

A Igreja foi dada a ler pelo seu interior, ocultando-se a sua localização, no centro da localidade, cuja arquitetura, de algum modo, referenda a resistente presença negra em seu processo de afirmação/disputa pelo direito de nela viver. Contraditoriamente, sua simplicidade destoa da vultuosidade dos outros templos, e a mesma foi cenário de representações à memória que gerou lembranças harmonizadas à mesma.

Isso revela as estratégias e táticas usuais às narrativas produzidas pela imprensa local, em se valer de sujeitos e objetos como instrumentais à produção de imaginário que harmoniza Grande Otelo à localidade. A Igreja, lócus de agremiação dos negros da cidade e expressão de suas lutas, vincula-se à questão identitária e consiste no espaço de suas manifestações religiosas, a exemplo da festa de Congado. Contudo, na ocasião, prestou-se a cenário para aproximação pela negritude de Sebastião.

Por um lado, aspirou ausência como presença e promovem-se a afirmação de sua negritude por integração à matriz religiosa, instrumental conferidor de sentido à memória que faz da cidade a sua guardiã. Por outro, manifestaram-se aspectos não publicizados pela mídia, ampliando-se imagens que o vinculam à localidade. As mesmas se fizeram notórias pelas atribuições valorativas, ocasionalmente presumiram equivalência entre sujeitos e objetos pela ausência de Grande Otelo, legitimando-o como ensejado, pelo objetivado como próximo, autorizado a falar ou lembrar dele como se ele próprio.

As táticas utilizadas para conferir sentidos à memória produzida pela localidade com a ausência de Sebastião conferiram-lhe notoriedade. Sua família e a Igreja do Rosário tornaram-se objetos públicos de seu reconhecimento e aceitação social. Isto é, houve um movimento que as elevou do ostracismo à visibilização pública, ou seja, valorizadoras por relacionarem-se a Sebastião ensejando Grande Otelo. O povo prestou-se a pano de fundo, e às noticias destacaram populares que o conheceram em vida para instrumentalizar seu reconhecimento póstumo. Ressalte-se que, para o povo, o celebrado foi Grande Otelo.

Neste aspecto, tornou-se relevante explicitar o caráter de populares, de todas as camadas que compartilharam do cerimonial, ressalvada dos seus respectivos lugares. Isto é, sem povo não existiria a aceitação e reconhecimento social da pretendida

memória, daí a recorrência ao mesmo para quantitativamente firmar a expectativa formulada, mesmo que permeada de controvérsias no momento de comoção.

Os populares, abordados por adjetivações, sempre coadjuvaram a veracidade pretendida das notícias, transmutando-se em meros figurantes, portadores da natureza persuasiva requerida, daí a alusão dos contingentes presentes nas solenidades, sempre enfocada com destaque.

A encenação na missa de sétimo dia sela o final feliz da novela de Sebastião e a localidade, nela enraizando Grande Otelo. O desejo do vilão Sebastião como Prata dado a ler como Otelo, em ser sepultado em Uberlândia, foi como se fosse a remissão de todos os males por ele causados à cidade. Em contrapartida, a mesma, magnanimamente, acatou sua pretensão como forma de apaziguamento entre ambos e edificação de uma nova “história”. Daí, o deslocamento dos dizeres de sua viúva no cortejo fúnebre, no instante final, ter sido sempre renovado numa afirmação da pretensa harmonização selada. O soerguimento do mausoléu expressaria, simbolicamente, a manifesta paz. A cerimônia religiosa fechou capítulo final das exéquias, orientadas para construção da sua representação integrado-o à localidade, simbolizando o início da elaboração da nova memória:

Testemunho Imagético 17: Testemunho Imagético 16: Uberlândia da Reportagem. Jornal Correio de Uberlândia, 03 dez. 1993. p.8. Acervo Arquivo Municipal de Uberlândia.

A representação, nesse caso, foi o ajustamento de imagens heterogêneas produzidas no decorrer do cortejo fúnebre, deslocadas para o noticiário da missa de sétimo dia de Sebastião, como síntese de sua biografia e harmonização.

A seletividade dá caráter de integralidade a considerações terminais que se fazem inaugurais ao pretenso lembrar imposto pelo teor do narrado. Isto é, perceptível pelo jogo de entrelaçamento de elementos das exéquias a outros do seu existenciário, atando os passados recente e remoto na consumação do fortalecimento à pretendida memória a ser assegurada, valendo-se até mesmo das incoerências como validadoras à ocultação.

A força da descrição dota a matéria de um potencial de recordação isento do rememorar. Pela síntese de aspectos pontuais da retrospectiva apresentada motivou fixar o teor das futuras lembranças presentificadas na ocasião.

A representação de Sebastião em Prata como Grande Otelo, emoldura a solenidade como seu suporte de lembrança, renovada na morte, via carreira artística, focando a gratidão a ele pela referida honraria. Por isso, as reverberações traduzidas como desejos e ações de Sebastião foram transformadas em balizadoras usuais à ocasião para assegurá-la guardiã de sua memória.

Cria, entre os elos, uma cadeia ritmada, extensiva dialogicamente como forma de expressar o ler e o ver pela habitualidade das narrativas expandidas por inovações e permanências na referida conjuntura.

Assim, há um jogo de cena, em que as repetições reforçam o crer, pela dinamicidade de tecer o cenário integral do translado do féretro na localidade. O celebrismo acentua a magnitude da comemoração, tornando-a lócus de significações das reiteradas alusões ao desejo de retorno de Sebastião como elemento proporcionador da nova memória, como se por ele autorizada.

As diversas representações da trama, textualmente, foram organizadas cronologicamente, ajustando tempos e espaços, integralizando Sebastião do nascimento à morte. A matéria apenas menciona o Rio de Janeiro, que lhe prestou a primeira reverência no Brasil, previamente a sua vinda para o sepultamento, em conformidade ao noticiado pelo Jornal Correio de Uberlândia, em 27/11/1993:

Testemunho Imagético 18: Othelo será enterrado as 16h. In: Jornal Correio de Uberlândia, Uberlândia, 27 nov. 1993, nº 16.415, p.1. Acervo Arquivo Público Municipal de Uberlândia.

Tal fato decorreu da disputa por afirmação de maternidade, razão pela qual silencia-se a referida cidade, transpondo para o cinema o seu suporte existenciário, bem como se valem do teatro local, para, contraditoriamente, alçá-lo à superação dos conflitos e uma pseudo-harmonização. As lembranças de seu nascimento à morte figuram como uma paisagem integral do sujeito sintetizadora da representação do seu último instante, dada a ser lida na conjuntura do seu passamento, enquanto fechamento concluído na sua missa de sétimo dia.

Essa lógica de entendimento, sem manifestação de conflitos, foi desenvolvida com a ausência de Sebastião. Só tinha consistência em consonância ao seu falecimento, por contrapor-se à sua mundanidade cotidiana ligada ao local. Afirmamos a existência do direcionamento propositado pelo Jornal Correio de Uberlândia ao entrelaçar as narrativas apresentadas no anúncio da morte, cortejo fúnebre, homenagem da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e missa de sétimo dia em Uberlândia.

As seletividades do lembrar se fizeram em oposição ao esquecer, num jogo em que a ausência de Sebastião e os deslocamentos de seus dizeres, produzidos em outros momentos, foram alocados para dar sentido à ocasião despindo-a de reflexão. Desta feita, tornaram-se atribuições que conferiram à cidade maternidade e caráter guardiã da sua memória.

A conjuntura da morte alicerçou-se fértil ao esquecimento, na medida em que a necessidade da lembrança pela possibilidade do preservar resgatou presentificações de Sebastião Prata como Otelo, em contraposição ao seu esquecimento, acentuando Grande Otelo. O mesmo Jornal deu destaque ao funeral, anunciando seus pontos marcos como representações molduradoras do esquecimento, conforme a iconografia abaixo, de 03/11/1993:

Testemunho Imagético 19: O Adeus de Uberlândia a Grande Othelo. In: Jornal Correio de Uberlândia, 03 dez. 1993. p.1. Acervo Arquivo Municipal de Uberlândia.

Por bricolagem construiu-se a representação atreladora do textual e do imagético, aglutinando numa mesma imagem, diversos planos ali produzidos, para que

No documento TADEU PEREIRA DOS SANTOS (páginas 149-194)