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SEBASTIÃO COMO PRATA REALÇADO POR GRANDE OTELO: MÍDIAS CONGELAM MEMÓRIAS

No documento TADEU PEREIRA DOS SANTOS (páginas 103-130)

MORRE GRANDE OTELO, O NOSSO ETERNO MACUNAÍMA.

1.2. SEBASTIÃO COMO PRATA REALÇADO POR GRANDE OTELO: MÍDIAS CONGELAM MEMÓRIAS

A dimensão patrimonial que assumiu o ser Sebastião como Grande Otelo, por meio do sentimento de adoção de um imaginário compartilhado, permite o espraiar contínuo de suas imagens, que lhe confere dimensão nacional, presentificando-o, de modo a condicionar o dado da lembrança destituída da ambivalência entre sujeito e produto cultural, identificando ambos no segundo “tropos” recorrente nos diversos meios de comunicação.

A habitualidade das imagens desencadearam o processamento da memória pública de Sebastião em Prata como Grande Otelo, ocorrido pela prática da utilização de fragmentos que, matizados, se tornam rarefeitos mas maximizados na constituição da teia à qual confere heterogeneidade a um que se quer de “sentido único”. A relação

espacial, explicitadora de atribuições como os logradouros, reportam-no pela oposição do visível/invisível. Daí, a memória ter o caráter de ruptura instauradora do esquecido.59

A cristalização do “patrimônio” Grande Otelo oportuniza um processo de lançamento dos vestígios passados ao presente, suscitando novos sentimentos e apropriações pelas novas gerações. Nesse sentido, sua faceta pretérita se renova continuamente, conformada tanto pelo quantitativo quanto pelo qualitativo, pois ambas as dimensões são contributivas num jogo de expansão do horizontal em afirmação do vertical, ou seja, silenciam o sujeito pela voz dada ao produto cultural Grande Otelo, homogenizador de seus diversos personagens.

Após a morte de Sebastião foi dinamizado o seu esquecimento pelo lembrar instituído, disto não se eximindo o próprio meio cultural pela proliferação de informações, tomando-o como Sebastião em Grande Otelo ligado a personalidades, filmes, homenagens e outros elementos usados para consolidar o ofuscamento em favor da afirmação de Sebastião em Grande Otelo, o que se constatou na pesquisa aos cadernos de cultura do Jornal Estado de São Paulo no período de 1993 a 2015 e possibilitou a construção da tabela a seguir, na qual são manifestos os seus ecos firmadores.

Quadro 1: A quantificação via Qualitativo de Sebastião em Prata como Grande Otelo no seu pós morte entre 1993 a 2015.

Ecos de lembranças Data de publicação

Títulação das noticias Categoria Espaços de Circulação e realização dos eventos Grande Otelo 29/11/1993 Os Imprudentes/Prêmio

em Minas Gerais

Cinema Caderno 2/Cinema

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piada

Humor Caderno 2/Cultura

Cida Moreira 03/08/1995 Cantora curte

“Saudável doidice por vídeo”

Fã Caderno 2/

Personalidade

59CERTEAU, Michel de. O tempo das histórias. In: A invenção do cotidiano-artes do fazer. Tradução

Livro de Anselmo Duarte

13/05/1995 Cineasta cultivou alegoria nos anos 70

Cinema Caderno 2/Cinema

Custódio Mesquita 08/03/1996 Show Homenageia Custódio Mesquita

Show Shoperia Bom

Motivo

Nelson Rodrigues 10/10/1996 Novas Crônicas de Nelson Rodrigues

Crônicas/obras literárias

Caderno 2/ Literatura Festival de cinema 14/10/1998 Musicais “Tudo é

Brasil marca a volta de Sganzerla ao longa”

Cinema Brasília/DF

Nelson Pereira dos Santos

24/11/1988 De filme a filme, sempre um talento

Filmes/Cinema Caderno 2/Cultura- Cinema

Minas Gerais 05/02/1999 Portela traz Minas do barroco à moratória

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Espaço com nome de Grande Otelo

17/09/1999 Programação de fim de semana é recheada de atrações

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Dicionário Brasileiro de Cinema

23/10/1999 Uma viagem sentimental pelo cinema brasileiro

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Literatura-Cinema Noel Rosa 07/02/2000 Todo Noel Rosa, em

suas primeiras gravações

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chanchadas

09/11/2000 Centro do Rio entra no reino das chanchadas

Teatro/musical Caderno 2/Teatro

Grande Otelo e Orson Welles

21/07/2001 Encontros que às vezes ficaram no muito prazer

Cinema/relações pessoais

Caderno 2/Cultura

Ademar Gonzaga 09/08/2001 Filme Folião de 1936 ganha nova versão

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Grande Otelo 13/04/2002 TV Cultura e Arte resgata entrevista que o

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Andrade

28/05/2002 Mostra Joaquim Pedro de Andrade

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Rio Zona Norte- 1957. Direção de Nelson Pereira dos Santos

12/10/2002 Cinema Novo Cinema Auditório Lina Bo

Bardi/

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03/08/2003 Cassino da Urca vai ser restaurado e virar museu Lugar suporte a experiência de Prata Caderno 2/ Cidades- Patrimônio O Pequeno Grande Otelo; O Rei do Baralho; Nem Tudo é Verdade;

Jubiaba/87

28/11/2003 Cinema/Marginal Cinema Memorial da

América Latina

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Cinema Caderno 2/Cinema

Grande Otelo 17/12/2007 Talento estimulado pela necessidade

Biografia Caderno 2/ Personalidades

Arquivo digital do Jornal Estado de S. Paulo. Acervo digitalizado 2003 a 2015. Quadro feito pelo pesquisador Tadeu Pereira dos Santos, 20/02/2015.

O quadro acima manifesta elementos que relacionam a arte da memória à ocasião60, sublinhados por Michel de Certeau,61 as quais constituem o lócus potencializador de lembranças. A memória transgride o tempo presente pelas condições proporcionadas pela conjuntura, configurada como insight, ímpeto, inesperado ou ressuscitamento, que a “mediatiza em transformações espaciais”62. É dimensionada por uma dupla alteração: altera o outro, por ser formada a partir de algo vivido e, da mesma forma, quando explicitada, modifica o objeto a que ela reporta, alterando a si mesma.63

A ocasião proporciona a interação da heterogeneidade numa espacialidade, tornando-se um arsenal acessível de ser utilizado: a memória não se aprisiona. Constitui-se um clarão em meio à conjuntura, pois “longe de ser o relicário ou lata de lixo do passado, a memória vive de crer nos possíveis, e de esperá-los, vigilante, à espreita”.64

Na transgressão dos espaços pela memória, cada lembrança65 consiste em um clarão que projeta as sombras, como algo que se destaca do todo singularmente, pois “a memória vem de alhures, ela não está em si mesma e sim noutro lugar, e ela se desloca. As táticas de sua arte remetem ao que ela é, e à sua inquietante familiaridade.”66 Sua mobilidade provoca alteração. Mais ainda: sua força de intervenção provém de sua própria capacidade de ser alterada/deslocada, móvel, sem lugar fixo.67

A arte da memória consiste num movimento que se faz no espaço do “outro”. Por ele reclamada, se faz presente ocasionalmente e, por sua natureza temporal, torna-se complemento que supre uma ausência (sendo, ao mesmo tempo, estranhamento, por ser parte de outra realidade que não a enquadra). Presentifica-se, acentuando seu lado perene, fluindo temporalmente e dinamizando-se como instituidora de instantes que estão presentes em outros espaços. Articula o passado como futuro, num presente com abertura para o futuro, reclamando reflexão e análise.

60 CERTEAU, Michel de. Op.cit. pp.157-165.

61 Certeau trata a linguagem com instrumento da memória, abordando o dizer, o contar e a natureza

relacional entre memória e a ocasião lincando espaço e tempo. Finaliza tratando das histórias, em que considera o detalhe e realça a equivalência prática discursiva com o próprio fazer histórico.Cf. CERTEAU, Michel de. O tempo das histórias. In: A invenção do cotidiano: artes do fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p.151-166.

62Ibid.p.161. 63Ibid.p.162. 64Ibid.p.163. 65Ibid.p.163. 66Ibid.p.163. 67Ibid.p.162.

Os elementos contidos no quadro constituem ocasiões que dizem do fazer da memória espraiador no intervalo de 2003 a 2015, suscitando diferentes imagens de Sebastião como Prata em Grande Otelo, ampliando à sua memória pública em desfavor de Sebastião.

Pela mediação da mídia, as lembranças foram selecionadas para dar sentido à linguagem numa memória expressiva do fazer, cujas lembranças reportam ao todo, instaura o tempo, quando requerido.68

Cada elemento do quadro foi criação que pretendeu transmutar ausência em presença, pelo fazer do lembrar o esquecer, tentando destituir os testemunhos da natureza de rastro.

A pluralidade do ocasional tornou fluída a memória de Sebastião que se, por um lado, perenizou suas lembranças em Sebastião em Prata como Grande Otelo, por outro, lançaram luzes sobre si próprio.

A cronologia se fez necessária para mostrar como as mídias se valeram horizontalmente do tempo para assegurarem as linguagens pelas atribuições e inovações corriqueiras e fluentes, num movimento de leveza e fluidez, recapitulando a multiplicidade como pontual, mobilizando a ampliação da memória de Sebastião em Prata como Grande Otelo.

As significações indicadas na tabela mostraram o dado perpétuo de Sebastião em Prata como Grande Otelo, temporalmente, pela articulação entre a duração e a extensão de sua freqüência nas mídias, assegurando lembranças que os presentificam. A reiteração das referidas representações, em curtos intervalos de tempo, impactam no fortalecimento de seus efeitos. A estratégia pretendeu construir sua eficácia pela natureza sutil de acentuar no Ser Grande Otelo como explicação, extensão do sujeito e seus personagens. Não estabeleceu aproximações e distanciamentos relacionais entre Sebastião, Sebastião como Prata, Sebastião como Grande Otelo e seus personagens.

A ocasião aflorou da memória na temporalidade, mudando-a, tornando-a mutável e indecifrável. A inovação se dá pelo que permanece e por isto permite sua reinvenção.69

68Ibid.p.163-166.

69 Paul Ricouer, no prelúdio de apresentação do final da segunda parte de seu livro, reporta a teoria de

Nietzsche sobre esquecimento, elucidando em que o processo de silenciamento pelo apagamento das práticas anteriores, conforme apresentado pelo autor, possibilitaria a construção de uma nova identidade alemã. Contudo, a sua escrita pelas ponderações de Ricoeur, revela que o que fundamenta o esquecimento é o atrelamento da dinâmica entre as inovações e as permanências sem estabelecer rupturas. Cf.

A arte de narrar, no plano jornalístico, é um recitar de gestos táticos, visando percepções acríticas nos receptores, sem preocupação de reflexão ou análise. Os ecos suportes, apresentados na tabela, são contrapontos, desveladores das escolhas que, de algum modo, dimensionam o lembrar.

O quadro comporta a recorrência do deslocamento, da apropriação e das atribuições, que possibilitam uma concomitante ausência firmada em presença pelo que proferem informações a Sebastião em Prata como Grande Otelo, atualizando-o no estratagema de engrandecimento mútuo. A experiência artística, como parte de sua existência atada a um reducionismo, pretendeu totalizar sua integralidade.

O caráter mercadológico difundiu as plurais narrativas no campo mnemônico e impõe a igualdade fazendo do uno (artista), afirmativo de Sebastião em Prata como Grande Otelo.

Elencados no quadro, potencializam lembranças em que, pela ilusão do referente, o significante é transformado em equivalente da historicidade alheia, substituindo o que lhe dera vida e forma. Ressoam, pluralmente, em temporalidades distintas, presentificadas, tecendo a diversificação fundamentadora da permanência. Desta forma, cada momento expresso afigura-se como conferente do aqui havido lá, assegurando uma grandiosidade, quer do falante ou de quem integra a sua fala, ou seja:

Essas particularidades têm a força de demonstrativos: aquele sujeito ao longe que passava inclinado... aquele odor que nem se sabe de onde subia... Detalhes cinzelados, singularidades intensas funcionam já na memória quando intervém na ocasião. O mesmo tato se exerce cá e lá, a mesma arte de relação entre um pormenor concreto e uma conjuntura que é, aqui, sugerida, como traço de acontecimento e, lá, operada, pela produção de uma conveniência ou de uma “harmonia”.70

Daí, serem os elementos articulados no quadro, ecos, temporalidades, titulação das narrativas, materializações de categorias e espaços justapostos e entranhados, impositores de ressonâncias do lembrar/esquecer que irradiam a memória instituída e transcendental de Grande Otelo, em três campos: produção, circulação e recepção, com respaldo do ver e crer, condicionantes de novos hábitos em gerações recentes.

Via escala, são perceptíveis diferentes processos de criação, pelos quais estabelecemos o distanciamento temporal/espacial, não apenas do espaço da morte de

RICOEUR, Paul. O fardo da história e o não histórico/Prelúdio. In: RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Ed. da Unicamp, 2010. p. 303-308.

70 CERTEAU, Michel de. O tempo das histórias. In: A invenção do cotidiano: artes do fazer. Trad.

Sebastião, mas da sua própria experiência de vida, constituidores de uma única paisagem, de modo que:

Arma-se assim uma espécie de corrente metonímica de um vazio para outro, embelezada por todos os prestígios teóricos, a que se poderiam acrescentar o vazio constitutivo do sujeito, o vazio de onde surge o enunciado, o vazio cuja lembrança é recortada com dificuldade etc. etc.71

E, ainda:

O vazio entre a lembrança e aquilo de que se lembra é ocupado pelas operações linguísticas, discursivas, modelos narrativos da experiência, os princípios morais, religiosos, que limitam o campo do lembrável, o trauma que cria obstáculos à emergência da lembrança (...). Mais que um “vazio”, tem o direito de fazê-lo, na medida em que defina outro espaço (entre o fato e sua memória) onde ocorra o discurso e se operem as condições de possibilidade. É uma vazio cheio de retórica e de avaliação.72

Mesmo os novos espaços de criação têm, por suporte, a realidade com a dimensão futura para leitura na contemporaneidade, e a portam como possibilidade de abertura a possíveis inovações. O continuísmo funciona como ciclo fechado em si, dotado de lógica própria, que reduz o testemunho documental a uma re-apresentação. A ausência se faz presença, cujas lembranças levam a efetividade da patrimonialização de Sebastião como Grande Otelo e o silenciamento de Sebastião.

Estrategicamente, a seletividade se manifesta pela escolha das pessoas a serem transformadas em contemporâneos de Sebastião como Prata, via “fenômeno de geração”. Por um lado, ocorre o eco de suas imagens nostalgicamente ligando as temporalidades presente, passado e futuro, por uma atualização de sentidos para as gerações anteriores e, por outro, para as futuras, como legado configurado em inovações.

As comemorações, a partir das datas de nascimento, finados, morte, dentre outras, especialmente eventos vinculados ao cinema e teatro, enaltecem suas imagens, como grande ator, pois, conforme Beatriz Sarlo, “a mensagem não se estabiliza em lugar nenhum nem pode ser armazenada em nenhum registro de memória. Se não circular, morre.”73

71 SARLO, Beatriz; tradução Rosa Freire d’Aguiar. Tempo Passado: cultura da memória e guinada

subjetiva. – São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007. p. 98.

72Ibid. p.99. 73Ibid. p. 76.

Os modos de sua veiculação, local ou nacional, dinamizam os modos de evidenciar Sebastião Prata como Grande Otelo, a exemplo da biografia de Roberto Moura, publicada em 1996, cujo propósito consistiu em:

Tento entrelaçar os fios, nessa proposta de escrever um texto curto, de umas sessenta laudas, para uma coleção de “perfis cariocas”, em poucos dias de trabalho, embora intensos, me valendo do convívio que tivemos, de nosso trabalho juntos, e do fato de conhecer relativamente bem seus filmes.74

A referida biografia foi o primeiro trabalho escrito sobre Sebastião como Prata como Grande Otelo postumamente. Embora o mesmo tenha sua vida e obra tecida em jornais, revistas e numa pluralidade de meios de comunicação, por quase 70 anos, em vida, até então não fora objeto de elaboração organizada. Por diversas vezes, Sebastião como Prata tentou contar sua história, numa clara alusão à distensão entre sujeito e personagem, mesmo que imbricados no campo ficcional. A escrita de Moura se fez constitutiva das homenagens espraiadas pelo país, após sua morte em 1993, no conjunto dos plurais sentidos da renovação dos significados a ele atribuídos.

As re-apresentações se fizeram numa dinâmica em que as novas criações foram práticas orientadoras de atos na sociedade. Constituíram-se numa teia com o individual conotando novidades e o compartilhamento, apresentado isoladamente ou em conjunto de distintos tempos.

Os usos de suas imagens se fizeram a partir do deslocamento, de modo a dar sentido às novas atribuições, assumidas na contemporaneidade. A partir da interpretação de Moura, Sebastião é personificado em Grande Otelo, pelo passado socialmente firmado:

É principalmente da impressão profunda que ele me causou - e não de uma pesquisa biográfica sistemática que o Grande Otelo exige, feita por uma equipe que possa buscar a multiplicidade de suas contribuições nas artes e na vida brasileira - que retiro este relato sobre esse carioca fundamental que dialogou com a cidade como poucos o fizeram, representando a face popular em sua arte, e que, como homem, personagem crucial, mito, transcendeu predestinações e limites, projetos e preconceitos, para se tornar num momento, mas de forma duradoura, a encarnação possível da própria alma carioca.75

74 MOURA, Roberto, Grande Othelo: um artista genial. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Rioarte, 1996,

p.10.

A narrativa de Moura expressa os processos “invencionistas”, em que os deslocamentos proporcionam as apropriações que condicionam atribuições, ao vincularem Sebastião como Grande Otelo à cidade do Rio de Janeiro, possibilitando-lhe reclamar sua maternidade.76 Daí, a trama o transformar em grande personalidade negra da cidade e a ela pertencente, pelas relações construídas que lhe conferem a condição de seu símbolo.

A biografia foi publicada em 1996 e distancia-se, temporalmente, 3 anos da morte de Sebastião, 61 de Grande Otelo, 57 de Sebastião como Prata e 81 de Sebastião, com cunho das homenagens póstumas. Isto é, presentifica-o cronologicamente, com o distanciamento da morte, pela celebração, assegurando novos sentidos e mais força na contemporaneidade, conforme podemos perceber nas palavras do jornalista Sérgio Cabral, ao exprimir o seu sentimento em ter escrito uma biografia sobre o artista Sebastião, embora atribuída a Grande Otelo:

(...) o fato é que, se Grande Otelo já me emocionava por sua arte, agora ele comove renovando as esperanças em um Brasil melhor. Afinal, ao se falar de Grande Otelo estamos falando de um brasileiro que se enquadra perfeitamente nas estatísticas daqueles que são prematuramente condenados à morte, seja pela violência, seja por uma dessas doenças que atingem os que vivem na marginalidade. E, no entanto, Grande Otelo encantou o público de nosso país durante quase sete décadas, batendo recordes de participações em filmes e espetáculos. Um artista, em todos os aspectos, genial.77

As homenagens se concentraram em Uberlândia-MG, São Paulo-SP e Rio de Janeiro-RJ, pela peculiar ligação a Sebastião, as quais reclamam sua maternidade, por nascimento ou pertencimento.

De certa forma, as comemorações são, também, abusivas da sua memória, impedindo a crítica ou reflexão. As mesmas se fizeram suporte ao processo de existência do sujeito mesmo silenciando-o, cuja representação se faz legível e inteligível, com significado desvelando o significante e descortinando o referente que

76 Tais construções se fazem visualizadas em trabalhos biográficos e acadêmicos no seu pós-morte, de

modo que as tramas construídas, de algum modo, manifestam diversas tentativas , cujos deslocamentos permitem apropriar das imagens de Prata/Grande Otelo. As atribuições referentes ao artista, são reivindicações de sua paternidade, suportes dos plurais usos da imagem de Sebastião Prata na contemporaneidade, os quais contribuem para o processo de patrimonialização do ser Grande Otelo. Tais questões serão discutidas ao longo da tese.

77 CABRAL, Sérgio. Para começo de conversa. In: Grande Otelo: uma biografia. Rio de Janeiro,

lhe deu vida e forma. Ao contrário, dimensiona-o ao espaço da morte, como novo referente, já que pela ilusão intentam a sua integralidade.

As instituições midiáticas propagavam tais significados como expressivos da experiência de Sebastião, quando, na verdade, se reportavam a Sebastião em Prata como Grande Otelo, levando-nos a perceber a experiência do sujeito no cinema, não equivalendo, no entanto, à sua integralidade. Há diversas formas de interpretá-lo, mas é necessário considerar que, pela lógica do mercado, suas imagens como ator é que ganharam destaque, de modo que tal fragmentação reforçou apenas as lembranças, e a diversidade de significados se ajusta à memória vinculante apenas à sua realidade artística, objeto de consumo.

O processo de distinção do Sebastião como Grande Otelo dinamizou suas representações, flexibilizando os modos narrativos pela ampliação de seu universo cultural como elemento utilizado na produção de um efeito de verdade, em que o narrado pretendeu modular a lembrança pelo ver/ler, entrelaçando memória, lembrança e o esquecimento.

Aqui, há a operacionalidade de uma estratégia comum entre as diferentes linguagens numa rede, independente de sua natureza mantenedora por parte da mídia de Sebastião em Prata como Grande Otelo, como conceito já constituído. Propagam-no

No documento TADEU PEREIRA DOS SANTOS (páginas 103-130)