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3.3 A METÁFORA NOS ROMANCES

3.3.1 Metáforas Fósseis

Tesauro (1670, p. 415), na seção que diz respeito à metáfora de hipotipose, escolhe, como modelo, um poema de Ariosto para exemplificar um dos procedimentos de construção dessa espécie metafórica: a enumeração e acumulação pormenorizante e concretizante em situações de descrição de coisas ou ações (LAUSBERG, 1972).

Nessa composição poética, é possível notar uma série de metáforas fósseis também encontradas nos romances fonsequianos:

Spargeasi per la guancia dilicata Misto color de rose, e di ligustri. Di terso avorio era la fronte lieta, Che lo spatio finia con giusta meta. Sotto duo negri e sottilisimi archi

Son duo negri occhi, anzi duo chiari soli, Quindi Il naso per mezzo Il viso scende; Che non trova I’invidia ove l’emende. Sotto quel stá, quase fra due vallete

La bocca sparsa di natio cinabro. Quivi due filze son di perle elette

Che chiude e apre un bello e dolce labro49.

49

Espalha-se pela face delicada. Misto color de rosa e ligustro. De claro marfim é a alegre fronte, Que o espaço finda com justa medida. Sobre dois negros e sutilíssimos arcos

Estão dois olhos negros, em vez de dois claros sois, Então o nariz pelo meio a face reparte;

Que não encontra a inveja onde ela se altere. Sobre ele está, quase entre dois vales,

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o citado poema pertence ao gênero retrato. Esse gênero de composição, cuja principal característica é a descrição metafórica de partes do rosto e /ou corpo de uma mulher, até se chegar a um todo simétrico, foi largamente explorado pelos poetas do século XVII. De acordo com Silva (1971, p. 434-435),

Nestes retratos, pervivem muitos elementos da tradição retórico- estilística da poesia petrarquista do século XVI, sobretudo nos elementos metafóricos que conotam superlativamente a beleza da amada: os cabelos são ouro, os dentes são pérolas, o rosto é neve e rosa [...]. O que é realmente novo, porém nestes retratos, é o aparecimento de elementos realistas que vêm alterar o caráter ideal, aristocraticamente depurado e artificioso, do retrato petrarquista. O poeta barroco vê pormenorizadamente a mulher, na sua fisionomia e no seu corpo, e, numa atitude em que se conjugam realismo e erotismo [...].

Carvalho (2007) observa também que na poesia de contrafação dos seiscentos os poetas praticam o antirretrato, ligado às tópicas vanitas e desengaño. Nele, altera-se o tradicional modelo de beleza, muitas vezes repudiada ou ridicularizada por uma voz jocosa ou persona satírica, que expõe os vícios deformadores da beleza ideal.

Ao definir os retratos, Aguiar e Silva (1971) destaca um elemento primordial de sua composição: a descrição metafórica. No poema de Ariosto, que pinta a imagem do rosto de uma bela mulher, notamos esse procedimento, visto que a face rosada da dama é “misto color de rosa e ligustro”, a fronte é “de claro marfim”, as sobrancelhas são “dois negros arcos”; os olhos, por serem negros, não são sóis; o vermelho da boca é cinabre; enfim os dentes são “pérolas escolhidas”. Essas metáforas são, na verdade, “metáforas fósseis” utilizadas para descrever partes ou características do corpo feminino.

Francisco Achcar (1994), ao estudar alguns temas de Horácio, afirma que na Antiguidade as composições poéticas se caracterizavam pela presença de um repertório de elementos básicos e motivos opcionais. São compostas por um conjunto de elementos primários essenciais para o reconhecimento da composição e elementos secundários, a menor divisão da matéria de qualquer gênero,

Nela há duas correntes de pérolas escolhidas

representados pelos topoi, recorrentes em diferentes formas. Ao defender essa ideia se apropria do conceito de “composição genérica”, desenvolvido por Cairns. Observemos o recorte:

Na poesia da Antiguidade, predomina o processo de escrita que Francis Cairns chamou “composição genérica”, o qual corresponde a uma codificação da prática intertextual, uma forma particular de “arte alusiva”: um poema toma do repertório tradicional uma série de lugares-comuns e, juntamente, a maneira de organizá-los, derivando daí sua pertinência genérica. Assim, quando Horácio diz carpe diem, em qualquer das diversas maneiras por que o faz, ele está não só dizendo o que diz, mas está também aludindo a um paradigma de outras expressões do mesmo lugar-comum da poesia simposial. Ele poderá ou não estar aludindo, ao mesmo tempo, por alguma palavra, imagem ou recurso formal, a um poema determinado em que o

topos compareça. De qualquer forma, seu poema se inscreve num

gênero, o que significa dizer que o leitor familiarizado tem diante de si a expectativa de um conjunto de outros topoi do paradigma genérico organizados segundo esquemas conhecidos (ACHCAR,1994, p.18).

Diante dessas observações, para citar um exemplo, podemos considerar os retratos comentados como um gênero, visto que possui elementos primários e secundários. Todo retrato possui como elemento primário de composição a descrição simétrica do rosto de uma mulher e como elemento secundário as metáforas fósseis responsáveis pelas imagens das partes do rosto. Os elementos primários mantém sua característica fundamental, enquanto os secundários podem mudar ou serem recombinados de acordo com as circunstâncias. Os antirretratos, por exemplo, num contexto burlesco ou satírico, deformam a beleza da mulher; sendo assim, mesmo as imagens ou metáforas mais usuais podem mudar dependendo do contexto escolhido.

Considerando esses comentários, é relevante citar novamente Achcar (1994, p. 29):

ao contrário do que à primeira vista pode parecer, é sobretudo na utilização dos topoi que se revela a originalidade do poeta: a seleção, a expressão e a combinação deles oferecem possibilidades inesgotáveis de soluções imprevistas dentro do uso tradicional, chegando até a transgressões desse uso.

No contexto do século XVII, para evitarmos confusões conceituais, é preferível trocar o termo “originalidade” por “engenhosidade”. De fato, as combinações inusitadas desses topoi ou a busca de relações cada vez mais

distantes entre conceitos, como já vimos, demonstra a engenhosidade do poeta, que, por esse motivo, é capaz de criar uma composição singular sem fugir às rígidas prescrições do decoro interno e externo (HANSEN, 1989), isto é, sem infringir as regras de composição exigidas para cada modelo e sem desagradar o auditório, que já tem em mente os padrões compositivos de cada gênero. Fugir disso ou desconhecer tais prescrições é ser um malus poeta.

Tais declarações são pertinentes, sobretudo para quebrar o estigma que a palavra “lugar comum” tem hoje. Além disso, conquanto os autores citados estejam falando de poesia da Antiguidade, podemos conferir o mesmo procedimento de composição na poesia seiscentista, pois a preceptiva desse período atualiza os modelos discursivos e poéticos do mundo helênico.

Vejamos agora o uso dessas metáforas num romance de Antônio Fonseca Soares.

Posto sejam Titulares50

as prendas de Lizes bela hoje se hão de descobrir como se foram pequenas 5 O Cabelo que de raios

é golfo em feliz tormenta conde de Prado se julga porque todo em ondas quebra A testa jardim nevado

10 onde Vênus se recreia porque duas fontes logra é de Fontes a Marquesa Da corrente de seus raios

sendo arco as sobrancelhas 15 condessa da Ponte são

servindo de ponte à testa As pestanas praça de armas

do Deus que trás arco e flecha por praça de armas de amor 20 são Marquesas de Tronteira

Dos seus olhos as meninas por alegres, e travessas

qualquer delas por formosa é de Alegrete condessa

25 As duas Rosas das faces

sendo de amor primaveras condessas de vila Flor me parece qualquer delas Por ser no mar de seu Rosto

30 O nariz ilha perfeita

conde da Ilha parece

sendo visconde d’Asseca Porque da arrochela51 o porto

em breve barca navega 35 condessa de Porto Alegre

a boca se considera A garganta onde a neve

faz perpetua sentinela é condessa de Atalaia 40 onde sempre o amor peleja

Fazendo feira de flores

as suas mãos de açucenas tão bem na corte de Flora serão condessas da Feira 45 O pé por ser de Solar

inda que pequeno seja por conde de vila Pouca

o tem qualquer que o penetra Para acabar a pintura

50 de Lizes pede licença

quem hoje por senhorias pintou suas excelências

Não é difícil notar a semelhança do poema de Antônio da Fonseca Soares com o de Ariosto. As metáforas usadas para a descrição do rosto são muito parecidas e seguem o decoro de composição do gênero. Entretanto, mesmo usando, em algumas partes, descrições metafóricas semelhantes, os poemas comparados são composições singulares, já que, no romance fonsequiano, a descrição da mulher está inserida em outros campos semânticos, que servem de fontes para criação de outras metáforas.

Dentro do sistema rigoroso do decoro das “composições genéricas”, os poetas mais engenhosos buscam novas possibilidades de combinações, capazes de construir algo que possa surpreender o público. Se pensarmos nas categorias aristotélicas, as quais Tesauro aconselhou como importantes fontes para construção de metáforas, veremos que no romance do Capitão Bonina prevalece a categoria lugar. Nesse poema, a descrição da beleza feminina se faz à maneira de uma descrição topográfica, justificando assim as antonomásias, espécies metafóricas, explícitas no teor encomiástico dos títulos nobiliárquicos concedidos à musa.

A descrição é feita da cabeça aos pés. Sendo assim, a começar pela cabeça, os cabelos da musa são raios, fazendo referência ao sol, vocábulo usado metaforicamente para designar a cor loira dos cabelos. Além disso, dos cabelos

51 Arrochela ou Rochela foi uma importante cidade portuária francesa (cf. BLUTEAU, 1712-1728, p.

ondulados, o poeta cria uma imagem náutica, metaforizando as ondulações do cabelo com ondas do mar.

A testa ou fronte, que em Ariosto é “claro marfim”, comprovando a brancura da pele feminina, outro lugar comum, em Antônio da Fonseca é “jardim nevado” (v. 9). Os olhos são duas fontes e as sobrancelhas também são arcos que, dentro da descrição topográfica do rosto, transformam-se em pontes. As “pestanas” (v. 17-20) servem de mote para glosa da alegoria do amor como guerra. Estas são praça de armas de cupido, o deus do amor. As meninas dos olhos, personificadas, são meninas travessas.

As rosas das faces, de súbito, transformam-se em mar, o que transforma o nariz da musa em “ilha perfeita” (v. 30) e a boca em “breve barca” (v. 34). Enfim, surgem marcas de descrição tipicamente seiscentistas, dentro das características da poesia vulgar, mais erotizantes, quando o eu lírico se refere à garganta (v. 37) ou colo, lugar onde a neve se faz perpétua e na referência às mãos, também muito alvas, e aos pequeninos pés.

A cor branca da neve, como vimos, é termo metafórico que atesta a brancura da pele52 e, sem dúvida, essa construção é a mais usada no corpus deste estudo. Há outras metáforas fósseis que designam a alvura da pele dentro das escolhas fonsequianas, a saber, açucena, lírio, cristal e jasmim. Contudo, aparecem em menor número53.

Nos romances que descrevem a beleza da mulher, ou nos que exploram a temática amorosa ou erótica, os olhos são a parte do corpo feminino de maior poder de sedução. São, por isso, metaforizados como estrelas ou sóis, o que faz com que a mulher, seja ela uma lavandeira, uma fiandeira ou uma ninfa, transforme- se num ser de luz, visto que também os cabelos, geralmente loiros, e a cor branca da pele, mantêm relações com a radiação solar e a claridade respectivamente.

Na seção 1.2.2, “Elocução Peregrina”, tivemos a oportunidade de ver, no romance de número 100, a representação de duas mulheres, Antonia e Francisca, comparadas a uma estrela e ao sol: Antonia é mais “gentil que estrela”; Francisca é

52 Mais adiante, na seção dedicada ao uso da metáfora nos romances eróticos, veremos que, por

meio do contraste de duas metáforas fósseis, a saber, neve e fogo; Antônio da Fonseca Soares cria momentos de puro erotismo.

53 Neve, açucena, lírio, cristal e jasmim, assim como sol e luz, estes últimos utilizados, na maioria das

vezes, como referência aos olhos, foram usados na poesia petraquista e barroca, para conotar hiperbólicamente a beleza feminina e remontam à tradição da poesia provençal (SPINA, 1983; SILVA, 1971).

mais “que o sol bonita”. Não bastasse isso, as duas musas causam inveja ao astro luminoso e, como dois seres luzentes, numa cena fantástica, fazem do anoitecer aurora. Abaixo apresentamos outros exemplos do uso dessas metáforas de luz.

Mil parabéns bela Clory54

o Céu, e o prado vos renda porque nas melhoras vossas é bem que tudo se alegre

De um, e de outro os vossos louros são os troféus igualmente

que se por vós brilha o céu

o prado por vós floresce Chorando o Céu vossos males

de negro luto se vista

que é mui próprio que o céu chore

vendo que o sol adoeça Beliza aquela beldade55

cujas perfeições são tais que a formosura e juízo vivem nela muito em paz Aquela cerca das almas

cuja voz sempre será encanto dos alvedrios

e o pasmo de Portugal Enferma, bem que divina

de uns achaques mostras dá que as divindades também os males se atrevem já Por se livrar das moléstias

que a costumam magoar se negou remédio as vidas por remédio as caldas vai Aquele Sol escondido

entre nuvens de saial

se ocaso fez de um convento do campo eclíptica faz

Nos excertos apresentados, as imagens são retiradas da tradição pastoril. Fonseca bebe dessa fonte e dilui imagens bucólicas em alguns romances. Na Introdução das Bucólicas de Virgílio, Ramos (1982, p. 8) comenta o legado deixado pelo poeta romano:

Passaram-se os dias, com efeito, em que se tomava Virgílio como discípulo de Teócrito. Sabe-se hoje que, sem embargo das influências que sofreu, não só foi ele o verdadeiro criador da pastoral e da poesia arcádica, de tão funda repercussão nas letras do Ocidente, máxima a partir do Renascimento e a estender-se pelo

54 Romance 61. 55 Romance 97.

Barroco e Neoclassicismo, como ainda nos dias atuais têm-se as Bucólicas como suscetíveis de novas elucidações em singular grandeza.

Nesses dois romances, as ninfas Clory e Beliza estão adoentadas. Diante desse fato, padecem com elas o eu lírico e a paisagem ao seu redor. Postas na condição de ídolos, ambas são comparadas ao sol, que é eclipsado por nuvens, isto é, pelos “males” e a “moléstia”. Assim, temos um silogismo retórico, visto que, se o sol perde seu brilho, logo o céu de “negro luto” se veste. Entretanto, com a melhora das beldades, a luz do sol volta a brilhar e as nuvens ou moléstias se vão. Enfim, tudo na paisagem se alegra e felizes agradecem, como no começo do primeiro excerto: “Mil parabéns bela Clory / o Céu, e o prado vos renda / porque nas melhoras vossas / bem que tudo se alegre”.

Outro romance que se utiliza desse tipo de metáfora fóssil, desta vez explorando a temática da morte e o notório efeito de luz e sombra cultivado por poetas e pintores do século XVII, é o de número 104:

Ídolo posto em sombras

luz morta em nuvens negras eclipse vivo em tintas sol desmaiado em trevas 5 Doce saudade minha

lembrança minha Eterna

dalma morto debuxo

dos olhos viva ofensa Suspirada memória

10 e apetecida Ideia

sonho da fantasia

e acordo da firmeza Vinde, vinde aos meus olhos

que estão para esta Exéquia 15 os desvelos de acordo

e as Lágrimas de veia Vinde se há nas batalhas

com que a dor me faz guerra para os gemidos pazes 20 para as lágrimas tréguas Serviram nesta pompa

onde a dor dalma é essa os prantos de elegias os soluços de endechas 25 Vereis como ainda duram

carícias, e ternezas

de um amor que inda passa onde a morte não chega Vereis quanto me custam

30 nas mãos desta violência

mimos de uma ventura

e enganos de uma estrela Mas, Filis, como é isto

estais em minha presença 35 para eu cegar com olhos

e para olhar-me cega Como agora é possível

Que essa vossa beleza

ouça e não responda

40 olhe e não me conheça Como é isto alma minha

como desta maneira

é cadáver de bronze

um coração de cera

45 Que apartamento é este

que em mudanças como estas se antes fez vistas ao longe já faz da vista ausência Respondei-me esses vales

50 derretem-se essas penhas detém-se o ar ao ver-me

param a ver-me as feras E vós minha adorada

não sentis uma queixa 55 que faz mover os montes e faz chorar as pedras Mas que muito se vejo

cortadas, e funestas no tálamo as auroras 60 em flor as primaveras Que muito se estais posto

meu Sol em sombra eterna que nunca dos meus olhos

nas alvas amanheça

65 Em que é muito acabardes

minha Flor depressa

se nunca as maravilhas se julgam perpétuas

Quem há que creia Luz minha 70 que sendo a vista dessa

ontem todo o meu gosto hoje a minha ânsia seja

Quem meu amor diria

que a par dessa Beleza 75 quem de vê-la morreria

morreria de vê-la

Pois não mais meu retrato

não mais de mim se entenda

que o meu mal é ver hoje 80 o que ontem o meu bem era Mas que importa se fica

aquela cópia bela

que amor fez nas distância e o gosto nas presenças

85 Que importa se para a alma

ser lâmina perpétua

sendo as lágrimas tinta foram pincéis as penas Que importa se o meu fado

90 quer que na estampa delas quando vos pinto ao vivo de morta cor vos veja

Ai Filis com que gosto

nesta mortal tristeza 95 o coração, e a vida

em lágrimas vertera

Mas tarde a morte embora porque imortal pareça

e dure embora a vida 100 por crédito da pena

Que se uma pena grande nada pode caber nela

isso menos sentira

se mais cedo morrera 105 Aqui pois nos retiros

das mais rústicas brenhas

que contra o trato humano se armaram de asperezas Nas solidões obscuras

110 com que triste esta selva da noite a sombra enluta

e a luz do dia encerra Junto destes penhascos

e a par desta ribeira 115 donde mil ecos choram

quando uma vós lamenta Morrei para a vida

até que o fim da mesma neste último suspiro 120 abraço vosso seja

Antônio da Fonseca Soares se apropria da imagem metafórica da mulher como astro luminoso, para contrapô-la à escuridão, símbolo da morte. Criam-se, desse modo, antíteses com metáforas fósseis. Isso pode ser facilmente percebido nos versos iniciais (v. 1-4), nos quais o poeta explora esses efeitos por meio de metáforas, antíteses e quiasmos. Luz e sombra são termos metafóricos centrais no poema utilizados com recorrência, principalmente para evidenciar dois espaços e tempos: o do presente (tempo possível) e o das lembranças ou passado (tempo já perdido), representados por imagens da musa ainda viva e por imagens da musa morta; portanto, vida e luz, morte e trevas.

O tema da morte está diretamente ligado a conceitos como tempo, mudança, caducidade e a uma série de tópicas, como a vanitas e o desengano do mundo. Diante dessas questões, o homem seiscentista reflete sobre a fugacidade da vida terrena, as ilusões efêmeras e às práticas viciosas. Tais fatos levam-no ao exercício da virtude e a contenção dos vícios por meio de doutrinas ascético- religiosas (MARAVAL, 1997; CARVALHO, 2007).

Exemplo relevante dessa reflexão a respeito da morte é a Ars Moriendi que durante a Idade Média eram restritas apenas aos monges e ascetas e destinavam-se a “ajudar a bem morrer”. Entretanto, a partir do século XVI passam a ter um alcance mais amplo. O terrível espetáculo da morte era posto diante dos olhos do leitor, para que este, temerário do destino além túmulo, começasse a se preparar para ela não somente nas últimas horas, porém durante toda a vida (SILVA, 2007).

De acordo com Maraval (1997), o homem barroco trata com mais dramatismo temas relativos a sua essência. A experiência dolorosa ou pessimista pode causar uma reflexão moral ou simplesmente servir de matéria para composições tragicômicas. No caso do poema fonsequiano estudado neste trabalho, o que se percebe é uma reflexão sobre o trágico efeito da morte, sobretudo para aqueles que ainda estão vivos e perdem, num apartamento sem volta, sem nenhum aviso, pessoas amadas.

Acontecimentos como esses geram um sentimento de injustiça e também trazem à luz questões, como a finitude e a precariedade da vida. Desse modo, o eu

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