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6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

6.6 Metáforas não-emergentes

Os tópicos discursivos que auxiliaram nomear as metáforas sistemáticas analisadas são violência no interior da escola, violência em outros ambientes, impunidade, riscos da profissão, sistema/governo. Segundo Larsen-Freeman e Cameron (2008) tópicos discursivos funcionam como atratores, que demandaram mais tempo e mais discussão, não permitindo que outros tópicos fossem desenvolvidos, já que demandaram mais energia do sistema para buscarem estabilidade. Uma das possíveis razões, porém, para que outras possíveis metáforas não tenham se desenvolvido são os atratores do discurso, ou seja, as preferências discursivas elegidas pelos participantes do grupo focal. No entanto, a discussão do grupo permitiu observarmos outras metáforas que, embora tenham sido desenvolvidas, não conseguiram obter energia satisfatória para influenciar o sistema e alcançar estabilidade e, portanto, ficaram adstritas a apenas poucos ou um dos participantes, como no caso das metáforas analisadas a seguir.

6.6.1 VIOLÊNCIA É UM ESPETÁCULO

A exemplo das lutas entre gladiadores que ocorriam no do mundo antigo, em nossa sociedade a violência pode ser entendida como espetáculo. Ficamos perplexos com a violência com que os romanos supliciavam seus condenados, matando-os com requintes de crueldade, expondo seu suplício à vista de todos, transformando sua morte em espetáculo. No entanto, naturalizamos crimes hediondos como aborto simplesmente por ser uma gravidez indesejada. A banalização da violência influencia as pessoas a procurarem na mídia entretenimento em programas policiais, não importando se envolve mortes, sangue, etc. O professor Hudson afirma que as pessoas consideram esse

tipo de programação um espetáculo e se preparam para assisti-lo no momento de suas refeições, quando poderiam, segundo ele, dialogar com colegas de trabalho ou com sua família.

Hudson:

504. Mas o grande problema aí é que, 505. .. a gente,

506. tem essa, 507. violência aí,

508. .. é um espetáculo né? 509. Vocês veem esse programa aí, 510. imundo cão,

511. passa exatamente meio-dia,

512. na hora em que a as pessoas estão parando para, 513. almoçar--

514. Em vez de estar conversando com os colegas de trabalho, 515. com os filhos, --

516. .. então isso já cria uma expectativa da violência. 517. As pessoas já estão esperando pelo pior.

A violência física oprime pelo excesso da força corporal ou armada, e a violência simbólica, exclui e domina por meio da linguagem. Essa prática sempre existiu no Brasil e no mundo, usada para manter a ordem, forçar o consenso, na tentativa de unificação. É possível encontrarmos esses tipos de violência em todos os noticiários e próximo a nós: quando temos acesso a informações de agentes do poder público encarregados da manutenção da ordem e da segurança ao realizarem ações truculentas contra traficantes e bandidos; ou quando o Estado, detentor do monopólio da violência simbólica legítima opera violência pelo poder das palavras que negam, oprimem ou destroem psicologicamente os cidadãos.

6.6.2 VIOLÊNCIA É PRODUTO FABRICADO PELA MÍDIA

Os seres humanos se mantêm vivos porque consomem alimentos que garantem seu desenvolvimento. Hudson utiliza veículos metafóricos que sugerem que a violência é alimento humano, ao criticar a mídia que veicula programas policiais em horários de almoço e de jantar. O participante, influenciado pelo contexto da programação da TV, afirma que o homem se nutre de alimentos e também de violência.

Hudson:

537. E eu acho que é isso, 538. eu acho que, 539. essa violência toda, 540. dentro da escola. 541. ela é um produto né? 542. Bem -- 543. ..é vendável né? 544. as pessoas alimentam né? 545. aí dá audiência.

A discussão sobre o conceito de violência, causas, exercício, localização, etc. tem crescido e, por isso, tem se dispersado por áreas da ciência que interessam a pedagogos, filósofos, economistas, juristas, dentre outros. Hannah Arendt e sua caracterização da violência como um instrumento e não um fim está na base de definições que a consideram como uma prática muda, uma vez que as práticas violentas abdicam da linguagem e se utilizam de relações de poder, baseadas na persuasão, influência ou legitimidade (ARENDT, 1994). Outras definições seguem esse paradigma de negar o outro, que é anulado, não possui reconhecimento, nem dignidade, nem é passível de compaixão. Em todas essas definições é claro o pouco espaço destinado ao outro, o qual não tem direito à argumentação, à negociação.

6.6.3.VIOLÊNCIA É DOENÇA ESTRANHA

Nos últimos anos, a sociedade brasileira ingressou no grupo das sociedades mais violentas do mundo. Nosso país tem altíssimos índices de violência urbana, violência doméstica e violência contra a mulher. Na visão de dois participantes, essa realidade é relacionada a uma doença desconhecida que possui sintomas de difícil diagnóstico, conforme podemos perceber na fala do professor Eduardo. A violência, para ele, é uma forma de reação à desigualdade social, ao desrespeito. Adiante, Hudson fala sobre experiências em educação e diz que somos “cobaias” desses experimentos.

Eduardo:

547. E a violência,

548. eu acho assim tem que haver um diagnóstico 549. e um remédio adequado para a violência.

Eduardo:

568. .. Então eu acho que a violência também parte desse princípio, 569. nós não sabemos lidar com ela porque nós nem a conhecemos direito. 570. .. Não sabemos porque aquele rapaz está reagindo de forma violenta.

Eduardo:

582. <X...X> nós não sabemos lidar com a violência, 583. porque não sabemos nem diagnosticar essa violência. 584. .. De onde ela parte?

585. Quais são as causas?

586. e se não sabemos diagnosticar essa doença? 587. Obviamente,

588. Os remédios, 589. nem virão.

590. Não vamos conseguir encontrar o remédio.

Eduardo:

647. .. Eu acho que, 648. ... nesse sentido,

649. nós temos que ver esse lado que o diagnóstico vem através 650. de medicação correta.

Hudson:

662. Experiências em educação já 663. foram feitas exaustivamente,

664. não tenho mais paciência pra discurso de pedagogo 665. que quer fazer experiência.

666. .. Muda o governo e o pedagogo quer mudar tal coisa 667. e muda tudo, né?

668. ... Nós somos sempre cobaias. 669. ... A todo instante

670. mudança no governo

671. acarreta uma perspectiva pedagógica.

A escola, instituição responsável por formar cidadãos em coletividade, não está isenta da violência extramuros. O crime organizado invade o espaço escolar e ameaça a capacidade da escola de gerar e manter certo patamar de consenso, sem o qual um

mínimo de ordem social torna-se impossível inviabilizando seu funcionamento, e a manifestação dos conflitos perde seus limites institucionais.

Outro desafio pertinente a todo sistema educacional se refere à violência psicológica, suposta em qualquer atividade pedagógica, a qual precisa ser mais bem delimitada para que não se confunda a socialização, necessária ao viver em grupo, com o silenciamento daqueles que deveriam estar sendo formados para se tornarem sujeitos com capacidade de argumentação na defesa de seus pontos de vista e interesse. Por outro lado, temos também relatos de casos, em todo Brasil, em que professores são desacatados, ameaçados por alunos, confirmando o fato de que, no ambiente escolar, todos são vítimas.