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5. CONSIDERAÇÕES SOBRE A METODOLOGIA DE PESQUISA

5.3 Aspectos posteriores à realização do grupo focal: análise dos dados

5.3.3 Processo de codificação das metáforas

Reunir o conjunto de metáforas, codificar e encontrar padrões são processos hermenêuticos8 e recursivos que se cientificam, não são passos autônomos, tampouco obedecem a uma sequência. Embora a codificação formal não possa ser iniciada até que a transcrição e identificação tenham sido concluídas, e apesar da codificação e busca de padrões serem descritos neste trabalho em uma sequência linear, na prática, começamos a perceber modelos e questões sobre possíveis padrões mesmo no estágio inicial no estágio de coleta de dados.

Ao identificarmos, por exemplo, um termo o qual nos leva a perceber uma atitude acerca da violência escolar como covardia, mais adiante, na análise, podemos rastrear os dados para ver se essa atitude tem a concordância do grupo, se essa visão é desenvolvida mais profundamente ou de forma mais abrangente por mais de um membro do grupo. A codificação permite organizar os dados de uma forma mais gerenciável do que a transcrição, ela permite que o pesquisador rotule os dados para averiguar possíveis padrões e temas. Cada metáfora é codificada várias vezes por seu tópico, veículo, falante e posição na fala.

A codificação dos tópicos de uma metáfora linguística é o referencial de uma palavra ou frase veículo no mundo real. Muitas vezes, na interação falada não há um tópico discursivo explícito verbalizado (CAMERON, 2007), devemos, nesses casos, inferir sobre que tópico o participante se refere, tendo por base o que ele diz nas próximas unidades de entonação para guiar a nossa interpretação.

Levando em consideração que, em cada análise, trabalhamos uma grande quantidade de metáforas linguísticas na transcrição, torna-se inviável desenvolver e associar um tópico específico para cada veículo. A nossa solução foi simplificar a codificação dos tópicos, através da construção e uso de um conjunto limitado de tópicos discursivos-chave, os quais são relevantes para o tema de nossa pesquisa. A codificação das palavras ou frases veículo foi feita de acordo com o seu conteúdo semântico. Essa etapa sofre influências da TMC, contudo é concebida com a diferença de não haver um pressuposto inicial de que certa metáfora conceitual está ativa quando um falante produz uma metáfora linguística.

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Entendemos por processos hermenêuticos por envolverem a interpretação por parte do pesquisador, o qual busca encontrar sistematicidade nos termos utilizados metaforicamente pelos participantes envolvidos na discussão sobre violência. Assim, a tarefa hermenêutica se torna indispensável, devido à necessidade de organizar as ocorrências metafóricas no grupo focal.

Na abordagem de Lynne Cameron o foco são especificidades. A comunidade de falantes, em geral, é um ponto em que os estudos de Cameron se distanciam dos de Lakoff e Johnson. Para Cameron, não é pressuposto que uma metáfora linguística seja licenciada por uma metáfora conceitual pré-existente na mente do falante que conecta um domínio alvo a um domínio fonte. Neste tipo de abordagem, o veículo da metáfora linguística é a unidade básica de análise, com agrupamentos de veículos desenvolvidos pelo analista para auxiliar na descoberta de categorias e sistematicidades nas metáforas. Para assinalar as distinções ontológicas e empíricas entre as construções teóricas das metáforas conceituais, normalmente escritas em caixa alta, e os agrupamentos que emergem do trabalho com termos veículo, nós os formatamos em itálico.

Os ajuntamentos de veículos são analisados através dos dados, levando-se em consideração os tipos de domínio fonte encontrados na literatura cognitiva, mas sempre guiados pelas peculiaridades da interação falada real. Cada termo veículo é atribuído a um agrupamento que capte a essência do seu significado semântico, uma vez que não pressupomos que os veículos são resultados de domínios fonte fixos e estáticos. No processo de codificação, os agrupamentos permanecem como experimentais, maleáveis e temporários e só realmente definidos no último momento. No estágio final da análise, quando os agrupamentos são confirmados, é feita uma última checagem, para garantir uma codificação consistente.

A tradição cognitiva não fornece resposta correta para a pergunta de como atribuir e rotular uma determinada metáfora. Não há um nível único e adequado de abstração ao qual cada metáfora individual possa ser atribuída (VERVAEKE & KENNEDY, 1996). Definir a extensão de cada agrupamento e escolher terminologias que melhor o descreva é imprescindível para a análise da metáfora. Processo que envolve avaliar as conexões entre metáforas e as evidências discursivas para justificar as decisões tomadas. Estas, por sua vez, contribuem para a percepção de padrões e temas nos dados. Para ser confiável, cada decisão acerca de agrupamentos segue atenciosamente um princípio fundamental desse tipo de análise interpretativa - uma avaliação rigorosa da qualidade e dos limites da ocorrência discursiva que explica aquela decisão.

A coerência é maximizada através de discussões acerca da pesquisa, cruzamento de dados, anotações do projeto que auxiliam na consistência da análise. Contudo, temos que levar em consideração na hora de responder às perguntas da pesquisa sobre conceito de violência das pessoas, como a natureza e os resultados do processo são úteis na

maneira com que nós trabalhamos com os dados codificados para propiciar que encontremos padrões e temas no uso da metáfora.

Embora nos esforcemos para manter o máximo de rigor possível, a metodologia de agrupamento de veículos é hermenêutica e abrange imaginação e criatividade do pesquisador na descrição de como as metáforas melhor se classificam. Inevitavelmente, alguns agrupamentos de veículos metafóricos terão delimitações obscuras, seja por se tratar de um processo hermenêutico, seja por envolver a natureza dinâmica da língua em uso.

Os resultados da codificação de metáforas são possibilitados depois de serem atribuídos um conjunto completo de códigos a cada metáfora na transcrição. Os dados foram sintetizados de uma forma que possam ser gerenciáveis, para avaliar hipóteses ou estabelecer tendências. As metáforas permanecem em seu contexto discursivo, conectadas a ele assim como na transcrição. Os dados que são produto da codificação podem ser usados de duas maneiras para fornecer uma descrição quantitativa dos dados, bem como explorar redes de metáforas em uma descrição qualitativa.

A definição da pesquisa qualitativa para este trabalho se constitui como processo importante a ponto de alterar os resultados ao final das análises. Segundo Brandão (2000), “construção do objeto” diz respeito, entre outras coisas, à capacidade de optar pela alternativa metodológica mais adequada à análise daquele objeto. Nossas conclusões somente são possíveis em razão dos instrumentos que utilizamos e da interpretação dos resultados a que o uso dos instrumentos permite chegar, relatar procedimentos de pesquisa, mais do que cumprir uma formalidade, oferece a outros a possibilidade de refazer o caminho e, desse modo, avaliar com mais segurança as afirmações que fazemos.

Durante a realização de nossa pesquisa, fizemos algumas escolhas de imediato, enquanto outras foram terminadas no decorrer da coleta de dados, até mesmo posteriormente à coleta. Neste trabalho, optamos pelo recurso da pesquisa qualitativa que, apesar dos riscos e dificuldades que impõe, revela-se sempre um empreendimento profundamente instigante, agradável e desafiador.

Realizamos um grupo focal entre sete professores, com questionamentos voltados para a realidade com a qual convivem diariamente em sua profissão, situações de violência escolar. Temos o objetivo de compor o universo de investigação que permita qualidade das informações a partir das quais será possível construir a análise e chegar à compreensão mais ampla sobre a emergência de metáforas sistemáticas no

discurso dos participantes, bem como sobre a conceitualização de violência por esse grupo. Optamos pela pesquisa qualitativa especialmente por que fornecem dados muito significativos e densos, mas, também, sentimos a necessidade de gerenciamento desses dados, caso contrário se tornariam difíceis de serem analisados. De modo geral, após a realização do grupo focal, que teve duração de 52 minutos, realizamos a transcrição para unidades de entonação. Esse material foi organizado e categorizado segundo critérios relativamente flexíveis e definidos, de acordo com os objetivos da pesquisa (CAMERON & STELMA 2004).

Durhan (1986) alerta para as muitas armadilhas embutidas no processo de identificação subjetiva que se estabelece nesse tipo de coleta de dados, especialmente quando pesquisador compartilha um mesmo universo cultural. Nesses casos, adverte, corre-se sempre o risco de começar a explicar a realidade exclusivamente pela ótica do interlocutor. De acordo com Velho (1986), o risco existe sempre que um pesquisador lida com indivíduos próximos, às vezes conhecidos, com os quais compartilha preocupações, experiências, dificuldades, concepções. Trata-se de um trabalho árduo e, numa primeira etapa, mais “braçal” do que propriamente analítico.

Após a etapa de organização do material coletado, procedemos a um mergulho analítico profundo nas teorias que fundamentam este trabalho como a TMC, Teoria dos Sistemas Dinâmicos Complexos, abordagens de Cameron (2003) para a metáfora, de modo a produzir interpretações e explicações que procurem dar conta, em alguma medida, do problema e das questões que motivaram a investigação. Realizamos muitas leituras do material de que se dispomos, cruzando informações e interpretando respostas, buscando com certo grau de objetividade, o que se depreende da interpretação dos dados.

Assim, fragmentos de discursos, trechos de entrevistas, expressões recorrentes e significativas constituem traços, elementos em torno dos quais construir-se-ão hipóteses e reflexões, serão levantadas dúvidas ou reafirmadas convicções. Aqui, como em todas as etapas de pesquisa, é preciso ter olhar focalizado na teoria, operando com referencial teórico.

Para estabelecer provas de padrões metafóricos e temas emergentes que respondam às questões da pesquisa, a análise dinâmica e dialógica usa os dados codificados. No estágio de codificação, certos padrões de uso de metáforas começam a se revelar para o analista. Nessa fase qualitativa e interpretativa do trabalho empírico,

tais padrões sugestivos são examinados minuciosamente para constatar se há provas suficientes que possam garanti-los como descobertas.

A análise semântica do agrupamento de veículos é contrastada com a análise das metáforas em ação à luz das dinâmicas do discurso. Um intervalo conectado de metáforas na organização pode sugerir que se volte à transcrição para lançar um olhar mais próximo à interação e à função discursiva das metáforas: as ideias, atitudes ou julgamentos que metáforas são usadas para afirmar, negociar, endossar ou resistir. Tendo por fundamento a abordagem da metáfora conforme desenvolve Lynne Cameron e o quadro teórico da dinâmica do discurso, buscaremos proceder à análise dos dados obtidos no grupo focal, em que professores da rede pública estadual de ensino dialogam acerca de violência escolar e de seus desdobramentos.