• Nenhum resultado encontrado

4. SISTEMAS DINÂMICOS COMPLEXOS

4.2 Metáforas Sistemáticas a partir do discurso, em uma perspectiva de sistemas

A utilização da metáfora como ferramenta para revelar o conceito de violência no discurso de professores por meio da Análise do Discurso à Luz das Metáforas é desenvolvida por Lynne Cameron e estudada à luz da dinâmica do discurso, dentro de uma perspectiva de sistemas dinâmicos complexos. Lynne Cameron postula que, para a compreensão de metáforas, é imprescindível estudá-la como parte da língua em uso, a qual è entendida como sistema complexo e não como manifestação de uma competência fixa e inata. Contudo, processamentos cognitivos não serão desprezados, pois são bastante importantes nos primeiro estágios do desenvolvimento dos recursos necessários a uma efetiva atuação de usuários da língua.

Pensamento e linguagem são atividades dinâmicas que exigem interpretação constante por parte dos participantes e a adequação regular dessa compreensão, ao passo que ideias e intenções evoluem no decorrer de discurso. A emergência de metáforas no discurso se dá na tentativa de equilibrar a dinâmica do discurso. Desse modo, expressões metafóricas são geradas quando os interlocutores se referem a determinados assuntos através de usos recorrentes, expressões que se repetem, numa espécie de pacto conceitual.

Esperamos encontrar inúmeras ocorrências de expressões metafóricas no discurso de professores, no momento em que falam sobre os aspectos vários da violência escolar, como família, sociedade, contexto social, etc.. Dessa maneira, salientamos que, as metáforas não têm significados semelhantes em diferentes contextos, mas são construídas e recriadas a depender do contexto e da experiência individual do falante.

Gibbs e Cameron (2007) usam a metáfora do jogo da sinuca para explicitarem o conceito de sistema dinâmico, em que a bola usada para encaçapar as demais tem o poder de modificar o jogo e precisa ser movimentada a partir da atual configuração da partida (GIBBS E CAMERON, 2007). Duas tacadas dificilmente são iguais, uma vez que dependem da disposição atual das bolas. Portanto, da mesma forma que um jogo de sinuca é imprevisível, os sistemas dinâmicos também o são. As metáforas discursivas são usadas conforme a atual configuração do discurso, nem estão armazenadas na mente dos falantes, elas têm seu uso relacionado à natureza do discurso e ao assunto tratado no momento de interação. Exemplos utilizados em algumas análises de Cameron foram

retirados do contexto de uma busca pela reconciliação entre a filha de uma de suas vítimas e agressor, através de uma conversa face-a-face, método entendido como “conversar-e-pensar”.

Cameron (2007) analisa as metáforas que emergem durante o discurso, o qual evolui e é negociado durante as falas dos interlocutores. A essas metáforas, Cameron (2007) chama de veículos metafóricos. O veículo metafórico pode ser entendido como um item lexical que tem seu significado contrastado com o significado que se apresenta no contexto discursivo, isto é, um significado especial para determinado discurso.

Em um primeiro momento, quando o veículo emerge, há certa instabilidade no discurso, até o momento em que o outro utiliza o mesmo veículo metafórico ou expressões relacionadas a ele para comunicar os seus sentimentos e pensamentos. O conjunto acumulado de veículos conectados ou relacionados é denominado como metáfora sistemática emergente, a qual é definida em termos de estabilização temporária na dinâmica discursiva e pode variar na frequência, nas formas gramaticais e lexicais, e no significado, além de permitir revisitar o tópico através de termos relacionados a ela durante a progressão do discurso. Essas metáforas são mais específicas e adequadas ao discurso que as metáforas conceituais. No centro de uma abordagem de sistemas dinâmicos complexos há uma compreensão dos fenômenos linguísticos e cognitivos como processos, fluxos ou movimentos, não como objetos (CAMERON, 2003).

Na análise das metáforas, as transcrições são consideradas como um ‘vestígio’ de atividade do discurso que aconteceu em tempo real. A atividade do discurso é vista como desdobramento do sistema dinâmico complexo que é o grupo de professores engajados em sua discussão. Os falantes constroem suas ideias com base no que os outros falam, sobre suas próprias ideias, discordam uns dos outros, desse modo eles oferecem alternativas para que o sistema dinâmico do discurso se desenvolva, adapte-se e flua.

O sistema da dinâmica do discurso nasce da interação dos subsistemas de cada falante. Em cada indivíduo podemos identificar outros subsistemas que interagem enquanto as pessoas participam na fala, como por exemplo, sistemas de linguagem dinâmicos e complexos, sistemas cognitivos complexos e dinâmicos, os quais interconectados também se conectam para fora com sistemas ambientais e socioculturais.

Sob a perspectiva da dinâmica do discurso, a metáfora se torna processual, emergente, e aberta a mudanças. O estudo sob esse enfoque se interessa pela metáfora

não como uma “ferramenta” ou algum outro tipo de objeto que é colocado em uso, mas com um olhar processual sobre a atividade da metáfora. Uma metáfora não é parte do sistema, numa perspectiva dinâmica, há apenas o uso.

Através de auto-organização e emergência, metáforas e sistemas de metáforas podem se consolidar no discurso, essa estabilidade, no entanto, é dinâmica, aberta a mudanças posteriores, e acompanhada por flexibilidade. A flexibilidade ou variabilidade em torno dos fenômenos estabilizados permite a possibilidade de mudanças posteriores no fluxo contínuo do discurso. Metáforas linguísticas, ou então

metaforemas (CAMERON E DEIGNAN, 2006), se estabilizam como preferidas e como

propriedades associadas de pragmática e semântica que emergem a partir da interação. A depender da atividade comunicativa, elas podem continuar a mudar ou podem seguir na forma estabilizada por um longo período de tempo (BOWDLE & GENTNER, 2005). Nos estudos de Lynne Cameron, a conexão entre metáfora linguística e metáfora conceitual não é mais entendida como tendo origem do pensamento e se manifestando na linguagem (LAKOFF E JOHNSON, 1980), é, no entanto, uma das interações entre linguagem e pensamento. Aquilo que é dito tanto reflete quanto afeta o pensamento. Uma perspectiva dinâmica da relação entre pensamento e linguagem nos leva a concluir que, do mesmo modo que as palavras utilizadas pelas pessoas são verbalizações fluidas e experimentais de ideias, as metáforas podem, igualmente, ser fluidas e experimentais. Notamos que ideias e atitudes são influenciadas pelas circunstâncias do discurso no qual os falantes estão envolvidos, incluindo outros participantes através da linguagem (CAMERON, 2003, 2004).

Considerando-se a inevitável influência de outros participantes do discurso no que é proferido, necessitamos adicionar o quadro teórico do dialogismo, com sua visão bakhtiniana da linguagem como algo continuamente moldado pela interdependência de si e do outro (LINELL, 1998). O dialogismo analisa expressões e intercâmbios, não só como produto de influências das reações dos outros participantes, mas também das percepções dos falantes do que seus ouvintes pensam e como esses ouvintes podem interpretar o que eles dizem adentrando o território aperceptivo do outro (BAKHTIN, 1981). Para exemplificar, citamos o caso de que, em uma discussão em grupo focal, falantes expressam ideias que são parciais ou incompletas, testando-as com vários graus de confirmação, ao mesmo tempo em que avaliam e reagem à sua recepção por parte dos outros participantes envolvidos no discurso. O participante Paulo, antes de se comprometer em afirmar que não se sente ameaçado pelos alunos por morar próximo a

seu ambiente de trabalho, interroga outra participante que, assim como ele reside nas proximidades da escola, a qual interage com ele por meio de gestos positivos com a cabeça, concordando com o fato de que morar aos arredores não interferia no sentimento de ameaça.

Paulo:

911. Não sei se acontece contigo Natali, 912. a gente que mora aqui perto da escola? 913. Dentro da sala de aula,

914. pode até ser que aconteça alguma, 915. chacota

916. só pra chamar atenção dos outros,

917. porque aluno gosta de chamar atenção, né? 918. .. Mas,

919. ... quando fora da escola?

920. eu moro aqui próximo e vejo muitos deles. 921. Eles fazem questão de dizer: