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3 AS MARCAS DA PAISAGEM ALÉM DAS FRONTEIRAS:

5.3 Metodologia de classificação e valoração dos Locais de Interesse

A temática da geoconservação está se transformando em uma área de vanguarda e interface com as demais geociências e, dentre elas, também a geografia, que busca uma possibilidade de reforçar o debate em torno da conservação da paisagem. Ao se aproximar da geoconservação, a geografia se apropria também de suas ferramentas e metodologias.

Produto e registro de uma sequência de acontecimentos que constituem a evolução do planeta e da sociedade ao longo do tempo, algumas paisagens precisam ser conservadas. Avaliar e quantificar o patrimônio paisagístico de um território não constitui tarefa simples. Realizar um inventário paisagístico de uma região é uma atividade complexa. Por isso, é importante deixar claro a importante contribuição que a geoconservação traz para esta etapa da pesquisa.

Todas as etapas da geoconservação – inventário, quantificação, classificação, conservação, valorização, divulgação e monitoramento – precisam ser baseadas em critérios estabelecidos de acordo com os objetivos do trabalho e com as especificidades do território que se pretende estudar. Dessa forma, antes de propor estratégias de conservação é preciso definir uma metodologia que permita avaliar o patrimônio paisagístico em questão.

Neste trabalho, foram analisadas diversas metodologias, aplicadas em áreas territoriais específicas, as quais vêm sendo utilizadas para inventariar e avaliar o geopatrimônio no Brasil e em Portugal. Assim, na tentativa de identificar os locais de interesse paisagístico – LIP’s do Pampa uruguaio-sul-rio-grandense visíveis a partir das estradas, bem como de reconhecer os elementos abióticos, bióticos e antrópicos que o compõe, é apresentada aqui uma proposta de inventário e quantificação do patrimônio paisagístico, adaptada de diferentes métodos (e fichas) de avaliação do

geopatrimônio (patrimônio geológico e geomorfológico) de Pereira (2006), Lima (2008), Nascimento et al. (2008) e Fassoulas et al. (2012).

O primeiro passo para elaboração de uma Ficha de Avaliação para os LIP’s foi definir o âmbito e os objetivos do inventário. No caso deste trabalho, conforme apontado anteriormente, foram identificados os LIP’s do Pampa uruguaio-sul-rio- grandense visíveis a partir das estradas, na tentativa de tornar a estrada também um eixo integrador de paisagens e, consequentemente, da conservação destas. Definidas tais questões, juntamente com a escala e o território a ser considerado, construiu-se a primeira etapa da ficha de avaliação (Anexo I), com informações básicas para localização e identificação do LIP. No intuito de contemplar uma avaliação qualitativa, os itens 2 e 3 da ficha referem-se ao interesse patrimonial (tipos de valor e grau de importância) e à síntese das principais características (descrição sumária, interesses principais para conservação - geoconservação, bioconservação e/ou conservação do patrimônio cultural, e evolução paisagística).

Em seguida, passou-se para a quantificação do patrimônio paisagístico e do seu valor turístico. A avaliação numérica que originou o valor paisagístico (VPais = 100%) foi subdividida em valor geológico-geomorfológico (VGeo = 20%), valor cultural (VCult = 20%), valor ecológico (VEco = 20%) e valor estético (VEst = 40%), contemplando os elementos abióticos, antrópicos e bióticos da paisagem. O valor estético é incluído com maior peso por ser considerado mais relevante em função do objetivo da pesquisa, que envolve a atratividade turística e a importância do fator visual para quem interage com uma paisagem desde a estrada ou rodovia. Assim, o VPais foi calculado a partir da média ponderada de todos os valores.

A variável VGeo é resultado da avaliação de 7 indicadores:

a) Abundância/Raridade relativa do LIP dentro da unidade de paisagem; b) Integridade do LIP em função da deterioração;

c) Representatividade do LIP como recurso didático do ponto de vista da geomorfologia;

d) Diversidade de elementos geomorfológicos e sua importância; (visibilidade de mais de uma unidade de paisagem no mesmo mirador/ponto);

e) Elementos geológicos no controle geomorfológico ou com valor patrimonial; f) Existência de conhecimento científico associado ao LIP;

g) Abundância/raridade do LIP dentro da área de estudo (Pampa Brasil- Uruguai).

Cada indicador recebeu uma nota que variou entre 3, 5, 7 ou 10. Sendo assim, quanto maior a raridade (menor número de ocorrências dessa paisagem houver na unidade de paisagem e na área de estudo), menor deterioração, melhor exemplo de evolução geológica e recurso didático, maior variedade de elementos com interesse geológico-geomorfológico, maior diversidade de locais de interesse geológico e maior produção científica sobre o LIP avaliado, maior será o seu VGeo.

A variável VEco é resultado da avaliação de 8 indicadores:

a) Abundância/Raridade relativa do ecossistema/habitat dentro da unidade de paisagem;

b) Integridade do(s) ecossistema(s)/habitat em função da deterioração; c) Representatividade do(s) ecossistema(s)/habitat como recurso didático; d) Diversidade de elementos biológicos visíveis a partir da estrada;

e) Existência de fauna ou flora rara, endêmica, ameaçada de extinção e/ou protegida por lei;

f) Relação do ecossistema/habitat com as formas de relevo;

g) Existência de conhecimento científico associado ao(s) ecossistema(s)/habitat;

h) Abundância/raridade do(s) ecossistema(s)/habitat dentro da área de estudo. Cada indicador recebeu uma nota que variou entre 0, 3, 5, 7 ou 10. Assim, quanto mais raro/singular, mais preservado, mais ilustrativo e didático, mais diversificado e rico em espécies importantes, mais adaptado às condições de relevo e mais conhecido o ecossistema relacionado ao LIP, maior o seu VEco.

A variável VCult é resultado da avaliação de 7 indicadores:

a) Apropriação/utilização de elementos da paisagem por populações próximas para atividades econômicas tradicionais sem causar impacto negativo à paisagem;

b) Influência da paisagem na identidade local, em seus mitos, lendas, história ou religião, etc.;

c) Uso da paisagem em símbolos locais (municipais ou departamentais); d) Uso da paisagem em manifestações artísticas;

e) Compatibilidade entre o uso da terra e a integridade da paisagem; f) Presença de práticas culturais tradicionais;

g) Hábitos e costumes da região.

Cada indicador recebeu uma nota que variou entre -10, -1, 0, 3, 5, 7 ou 10. Assim, quanto maior a apropriação dos elementos da paisagem por populações

próximas em suas atividades econômicas, maior influência na identidade local, maior uso em seus símbolos locais e em manifestações artísticas, maior o VCult do LIP. Da mesma forma, quanto mais elementos culturais tradicionais compuserem a paisagem e quanto maior a compatibilidade entre uso da terra e a integridade da paisagem, contribuem para uma melhor avaliação do LIP. Caso a paisagem seja capaz de ilustrar perfeitamente os hábitos, costumes e/ou tradições da região, o LIP recebe nota 10, porém, caso os elementos da paisagem, em seu estado atual, além de não ilustrarem, também constituam uma degradação ou agressão à cultura local, sua pontuação é negativa (-10).

Nesta abordagem cabe reforçar que, de acordo com García et. al. (2010), os elementos antrópicos que se encontram na paisagem e que adquirem uma magnitude de “intrusão” e/ou fragmentação da paisagem são valorados negativamente; já aquelas paisagens que contenham uma cena típica da cultura tradicional da região são valoradas positivamente porque contêm valores patrimoniais associados ao uso, forma de vida e arquitetura coerentes com a paisagem que os cerca.

A última variável que compõe o VPais é o Valor Estético (VEst). Neste contexto, as áreas visíveis são examinadas segundo a presença de estruturas como água, árvores, afloramentos de rochas, visadas (vistas), topografia, estruturas históricas, etc. As características da composição das paisagens podem ser avaliadas em termos de cor, linha, forma, unidade, textura, grau de conservação, amplitude visual, condições de visibilidade e irregularidade na topografia. A princípio, estes juízos são transformados em índices numéricos, valorados e somados para refletir o conjunto da qualidade cênica, ou seja, o valor estético, da área estudada.

No contexto da amplitude visual, ou ângulo de visualização, ou ainda da bacia visual (BERNALDEZ, 1985), a distância/localização do observador para uma correta visualização da paisagem é um aspecto importante para uma boa apreciação e interpretação, pois conseguirá uma melhor síntese dos elementos que compõem a paisagem. Da mesma maneira, a presença de sombra ou nebulosidade podem prejudicar a visibilidade da paisagem, o que Bernaldez (1985) classifica como “legibilidade” da paisagem. No indicador “forma” considera-se a linha ou silhueta do elemento principal ou dominante que se observa (ESCRIBANO et al., 1991); e, no indicador “textura”, o efeito da rugosidade que contém o cenário e que pode ser percebida pelo observador (ESCRIBANO et al., 1991). É um efeito da granulometria ou irregularidade que apresentam os elementos que compõem o cenário (GARCÍA et

al., 2010). Esses fatores podem também ser percebidos através das diferentes formas

de ocupação e uso do solo.

Sendo assim, o VEst resulta da avaliação de 9 indicadores: a) Cores e tonalidades distintas;

b) Diversidade de elementos (forma de relevo em destaque, rocha exposta, vegetação, água, fauna visível, marcas culturais);

c) Mosaico de texturas (diferentes texturas de cercas, postes, casas, rochas, vegetação de grande porte, campos, etc.);

d) Ângulo de observação/amplitude visual; e) Condições de visibilidade;

f) Irregularidade na topografia;

g) Singularidade/raridade da paisagem;

h) Animais ou vegetais notáveis, com visibilidade a partir do ponto de observação;

i) Preservação.

Cada indicador recebeu uma nota que variou entre 0, 3, 5, 7 ou 10. Para resultar em um VEst alto, o LIP precisa apresentar variações visíveis de cores e tonalidades, com grande diversidade de elementos, possuir um mosaico amplo de texturas, um bom ângulo de observação, boas condições de visibilidade, formas e linhas irregulares, abruptas, com desníveis significativos, possuir raridade, ser bem preservado e contar com a presença de espécies animais e/ou vegetais nativas.

Mesmo que as características estéticas possam ser consideradas subjetivas ou até mesmo superficiais, como aponta Otero (2006), elas possuem uma importância decisiva. Desde a perspectiva do planejamento, elas podem indicar o potencial turístico de uma região e, como tal, podem ser aproveitadas para alavancar atividades que levem ao desenvolvimento econômico e social do território.

Além do VPais, composto por todos os valores citados, há também o Valor de Uso (VUso) que resulta da avaliação de 6 indicadores:

a) Condições de acessibilidade; b) Condições de visibilidade;

c) Proximidade com cruzamentos entre estradas; d) Conectividade entre pontos de observação; e) Proximidade a povoados/centros urbanos;

Da mesma forma que nos itens anteriores, cada indicador recebeu uma nota que variou entre 0, 1, 3, 5, 7 ou 10, e o maior VUso será do LIP mais acessível, disponível para o maior número de pessoas, com maior visibilidade, conectividade e proximidade a povoados e a outros pontos de observação.

Identificados cada um desses valores, foi necessário ponderar também o Risco de Degradação (RD) para, posteriormente, identificar o Valor Turístico (VTur) de cada paisagem.

O RD é o resultado da avaliação de apenas 3 indicadores: a) Integridade em função da deterioração;

b) Vulnerabilidade da visualização à deterioração antrópica; e c) Relação com a presença de áreas protegidas.

As notas atribuídas são de 0, 3, 5, 7 ou 10. Quanto mais vulnerável, mais deteriorado e mais distante de uma área protegida, maior será o RD do LIP.

Em síntese, para que determinada paisagem possa ser considerada com alto potencial turístico, é preciso que esta apresente um elevado VPais, somado a um elevado VUso e com um RD baixo. Sendo assim, a fórmula básica utilizada nesta definição é a seguinte:

(VPais + VUso) – RD = VTur

Para a execução desta proposta de inventário e aplicação da ficha de avaliação dos LIP’s, realizaram-se alguns trabalhos de campo. Estes, por serem de grandes distâncias (muitas vezes por setores previamente desconhecidos da ecorregião do Pampa uruguaio-sul-rio-grandense), precisaram também ser minuciosamente planejados. Foi necessária organização técnica e financeira, atenção às questões meteorológicas, de sentido do percurso, de velocidade controlada e de observação das paisagens.

Sobre esta última, é importante ressaltar que as experiências fisiológicas realizadas com condutores de automóveis para analisar seus comportamentos (AGUILO ALONSO, 1984) demonstraram, há muito tempo, a dependência do alcance visual e da amplitude do cone visual em função da velocidade. Demonstrou-se que, em maior velocidade, o alcance visual é maior e o ângulo visual é menor. Ou seja, se aumenta a velocidade, o centro de atenção do condutor se desloca para frente e se estreita. Por exemplo, a 70km/h um condutor normal aprecia de 30º a 40º de cada

lado. Se a sua velocidade aumenta para 100km/h, verá menos de 20º para cada lado (AGUILO ALONSO, 1984). Esta informação, além de auxiliar na melhor obtenção dos resultados da pesquisa, é fundamental para justificar uma posterior solicitação de redução de velocidade nos trechos selecionados como estradas paisagísticas.

Nesta fase de campo, na qual se percorrem as estradas valorando os diferentes trechos de forma global, se assume diretamente o risco da subjetividade. Pode-se afirmar que o fator ou critério mais utilizado para definição das paisagens é, sem dúvida, a topografia – o relevo, as formas do terreno – seguido da vegetação ou tipo de cobertura vegetal. As construções também auxiliam na definição dos LIP’s, podendo ser considerados de forma negativa ou positiva, conforme salientado anteriormente (VCult).

É importante ressaltar que não existiu intenção de elaborar uma proposta padrão para inventariar e quantificar paisagens que estejam fora do contexto desta pesquisa. Ao contrário, acredita-se que cada ambiente possui sua singularidade e que esta precisa ser considerada na avaliação. A proposta possui o intuito de apresentar uma nova possibilidade de quantificação que pondere também outros elementos, que não apenas os abióticos, na avaliação.

6. CONSTRUINDO NOVOS CAMINHOS NO PAMPA