• Nenhum resultado encontrado

2 – Michel Foucault e Judith Butler e a perspectiva pós-estruturalista: contribuições, limites e fronteiras

COGNOSCIBILIDADES OUTRAS

I. 2 – Michel Foucault e Judith Butler e a perspectiva pós-estruturalista: contribuições, limites e fronteiras

Apesar da resistência ao enquadramento pelos filósofos, pode-se situar com mais precisão Michel Foucault e Judith Butler como parte de um movimento de revolução dos sistemas de pensamento que afetou diversas searas. O pós-estruturalismo não se restringe somente a uma corrente filosófica. Iniciado na década de 1960 foi uma onda crítica que atingiu diversos campos de pesquisa como a literatura, a política, as artes, a história, a sociologia e o direito, dentre outras. A heterogeneidade dessa perspectiva dentro da filosofia não pretende ser aqui abordada, porém contextualizar Foucault e Butler nessa corrente mostra-se fundamental para o esforço de diálogo que se pretende entre essa corrente e os pensamentos pós-coloniais, decoloniais e as epistemologias do Sul.

Nomes importantes da filosofia nortista como Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Jean-François Lyotard, Michel Foucault, Julia Kristeva podem ser situados nessa corrente de pensamento, porém sem que suas teorias se encaixem perfeitamente nas caixas conceituais e nos pressupostos discursivos que assimilariam ao invés de expandir suas idéias. A pluralidade de formas de pensamento, a complexidade das análises e as problematizações desses autores são sistematicamente difusas e não podem ser homogenizadas sem que isso enseje uma perda aos esforços teóricos por eles desenvolvidos, porém, pontos de convergência podem ser identificados.

O movimento na filosofia surgiu como uma necessidade de resposta ao conformismo da filosofia estruturalista, que, de forma sintética, de forma determinista, compreendia as formas de pensamento, as subjetividades, verdade e moral inseridas em estruturas e a elas condicionadas para sempre ou até o momento em que tais estruturas mudassem por si próprias. A única certeza, a única verdade, presente no pós- estruturalismo filosófico é sua função crítica que desconfia daquelas questões já superadas que alcançaram o patamar de naturalizadas.

A necessidade de ir além do estruturalismo surgiu a partir da desconfiança de determinados pressupostos que conduziam as formas de pensamento e as formas de agir à uma manutenção de um status quo. Nesse sentido, questionar tais verdades estáveis, quem sabe, poderia trazer rachaduras nessas estruturas inatingíveis supostamente inteligíveis em sua totalidade. Nesse sentido, afirma James Willams que “(...) esta segurança negligencia os papéis perturbadores e produtivos de limites irregulares da estrutura” (2013, p. 14).

Em síntese, o pós-estruturalismo vem para compreender que, dentro das formas de pensamento, os limites são pressupostos para manutenção do âmago de determinadas questões e, por conseguinte, tais limites deveriam ser forçosamente questionados na expectativa de compreendê-los ou, quem sabe, expandi-los. As formas monolíticas de pensar a realidade do estruturalismo tornam-se desconfiáveis, devendo seus alcances ser projetado de forma difusa, multidimensional, a fim de compreender concretamente a construção de verdades sobre o pensamento, sobre a moral, sobre a justiça. O limite dado, por exemplo, à uma norma, é o que a construirá e definirá seus produtos:

(...) qualquer forma estabelecida e conhecimento ou bem moral é feita por seus limites e não pode ser definida independentemente deles. Significa também que qualquer exclusão desses limites é impossível. Os limites são a verdade do cerne e quaisquer verdades que neguem isto são ilusórias ou falsas. A verdade de uma população está onde ela está mudando. A verdade de uma nação está em suas bordas. (WILLIAMS, 2013, p. 15)

A produção crítica dos filósofos pós-estruturalistas vem para desconfiar de determinados regimes de verdade, de determinismos, naturalizações e fronteiras a fim de se expandir, subverter, resistir às estruturas desafiando seus limites ilusórios, de difícil cognoscibilidade, a fim de rastrear seus efeitos. Os limites dados não podem, por si, ser compreendidos, mas seus efeitos, suas diferentes caracterizações permitem questionar essencialismos produzidos dentro essas estruturas multidimensionais.

Por se comprometer com a análise dos efeitos das estruturas e seus limites dados, o pós- estruturalismo filosófico não pretende comprometer-se com metodologias típicas das ciências sociais ou com paradigmas. Tal corrente filosófica radicaliza a análise crítica das tradições, questionando-as em seus dogmas. Nesse sentido, pensar esse potencial para questionar verdades como sexualidades, gênero, raça e desigualdades sociais propicia toda uma capacidade de atuação, de agência, a fim de mudar a realidade ao seu redor até quando isso for possível e, alcançado tal limite, questioná-lo também.

Michel Foucault, por acreditar que categorias são ilusórias e, nesse sentido, ideológicas não se compreendia imerso no pós-estruturalismo. Via-se como um crítico da modernidade. Contudo, seus métodos genealógicos e arqueológicos corporificam bem o que foi dito até então da corrente filosófica que o situaremos. O pensamento de Judith Butler, por seu viés anti-identitário, também recusa categorias, porém, também se utiliza de marcos teóricos e metodologias do pós-estruturalismo para, por exemplo, compreender a construção discursivo-cultural do gênero, das sexualidades, do sexo e do desejo. Por tal razão, situar-se-ão ambos os autores dentro do pensamento pós-

estruturalista ressaltando que suas filosofias, tal como de todos os outros autores citados, escapam, criticam e muitas vezes negam pressupostos pós-estruturalistas. Porém, pela constância crítica proposta, nada mais coerente que uma constante autocrítica a fim de evitar novas verdades universais.

Qual seria então a contribuição do pós-estruturalismo para a discussão levantada na dissertação? A constante crítica aos regimes de verdade e o desencobrimento das estruturas sócio-políticas que subordinam subjetividades, umas em detrimento das outras. O pensamento decolonial tem tal crítica em seu cerne: como a Modernidade invisibilizou um processo profundo de subjetivação eurocentrada ao Sul, racializando, generificando e cisheteronormatizando corpos e subjetividades a partir de regimes de verdade que produzem e reproduzem a matriz moderna/colonial. Ademais, os pensamentos pós-coloniais, decoloniais e as epistemologias do Sul têm muito a aprender com a crítica pós-estruturalista no que diz respeito à essencialismos e reproduções de binarismos que contribuem para a sustentação dessa mesma matriz que se pretende criticar. Contudo, o pós-estruturalismo também tem muito a aprender com os pensamentos e teorias vindos a partir do Sul, uma vez que tais perspectivas são eurocêntricas e nortistas, por exemplo, a concepção foucaultiana de modernidade23 não abarca o colonialismo que viabilizou economicamente, cientificamente e epistemologicamente o desenvolvimento da Europa e dos Estados Unidos ao ponto em que se encontram hoje.

Críticas a Foucault acusando-o de se ater tanto às discursividades que se esquece dos sujeitos, tal como à Butler que aborda com timidez perspectivas interseccionais e estruturas sociais que condicionam capacidade de agência e articulações podem ser feitas bem como o protagonismo dos discursos em um suposto detrimento do corpo. Inúmeras outra constantemente são trazidas à tona, mas essa abertura para o questionamento é algo fundamental ao pós-estruturalismo. Nem Foucault, nem Butler pretenderam reverter o pólo de hegemonia e colocar suas teorias em enquadramentos irrefutáveis de universalização e de descontextualização no tempo e no espaço. Suas filosofias não se pretenderam regras gerais, mas sim abrir o caminho para perspectivas outras não necessariamente concordantes, mas definitivamente críticas. Nesse sentido, a fim de questionar o tratamento das minorias LGBT+ na ditadura civil-militar em Belo

23 “(...) A modernidade foucaultiana , a atitude de modernidade (...) se propõe elaborar a partir do que somos, histórica e contingentemente, a possibilidade de ser e pensar de outras maneiras. Sabe que o aumento das capacidades racionais , técnicas e científicas, não implica necessariamente um aumento das liberdades e, muitas vezes, antes muito pelo contrário” (CASTRO, 2017, p. 150)

Horizonte produzir um diálogo entre o pós-estruturalismo foucaultiano e butleriano com os pensamentos pós-coloniais, decoloniais e as epistemologias do Sul é justamente colocar em termos práticos nesse contexto “sudaca” toda a potência subversiva de ambas as teorias a fim de contribuir para uma sociedade mais democrática e quem sabe, mais solidária.

I. 3 – Sexualidades e Modernidade/Colonialidade: uma questão epistemológica

Documentos relacionados