• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I – Enfoques sobre a segregação

4. Indicadores de segregação: a questão da escala

3.3. Micro-segregação

Renda do chefe no micro-ambiente (500m)

Assim como o indicador apresentado anteriormente, a renda média do chefe no micro-ambiente foi gerada por meio de geoprocessamento: verificou-se a renda média dos chefes de domicílio em um raio de até 500m de cada domicílio. Esse indicar representa uma outra forma de considerar o impacto do entorno do domicílio, abrangendo uma escala menor. A Tabela 3, abaixo, apresenta a distribuição dos domicílios mais pobres do município de São Paulo segundo esse indicador.

Tabela 3

Grupos de renda do chefe de domicílio no micro-ambiente (sm). Município de São Paulo, 2004.

Renda do chefe Freqüência % % válido %

cumulativo De 0 a 3 s.m. 169153 9,3 10,4 10,4 Mais de 3 a 5 s.m. 669400 36,8 41,2 51,6 Mais de 5 a 10 s.m. 647192 35,6 39,8 91,5 Mais de 10 s.m. 138660 7,6 8,5 100,0 Total 1624405 89,3 100,0

Fonte: CEM-Cebrap/Ibope. Survey de acesso da população mais pobre de São Paulo a

Domicílios localizados em áreas de favela ou de loteamentos clandestinos

De modo a verificar situações bastante localizadas de segregação, optou-se pela verificação dos domicílios mais pobres do município que se localizavam em áreas de favelas ou loteamentos clandestinos. Além de ser uma forma de identificação de áreas segregadas na micro-escala, esse indicador pode ser considerado ainda um indicador de barreiras institucionais à realização de investimentos públicos, uma vez que o Estado evita investir nessas áreas marcadas pela ilegalidade da terra, temendo perder os investimentos em casos de reintegração de posse e também por risco de ser processado pelo Ministério Público (Maricato, 1996; Banco Mundial, 1999; Torres e Bichir, 2005). Nesse sentido, o indicador permite verificar o impacto de condições sócio-econômicas bastante precárias e das condições de ilegalidade e irregularidade do entorno imediato do domicílio sobre as condições de acesso a políticas públicas. Também é importante considerar, como aponta Sabatini (2004), que a ilegalidade, irregularidade e informalidade são traços peculiares dos mercados de terra e dos assentamentos pobres na América Latina, contribuindo para a geração de uma identidade negativa, para o estigma social.

Esse indicador foi obtido por meio de georreferenciamento, associando-se os pontos do survey com a base de favelas e loteamentos clandestinos desenvolvida pelo CEM (Marques, Torres e Saraiva, 2003)71. De modo a contornar problemas relativos à falta de exatidão no endereçamento dos domicílios pesquisados, optou-se por considerar como domicílio em área de favela ou loteamentos clandestinos todos aqueles localizados em um raio de até 100m dessas áreas.

Os dados disponíveis no survey permitem observar que 55,2% dos domicílios pobres pesquisados estão localizados em áreas de favela ou de loteamentos clandestinos. Observando diversas características dos domicílios localizados nessas áreas, verifica-se, de maneira geral, que as condições de habitabilidade são mais precárias, como era esperado: domicílios localizados nessas áreas são menos revestidos externamente (apenas 42,9% dos domicílios localizados em áreas de favela têm as paredes externas totalmente revestidas – sendo que

23,9% desses domicílios são revestidos externamente de forma precária, com madeira, papelão e outros tipos de materiais pouco adequados –, enquanto que 64,1% dos domicílios não localizados em favela têm esse revestimento), e também internamente. Além disso, no caso dos domicílios localizados em áreas de favelas e loteamentos há menos caixas d’água com tampa72 (57,5% contra 72,8% dos domicílios não localizados nessas áreas), observam-se mais vazamentos nos telhados (43,2 contra 37,5%), maior umidade nas paredes (57,4 contra 49,6%) e maior reclamação quanto a barulho nas vizinhanças. Também é possível notar que domicílios em áreas de favela estão mais próximos a córregos, o que aumenta a exposição a uma série de doenças de veiculação hídrica, entre outros riscos.

Não foram observadas diferenças significativas quanto à iluminação interna da casa – 80,3% dos domicílios em áreas de favela e 79,2% dos não localizados em favela contam com energia elétrica em casa – provavelmente devido à expansão da rede e também ao fenômeno do “gato”, ou seja, das ligações clandestinas a partir dos postes de luz existentes.

Outro dado surpreendente refere-se à ausência de diferenciação entre domicílios pobres localizados em favelas e fora delas quanto ao item segurança: nesses dois casos, em média 40% dos chefes de domicílio não considera seguro andar à noite nas vizinhanças.

Aproximadamente 62% desses domicílios localizados em áreas de favela ou loteamentos clandestinos são próprios, já quitados ou em processo de quitação; 14,6% foram ocupados. Considerando-se as condições do terreno em que se localizam os domicílios, 45,3% o compraram, 10,9% ganharam do governo e 25% ocuparam o terreno. Cabe destacar ainda que moradores em áreas de favelas investiram de forma significativa em suas próprias casas: 30,7% construíram toda a casa (dado que destaca uma importância significativa da autoconstrução ainda hoje), 18,2% construíram algum cômodo da casa ou fizeram a laje e 18,1% realizaram outros tipos de reformas de menor porte.

72 A ausência de tampa na caixa d’água pode gerar exposição a uma série de doenças. Para maiores detalhes do modo de coleta dessas informações, consultar o questionário aplicado, presente no Anexo I.

Um dado interessante refere-se à comparação entre a percepção que os moradores têm de seus bairros e o dado “objetivo”, obtido por meio de georreferenciamento, que indica a condição do local de domicílio. Nota-se que os moradores em área de favela tendem a perceber sua vizinhança principalmente como “pobre” (63% dos moradores desses locais tiveram essa percepção) e apenas 19,5% como uma área de favela. Esse é um resultado bastante interessante do ponto de vista da dimensão subjetiva da segregação, podendo indicar que as pessoas procuram evitar o estigma de afirmarem que moram em uma área de favela (Sabatini, 2004).

Capítulo III – Explorando empiricamente as dimensões que