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Capítulo III – Explorando empiricamente as dimensões que interferem no acesso à infra-estrutura urbana

3. Aspectos da infra-estrutura urbana no município de São Paulo

3.3. Migração e tempo no bairro

Essa seção procura testar o impacto do tempo de consolidação das áreas sobre as condições de acesso à infra-estrutura urbana, seguindo-se a tese,

argumento, o Estado tenderia a expandir os serviços primeiro para as áreas mais centrais e consolidadas, que seriam mais “visíveis” para as políticas públicas, levando mais tempo para atingir as áreas mais distantes e pouco consolidadas, que seriam menos visíveis. Assim, os investimentos estatais obedeceriam a uma lógica quase “natural”, seguindo o próprio ritmo de expansão da cidade. Apesar de ser bastante plausível considerar o argumento de que há áreas mais e menos “visíveis” no interior da cidade, não é possível desconsiderar o fato de que os investimentos estatais são estimulados por lógicas políticas muito mais complexas, pela associação de diversos interesses e posições políticas, pela interação de diversos atores – como o setor público e os movimentos sociais, por exemplo –, e não pela lógica natural de expansão da cidade (Marques, 2000 e 2003)87.

Também é importante considerar que o maior tempo no bairro permite a realização de uma série de melhorias nas residências realizadas pelos próprios moradores: como aponta Kowarick (2005b), essas melhorias realizadas ao longo do tempo contribuem de forma significativa para a qualidade de vida nas áreas de favela88. Além disso, alguns estudos etnográficos demonstram que mesmo em áreas periféricas ou em áreas de favelas o tempo de residência no bairro é importante para o adensamento das redes de relações – que abrem uma série de oportunidades para os indivíduos89 – e para a capacidade de organização de uma certa comunidade, inclusive para a possibilidade de demandar serviços junto ao poder público90. Analisando a importância das

87 Contrariando a tese do “evolutivismo urbano”, estudo sobre os investimentos estatais em infra-estrutura viária no município de São Paulo demonstrou que há áreas antigas da cidade que ainda não receberam investimentos significativos, ao lado de áreas recentes que já receberam infra-estrutura. Além disso, é importante considerar que uma mesma área pode receber diversos investimentos estatais, em diferentes momentos no tempo, dada a questão da própria manutenção urbana (Marques, 2003).

88 Os dados do survey confirmam essas informações, indicando que as famílias pobres que estão há mais tempo no bairro tendem a realizar mais melhorias na casa. Ver Anexo IV.

89 Pavez (2006) demonstra que as redes de relações desenvolvidas em uma certa comunidade segregada são importantes para as oportunidades que podem ser geradas, especialmente quando essas relações possibilitam a construção de pontes para fora da própria comunidade. Contudo, redes muito restritas – como redes de conterrâneos em comunidades pobres – podem gerar circuitos muito fechados, limitando as possibilidades de inserção na sociedade como um todo, especialmente inserção ocupacional (Scalon, 2005).

90 Contudo, como alerta Kowarick, as redes de relações sociais não são panacéia: “(...) dificilmente se pode deixar de concordar que a ajuda mútua, estratégias de sobrevivência ou solidariedade comunitária constituem processos importantes para o cotidiano de grande parte de nossas populações, mas, certamente, não são a prefiguração de uma nova sociedade”

redes de relações entre conterrâneos em Paraisópolis, D’Almeida e Andréa (2005), destacam que:

“As pessoas “melhores de vida” são as mais antigas na migração e seus descendentes. Em boa parte dos casos elas pertencem a amplas redes familiares. E o inverso é verdadeiro: os recém- chegados sem laços de parentesco ou de origem acabam se instalando nas partes mais periféricas e precárias.” (2005: 197).

Desse modo, foram consideradas variáveis relativas à migração – chefes de domicílio nascidos fora do Estado de São Paulo e imigrantes oriundos do Nordeste há menos de 10 anos em São Paulo – e ao tempo que os chefes de domicílio estão no bairro em que moram, que servem como próxis do grau de consolidação dos domicílios localizados em uma certa área. Os dados completos referentes a esses indicadores encontram-se no Anexo IV.

Considerando o tempo de residência no bairro, verifica-se que, de maneira geral, não há diferenciais significativos de acesso91, sendo uma exceção importante o acesso à rede de esgoto, que é menor no caso daqueles que moram há menos de 4 anos no bairro (68,6% de cobertura, contra 88,6% daqueles que estão há mais de 20 anos no bairro). Analisando os domicílios chefiados por pessoas que não nasceram no Estado de São Paulo, há diferenciais mais significativos no caso de acesso à rede de esgoto, coleta de lixo, calçamento, iluminação pública e presença de parques e praças nas redondezas. Por fim, analisando os domicílios chefiados por imigrantes procedentes do Nordeste, é possível observar que os níveis de acesso são mais baixos em quase todos os serviços, sendo os diferenciais mais acentuados no caso de rede de esgoto, coleta de lixo, calçamento e iluminação pública92. A Tabela 10 apresenta essas informações.

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Testes de médias mostraram diferenças estatisticamente significativas em todos os serviços urbanos, menos no caso de rede de água. O mesmo foi verificado no caso dos domicílios chefiados por pessoas que não nasceram no Estado de São Paulo.

92 Testes de médias (com nível de significância de 5%) mostraram que as diferenças geradas por essa variável são significativas no caso de todos os serviços urbanos considerados.

Tabela 10

Cobertura de alguns serviços urbanos nos domicílios mais pobres, segundo migrantes do Nordeste (%). Município de São Paulo, 2004.

Migrante do Nordeste Serviços

Não Sim

Total

Rede de água 97,86 96,46 96,79 Água chega todo dia 90,74 92,47 92,06

Energia elétrica 99,14 97,67 98,02 Rede de esgoto 75,07 69,85 71,09

Coleta de lixo 95,29 90,32 91,49

Calçamento 91,03 79,19 82,00

Iluminação 86,82 71,10 74,83

Transporte público próximo 88,10 89,24 88,97

Parque ou praça 41,65 45,60 44,67 Fonte: CEM-Cebrap/Ibope. Survey de acesso da população mais pobre de São Paulo a

Serviços Públicos. Novembro de 2004.

Desse modo, observa-se que as variáveis relativas ao tempo no bairro e à condição de migração têm impacto na diferenciação do acesso, gerando maiores diferenciais de acesso especialmente no caso da rede de esgoto.

3.4. Associativismo

Além do destaque ao papel dos movimentos sociais urbanos – que teriam contribuído para redirecionar os investimentos estatais para as áreas periféricas após sua emergência nos anos 70 e início dos 80 (Jacobi, 1989, Sader, 1988, Gohn, 1991) –, diversos atores enfatizam importância dos grupos de parentesco, do pertencimento a associações comunitárias e dos vínculos com instituições religiosas ou laicas, como elementos que influenciam o acesso a serviços públicos, especialmente no âmbito de comunidades carentes (Gurza Lavalle e Castello, 2004; Almeida e D’Andrea, 2004). Esses autores destacam ainda o papel desempenhado pelas práticas associativas – especialmente religiosas – na atenuação dos efeitos da exclusão, especialmente no caso da inserção no mercado de trabalho, uma vez que esses vínculos abririam uma série de oportunidades para as populações mais carentes. Desse modo, igrejas e cultos funcionariam muitas vezes como instâncias de inclusão social. Em

de “capital social”93 tenderiam a ser reduzidos, com exceção de certas comunidades segregadas:

“A vida em cidades como São Paulo, caracterizadas por dimensões descomunais, intensa imigração e cosmopolitismo, costuma ser altamente impessoal e atomizada, apresentando portanto erosão da força vinculante de qualidades circunscritivas (linhagem, sexo, religião etc.) e das solidariedades identificáveis com as formas primárias do capital social (família extensa, normas de reciprocidade e confiança). Entretanto, microcontextos urbanos definidos pela segregação espacial tendem a reforçar tais formas primárias, assim como práticas associativas vinculadas a contextos locais, mostrando-se particularmente sensíveis a mudanças nas configurações locais do capital social”. (Gurza Lavalle e Castello, 2004: 78).

No âmbito desse trabalho, optou-se por avaliar a influência dos vínculos com associações religiosas – considerando a freqüência pelo menos quinzenal a essas associações – e com associações civis de diversos tipos – sindicatos, partidos políticos, clubes, associações culturais, comunitárias ou de bairro –, considerando a freqüência pelo menos anual a essas associações. Devido ao alto percentual de pessoas que participam em associações religiosas – 90% de toda a participação associativa observada entre os domicílios mais pobres de São Paulo é de caráter religioso – optou-se por separar a participação em associações religiosas dos demais tipos de participação associativa. Também foi considerada a preferência por algum partido político.

Essas variáveis de participação social e religiosa visaram testar o impacto do associativismo, das relações comunitárias, do acesso a canais de informação, sobre as condições de acesso à política pública. De forma semelhante funcionam as variáveis de participação e percepção política, que procuram captar o grau de informação a que estão expostos os indivíduos.