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O trabalho de cuidado (care work) é uma atividade profissional em plena expansão na economia de serviços em escala internacional (HIRATA, 2012), e envolvem o cuidado com crianças e idosos e muitas vezes representam funções extraordinárias das empregadas domésticas. Carpenedo e Nardi (2013) procuraram compreender como mulheres brasileiras participantes da cadeia internacional do trabalho reprodutivo são afetadas pelas condições de imigrante e pelo trabalho reprodutivo; e desvendam um conjunto diversificado e complexo de experiências. Na discussão sobre a crise global dos cuidados no contexto dos países ocidentais, que impulsionam a circulação de mão de obra, os autores apresentam um bom número de investigadores do tema, oferecendo-nos um panorama rico sobre fluxos migratórios e trabalho doméstico remunerado.

Se até a década de 1990 os fluxos migratórios para a Europa e Estados Unidos, em termos de América Latina, eram predominantemente masculinos; entretanto, estudos mostram que esse processo sofreu mudanças e as migrações para esses destinos começam a ser dominadas por mulheres a partir dos incentivos do mercado de cuidados (HIRATA, 2002; CARPENEDO E NARDI, 2012; ARAÚJO E PEDONE 2008; BRITES, 2013).

Bernardino-Costa (2012) apresenta uma resenha bem elaborada do livro Migration, Domestic Work and Affects: a decolonial approach on value and the feminizations of labor (2010), de Gutiérrez Rodríguez, desvelando estratégias governamentais de conformação entre imigração ilegal e contratantes europeus e demonstra como o Estado influencia esse o fenômeno, que transborda os limites da

escolha pessoal, por meio de evidentes estímulos nacionais para a importação de mão de obra.

A influência do Estado é possibilitada por uma espécie de “governo à distância”, termo criado por Gutiérrez Rodríguez (2010), cegueira conveniente que representa também “o fio da meada para o estudo do desmonte do estado de bem estar social e para a crítica ao capitalismo global moderno/colonial” (BERNARDINO COSTA, 2012, p. 448). Sobre as configurações que a atividade adquire em diferentes contextos, é dito que (BERNARDINO-COSTA, 2012, P. 448-449):

O trabalho doméstico desempenhado por latino-americanas no contexto europeu possui suas particularidades e singularidades, frente ao trabalho doméstico no continente de origem dessas atoras. Somente uma ínfima parte das trabalhadoras domésticas possui um contrato de live-in, em geral trabalhando para famílias muito abastadas, contrato de trabalho este que guardaria muitas semelhanças com o trabalho doméstico na América Latina. A larga maioria trabalha em arranjos patchwork, trabalhando em diferentes casas ao longo do mesmo dia, tanto em serviços de limpeza quanto em serviços de cuidados de idosos e crianças [...]

Já nos Estados Unidos, um estudo que privilegiou o estado da Califórnia, declarou que cada vez mais uma subclasse onipresente de mexicanos e centro americanos dominam quase todas as ocupações que envolvem salário baixos e trabalho braçal sem nenhum acesso a direitos trabalhistas, nem a um sistema legal que os proteja, sendo que a grande maioria desse “gueto ocupacional” faz parte do cálculo de cerca de “doze milhões de migrantes que vivem e residem ilegalmente naquele país” (HARRIS, 2008, P. 132). Importante ressaltar que os dados apresentados por Harris são de 2006, mas até 2012, esses americanos de segunda geração representavam 11.5% da população, o que equivale a cerca de mais de 35 milhões de pessoas, e deve chegar a 18.4% até 2050, de acordo com projeções18.

Araújo (2010) sustenta que a Espanha tem se tornado o segundo lugar de destino dos fluxos migratórios de mulheres latino-americanas, principalmente de trabalhadoras para tarefas domésticas e cuidados. A socióloga sintetiza as razões já

18 Fonte: Pew Research Center

apontadas em estudos sobre o tema na Europa que desencadeiam o fenômeno: envelhecimento da categoria, maior qualificação da mão de obra feminina (acompanhada do aumento da participação no mercado de trabalho, diminuição do apoio estatal e regime de bem estar social.

É interessante perceber como as imigrações refletem noções e valores acerca dos diversos povos. Busch e Cox (BRUSH e COX 2012, citado em BRITES, 2013, P. 10) falam de uma espécie de recrutamento no Reino Unido, que leva em consideração as habilidades “inerentes à nacionalidade”, de modo que mulheres colombianas, por exemplo, são percebidas como inadequadas para o cuidado de crianças britânicas; mas são, por sua vez, consideradas boas para limpezas.

Sobre a categoria trabalho doméstico remunerado no Reino Unido, Brites (2013, p. 10) explica:

[...] não é uma categoria laboral legalizada, nem uma classe de imigração possível. Existem vistos somente para intercâmbio de estudantes d’eau pair ou para acompanhantes de estrangeiros que mantenham domésticos residentes. No entanto, uma série de mudanças nas políticas de imigração tem flexibilizado o leque de restrições e deixado zonas de sombra, possibilitando que as definições d’eau pair alarguem-se de tal forma que se torna difícil distinguir uma jovem realizando tarefas de cuidado de alguém envolvido em um projeto de estudos no exterior. Em decorrência disso, sobretudo mulheres jovens de fora do país têm se incorporado nas tarefas de cuidado das crianças, dos velhos e dos animais [...]

Apesar da vulnerabilidade que marcam a experiência migratória de mulheres - a maioria envolvida em atividades de cuidados e limpeza –, alguns autores destacam vantagens percebidas pelas trabalhadoras em terras estrangeiras, como a possibilidade de investimentos empreendedores viabilizados pelas economias obtidas por meio do trabalho. Em “Passando a América a limpo”, Fleicher (2002) ressalta que muitas das brasileiras que trabalham como faxineiras em Boston se tornam donas de negócios no ramo da limpeza, contratando outras mulheres imigrantes para realizar a atividade.

Essas mulheres, de acordo com a autora, demonstram um alto nível de satisfação relacionado ao sentimento de autonomia, às remunerações (expressivamente mais elevada do que em seus países de origem) e à adoção de métodos de limpeza mais adequados garantidos pelas novas tecnologias - apesar das

dificuldades com o idioma, nem sempre dominado, e das tensões geradas pela condição de ilegalidade.

Com relação ao tema migrações internas e emprego doméstico, estudiosos chamam a atenção para a pouca produção acadêmica. Entretanto, é possível apresentar alguns estudos, como o de Fraga (2013, p. 87) que, ao refletir sobre o tema, discorre:

A migração é uma característica presente no serviço doméstico do Rio de janeiro, uma vez que 30,1% de seus trabalhadores não nasceram neste estado, vieram principalmente de Minas gerais (20,2%), Paraíba (16,9%), Bahia (11,6%) e Pernambuco (8,4%). Esse número é alto comparado com a população ocupada no geral, em que 19 % é migrante [...]

A pesquisa de Oliveira (2014) também dá pistas sobre a circulação nacional da cadeia de cuidados, apresentando a variação no número de ocupações nas atividades econômicas de inserção dos migrantes nas regiões metropolitanas brasileiras, entre os anos de 2000 e 2010. Num rol de quatorze atividades por ordem de maior ocupação, o trabalho doméstico ocupa a décima segunda posição, ficando atrás de atividades relacionadas à indústria, ao comércio e a “outros serviços”.

O pesquisador (OLIVEIRA, 2014, p. 07-08) demonstra que:

A Indústria de Transformação e os Serviços Domésticos, atividades que historicamente registraram presença importante dos migrantes, foram marcadas por reduções significativas. No caso dos domésticos a redução foi superior a 100 mil pessoas, significando uma redução da participação de 4,9% e o que também merece destaque é o fato de que a redução dos envolvidos nessas atividades só ocorre de maneira relativa entre a população metropolitana em geral, já que houve um aumento superior a 400 mil pessoas.

Ou seja, em números absolutos não há registro significante de redução de pessoas ocupadas com o serviço doméstico, mas uma estabilização da demanda nesse sentido. E apesar da queda relativa, a mão de obra migrante ainda marca profundamente a profissão de doméstica no país (PEREIRA, 2012; BRITES, 2000, ÁVILA, 2010, para citar alguns), e as migrações internas permanecem uma realidade para as nossas pesquisas de campo realizadas no Recife e em Porto Alegre, embora

os roteiros mencionados tenham se concentrado nos deslocamentos realizados no interior do mesmo estado (e não em rotas transnacionais, interestaduais ou mesmo inter-regionais).

Além disso, a décima segunda posição na lista de ocupações citada acima, não é modesta se levarmos em consideração a dimensão de gênero na composição da atividade. O serviço doméstico é a única atividade elencada que por muito pouco (no Brasil, cerca de 7% da mão de obra no setor é masculina), não é exclusivamente feminina. Portanto é uma posição bastante expressiva se levarmos em consideração a dimensão de gênero que a torna atípica. Noutras palavras, vale a pergunta: se subtraíssemos a participação dos homens nas demais atividades, que posição elas, as ocupações, representariam?

Como sustentam todos os estudos que destacaram as migrações como fenômeno abastecedor de mão de obra doméstica, as mulheres se deslocam de suas origens tendo como motivações, a independência econômica e a falta de oportunidades laborais nos seus locais de origem. As desigualdades de oportunidades e as condições de trabalho precárias, entre migrantes internos e externos, são as razões recorrentes e fundamentais para os deslocamentos já que os rendimentos são relativamente maiores do que aqueles possibilitados pelos locais de origens dessas migrantes, embora variem de acordo com os lugares de destino.

Os rendimentos variam significativamente entre as diversas regiões, como em muitos países, mas o grau de disparidade regional aqui é mais profundo do que em outros lugares devido as desigualdades socioeconômicas excessivamente acentuadas. Além de dados oficiais divulgados por instituições como IBGE e DIEESE, estudos etnográficos sustentam que no Nordeste, onde mora a maioria dos brasileiros pobres, os salários e as diárias recebidas pelas trabalhadoras domésticas são significativamente inferiores aos do Sul e do Sudeste (HARRIS, 2007; PEREIRA, 2012; FRAGA, 2013; entre outros) – acompanhando as tendências dos padrões de desenvolvimento regional.

Tomando como referencial os depoimentos colhidos no Recife e em Porto Alegre, esse quadro de distribuição regional dos rendimentos é uma realidade. Tanto no Recife quanto em Porto Alegre as diaristas, de modo geral, ganham mais pela prestação de serviço, do que as mensalistas. Entretanto, o preço médio da diária em

Porto Alegre varia de R$ 120,00 a R$ 150,00, na atualidade, enquanto no Recife, a média das diárias hoje fica em torno de R$ 80,00 a R$ 100,00.

Assim, com relação aos rendimentos da profissional autônoma em Porto Alegre, o serviço prestado em 03 (três) residências (número mínimo de unidades domiciliares encontrado nos depoimentos), apenas uma vez por semana em cada casa, rende entre R$ 1.560,00 e R$ 1.800,00 por mês. Enquanto as empregadas domésticas polivalentes afirmaram receber entre R$ 1.200 (piso local em 2013) a R$ 1.500,00; levando em consideração o conjunto das participantes. Esses rendimentos podem ser bem maiores, pois a maior parte das trabalhadoras autônomas prestava serviços em mais de 03 (três) unidades domiciliares naquela cidade.

Já no Recife, em 2014, os preços das diárias variavam entre R$ 70,00 e R$ 100,00 (o que soma R$ 840,00 e 1.200,00, considerando três residências contratantes) e a grande maioria de nossas interlocutoras nesta cidade, empregadas domésticas, em situação regulamentar, recebe um salário mínimo por mês (R$ 788,00)19, apresentando harmonia com os registros oficiais que indicam que mais de

70% dos trabalhadores domésticos regulamentados recebem até um salário mínimo nacional.

Em relação às jornadas de trabalho, o número médio de horas semanais habitualmente trabalhadas era de 37,420 em 2011 no país, levemente menor do que

em 2003 quando se registrava a média de 38,5% horas por semana. Além da carga horária, tem-se registrado o “envelhecimento” do perfil da trabalhadora doméstica no país em virtude do aumento da escolarização (acompanhado da inserção das mulheres em outros setores). A realidade do trabalho doméstico vem apresentando mudanças que se refletem em toda a literatura sobre o tema. Entretanto, algumas práticas se mantêm com consistente permanência, sustentada pelo lugar social de onde são recrutadas as empregadas domésticas - assinalado por um arranjo específico de gênero, raça-etnia e pobreza.

19 Salário mínimo em 2015

20 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Mensal de Emprego – 2011.