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Minas Gerais: recortes regionais e constituição de regiões

Mapa 56: Norte de Minas: Plano Diretor de Saúde 2004

1. LOCALIZANDO O DEBATE SOBRE A REGIONALIZAÇÃO: o território mineiro

1.2 Minas Gerais: recortes regionais e constituição de regiões

Num país com a dimensão territorial do Brasil, com apenas alguns espaços inseridos no mundo globalizado, com uma grande diversidade física, social e econômica, é possível abandonar os estudos regionais? E quanto ao estado de Minas Gerais? Como falar de Minas sem considerar suas regiões se a marca da diversidade se faz presente nos 853 municípios que integram esse estado? De acordo com Queiroz (2001, p. 66),

[...] o estado de Minas Gerais é, provavelmente, uma das regiões mais heterogêneas do país: coexistem no estado regiões dinâmicas, modernas, e com indicadores socioeconômicos de alto nível com localidades atrasadas, estagnadas, que não oferecem a mínima condição de vida para sua população.

O estado de Minas apresenta uma longa história de divisão espacial que remonta ao período colonial, quando a diferenciação que se fazia era norteada pelas marcas da paisagem natural, pelas diferenças entre os “matos” e os “campos” ou entre as “minas” e os “sertões”. Cunha (2003) procura fazer um estudo da espacialização histórica do estado, tendo como critério básico a vida econômica que se desenvolvia no território que, posteriormente, viria a constituir-se no estado de Minas Gerais. No

como uma ‘região’ no espaço colonial” (CUNHA, 2003, p. 4). A situação das aglomerações urbanas e o papel das vias de comunicação são também considerados em seu estudo. Nessa primeira visão regionalizada do espaço mineiro, sua porção norte, com seus esparsos currais de gado, faz parte da área denominada Sertão, como nos mostra o mapa 3.

Mapa 3: Capitanias das Minas Gerais: categorias de percepção do espaço setecentista

Apesar das suas múltiplas definições, o termo “sertão” quase sempre aparece associado à idéia de uma determinada porção da natureza diferente do que já é conhecido, do espaço já apropriado. No caso brasileiro, consideramos necessário fazer um breve comentário sobre a visão que predominava nos séculos XVII e XVIII, quando as áreas interioranas, mais distantes da costa e pouco povoadas, eram denominadas de Sertão. No território que seria o estado de Minas, a palavra sertão passou a referir-se à grande área ao norte, na qual a atividade central era a pecuária extensiva. Cunha e Godoy (2003, p, 19), ao analisarem as regiões mineiras no século XVIII e XIX, destacam que cinco viajantes estiveram na porção norte de Minas e que

[...] todos não só a caracterizaram como um deserto, como também a denominaram de sertão. Sertão pela insipiente exploração econômica e pela aridez do clima/vegetação. Pohl, Gardner e D’Orbigny cruzam a região no sentido oeste-leste, Spix/Martius no sentido oposto e Saint-Hilaire em ambos os sentidos. Os autores coincidem ao descreverem a Região do Sertão como um deserto devido a baixa densidade populacional observada. Saint-Hilaire e Spix/Martius se confirmam ao informarem sobre a composição racial dos habitantes do Sertão. A predominância do trabalho livre e a estrutura da posse de escravos concentrada são característica do Sertão. A miséria, indigência do sertanejo, convive com poderosos proprietários, donos de grandes extensões de terras e impressionantes atividades econômicas.

Essa realidade regional, marcada pela presença do latifúndio destinado à criação de gado, tem grande importância em nosso estudo, pois o latifúndio vai influir na formação da futura rede urbana regional.

Na divisão proposta por Cunha (2002) para retratar as diferenças regionais da realidade do século XVIII em Minas Gerais, a região, na qual Montes Claros estava inserida, era denominada de Sertão do São Francisco, já que esse era o principal eixo de circulação da época, por isso as povoações ribeirinhas (Matias Cardoso, Januária, São Romão e Guaicuí) detinham a maior importância no contexto regional. Essa região era uma das mais extensas do estado, abrangendo os vales do Jequitinhonha e Mucuri, como mostra o mapa 4.

Cabe lembrar que o Sertão tinha como principal atividade a pecuária extensiva, a qual, por suas características, não gerava uma ocupação mais intensa da região, identificada como um vazio populacional.

Mapa 4: Capitania das Minas Gerais: regionalização - século XVIII

Já no século XIX, o autor supracitado apresenta-nos um mapa (5) com uma nova regionalização do espaço mineiro. Ele afirma que

[...] no modelo de regionalização para o Dezenove, o território de Minas encontra-se recortado em dezoito unidades. Estas regiões podem ser segmentadas a partir do nível de desenvolvimento ponderado de cada uma delas no conjunto da Província. [...] O processo de regionalização da capitania guarda intimidade com as diferenças econômico-produtivas de áreas complementares da atividade mineradora e da força dos mercados macro-regionais a que lhes caberia o papel de articular. (CUNHA, 2003, p. 31)

Nessa articulação do espaço mineiro, a realidade dos caminhos, os circuitos do abastecimento e as rotas do sertão são determinantes. No caso da porção norte, os fluxos do comércio no âmbito regional explicam a ascensão de zonas afastadas do rio São Francisco, como acontece com Montes Claros. A região na qual se insere continua sendo denominada de Sertão, só que agora abrangendo uma área bem inferior à da regionalização anterior, mas com fluxos comerciais bem significativos. Na opinião de Cardoso (2000, p. 194),

[...] existem caminhos ligando as várias localidades, sendo o comércio entre as mesmas garantido pelas operações mercantis praticadas através do Rio São Francisco, entre Minas Gerais e Bahia, as quais eram realizadas através de várias rotas comerciais. Para se ter uma idéia dos vários caminhos comerciais existentes vale mencionar que, de São Romão e Januária poder-se-ia chegar a Goiás via Paracatu, bem como a Diamantina, através de Brasília de Minas, Coração de Jesus e Montes Claros, e que o povoado de Guaicuí se comunicava com Pitangui, Curvelo, Sabará e Santa Luzia, de onde podia-se comunicar com o Rio de Janeiro.

As palavras desse autor mostram-nos a importância dos eixos de circulação para a configuração do espaço regional que passou, já no final do século, a ter em Montes Claros seu principal núcleo econômico. Não obstante, estudos da Fundação João Pinheiro (1975, p. 125) destacam que Montes Claros “[...] gozava de uma situação favorecida, colocando-a em contato, ao norte com a Bahia, ao sul com a área de mineração e a oeste com Goiás”. Depois da fundação de Belo Horizonte, o caminho que levava à zona de mineração passou a desempenhar um papel mais importante.

Mapa 5: Província de Minas Gerais: regionalização - século XIX

Mister é ressaltar que, em todo esse exercício de construir, historicamente, uma divisão do espaço mineiro, não nos preocupamos em avaliar os critérios de regionalização utilizados nem em buscar os pressupostos teóricos relacionados à categoria região que possam lhes ter dado sustentação.

Como já salientado anteriormente, é no século XX que, com a preocupação de conhecer o território nacional, verificamos o desenvolvimento da Geografia e, com ela, diversas formas de regionalização do território nacional7. A concepção que permeou as primeiras divisões regionais do país teve forte influência da escola francesa e, obviamente, pautou-se em critérios estabelecidos pela região natural. A partir de meados do referido século, surgem outros pressupostos sobre os quais foram estabelecidas novas regionalizações. Esse é o assunto do qual nos ocupamos a seguir.

1.3 As divisões oficiais do estado de Minas Gerais e as diferentes