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Mapa 56: Norte de Minas: Plano Diretor de Saúde 2004

1. LOCALIZANDO O DEBATE SOBRE A REGIONALIZAÇÃO: o território mineiro

2.1 O processo de constituição da região

A formação socioespacial é aqui entendida como resultante do desenvolvimento desigual e combinado das forças produtivas e das transformações nas relações sociais de uma dada sociedade. Segundo Santos (1977, p. 12-14),

[...] o interesse dos estudos sobre as formações econômicas está na possibilidade que eles oferecem de permitir o conhecimento de uma sociedade na sua totalidade e nas suas frações, mas de um conhecimento específico, apreendido num dado momento de sua evolução. [...] Formação social compreenderia uma estrutura produtiva e uma estrutura técnica. Trata-se de uma estrutura técnica-produtiva, expressa geograficamente por uma certa distribuição da atividade de produção.

Utilizando esse pressuposto, é relevante entender como a região norte-mineira organiza-se no início do século XXI. Para tanto, necessário se faz compreender como ocorreu sua formação histórica e como nela se processa a divisão territorial do trabalho.

O processo histórico de ocupação do Norte de Minas iniciou-se no século XVII, a partir do movimento de expansão da pecuária, ao longo do São Francisco, sendo que a parte ocidental pertencia a Pernambuco e a parte Oriental, à Bahia. Entre os séculos XVII e XVIII, a região foi sendo ocupada por vaqueiros, originários da Bahia e de Pernambuco, que subiam o São Francisco, e por bandeirantes paulistas. A diversidade de grupos indígenas que aí habitava foi dizimada, restando hoje descendentes dos Xacriabás, no município de Itacarambi.

cana e estava distante do litoral, por isso não despertou o interesse da coroa portuguesa. Sua organização socioespacial plasmou-se pelo fornecimento de gado e derivados da pecuária, primeiro para a região canavieira e, depois, para a área da mineração. Gonçalves (2000, p. 22) ressalta que

[...] a região teve que forjar suas próprias condições de autosustentabilidade. E aqui, talvez resida uma das características mais originais dessa região: a de não ter a sua dinâmica diretamente determinada por uma racionalidade econômica mercantil de algum produto em que a metrópole estabelecesse o régio controle direto.

Com a criação extensiva de gado, a região teve um povoamento esparso, surgindo as fazendas e povoados às margens do rio São Francisco que viriam, posteriormente, a transformar-se nas cidades de São Romão, Januária, Itacarambi, Manga e São Francisco. A dinamicidade na navegação e comércio tornou essa área o centro mais importante da região. De acordo com o IBGE (1965, p. 2000),

[...] as fazendas de gado, dado o caráter extremamente extensivo da criação e a não necessidade de um grande número de trabalhadores, originaram um povoamento bastante rarefeito. Era essencialmente rural, tendo sido poucos os núcleos populacionais que se desenvolveram ao longo do São Francisco, pois que as vilas aí surgidas somente foram criadas no século XVIII.

Diante do exposto, é correto considerarmos que a unidade econômica, matriz da formação do Norte de Minas, é a grande fazenda de criação de gado, mas outras atividades também foram responsáveis pela ocupação do espaço e formação de cidades, a exemplo da mineração em certas localidades, como Grão Mogol, Jequitaí e Itacambira e a agricultura exercida por camponeses, junto com a pecuária (COSTA, 1997).

Situada na rota entre essas áreas e as zonas de garimpo, a fazenda da qual se originou Montes Claros era conhecida como “passagem” e não tinha grande significado na economia regional. Entretanto, foi essa localização um dos fatores que contribuiu para torná-la, com o passar dos tempos, o mais importante centro comercial regional. Para Reis (1997, p. 38),

[...] a chegada da ferrovia à Pirapora, em 1918 – cujo progresso previa a sua extensão até Belém -, trouxe um grande impulso para o município, que, progressivamente, se tornou o de maior expressão econômica das margens do São Francisco no Estado. Em 1926 foi a vez de Montes Claros ser beneficiada com a passagem da ferrovia, que ligaria Belo Horizonte a Salvador. Com a instalação das ferrovias, Montes Claros e Pirapora transformaram-se, gradativamente, nos dois municípios mais dinâmicos da região, ocorrendo, ao mesmo tempo, a perda relativa de espaço de municípios como Januária. A instalação das ferrovias também contribuiu para fortalecer a importância da pecuária na região, ao facilitar o escoamento da produção, bem como para estimular a ocupação de outras localidades, como Janaúba.

É, portanto, a chegada da ferrovia que consolida a posição de Montes Claros como principal cidade da região e estreita as relações comerciais com Belo Horizonte e Rio de Janeiro, especialmente o comércio de gado. Nessa época, também, o comércio atacadista impulsionou o desenvolvimento da cidade, que passou a centralizar o poder econômico e político. Marcos F.M. de Oliveira (2000) considera que antes disso, já no final do século XIX, com a decadência das cidades ribeirinhas, Montes Claros já se definia como o principal núcleo urbano do Norte de Minas, a “capital do sertão mineiro”. Assim,

[...] a segunda metade do século XIX e o início do seguinte foram marcados por políticas de apoio à construção de uma rede de transportes, acompanhada pelo incentivo à sua industrialização, atividade que viria se somar à agricultura e à pecuária tradicionais na região. (RIBEIRO, 2005, p. 415)

No que diz respeito à configuração territorial hoje existente no Norte de Minas, cabe lembrar que ela é produto de um processo histórico de fragmentação municipal. O fenômeno das emancipações não pode ser explicado com os mesmos argumentos para todos os períodos da história brasileira. De acordo com Bremaeker (1996, p. 119), durante o período militar houve um momento de desaceleração do processo de criação de municípios. Acrescenta que

[...] o saldo de Municípios ao final de 1964 era de 4.115 unidades. No ano de 1965 este número estava reduzido para 3.957 [...]. Em 1970, quando da realização de um novo recenseamento, [...] era de 3.952 unidades.

Tal fato pode encontrar justificativa na característica de “centralismo” típico do governo militar.

o que só acontecia em casos isolados. Posterior a essa data, vigorou o sistema de leis gerais de revisão administrativa, que, segundo a Constituição, deveriam ser promulgadas a cada dez anos. A Constituinte de 1935 aumentou as exigências necessárias para emancipação de municípios e, em 1967, essa passou a ser prerrogativa exclusiva do governo federal.

Em 1988, a Constituição Federal, através de seu artigo 18, § 4°, atribuiu aos estados a responsabilidade pela “criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios” (doravante apenas tratados como “emancipação” ou "secessão", indistintamente), através de lei complementar estadual. Sendo assim, um dos princípios básicos para o processo de emancipação e criação de município no Brasil passou a ser a apresentação de um relatório de viabilidade, cuja definição ficou sob a responsabilidade de cada estado.

Minas Gerais foi um dos estados que emancipou um maior número de municípios. Segundo Carvalho (1995), o ano de 1962 representou um aumento substancial no número de municípios - 237 novos municípios - no estado de Minas Gerais, criados sem plebiscito, com o único objetivo de aumentar a participação do estado nas receitas de impostos federais. O estado de Minas Gerais era constituído, em 1980, por 722 municípios e, em 1995, esse número subiu para 853, denotando a intensa fragmentação territorial ocorrida na década de 1990. O referido autor acrescenta que

[...] de acordo com a Lei Complementar nº 19/91, de 17/07/91, são necessários os seguintes requisitos para que um município seja criado: - População superior a 7.000 habitantes;

- Número mínimo de 3.000 eleitores; - Número de moradias superior a 400;

- Núcleo urbano constituído, com edificações para instalação do governo municipal, com seus Órgãos administrativos;

- Serviços públicos de comunicação, energia, água, posto de saúde, escolas públicas e cemitério;

- Arrecadação tributária mínima a ser anualmente fixada. (CARVALHO, 2002, p. 550)

O Norte de Minas também acompanhou esse processo, que resultou numa nova reconfiguração territorial. Na década de 1950, a região era formada por 24 municípios (IBGE, 1956), conforme mostra o mapa 33. Esses municípios, em sua maioria, possuíam grande extensão territorial e baixa dinâmica econômica.

Mapa 33: Norte de Minas: divisão municipal (IBGE – 1956)

Após a década de 1980, ocorreu a emancipação de vários municípios e a região passou a contar com um total de 51 municípios. Nesse período, o fator econômico era utilizado como argumento para a criação de municípios, mas, na verdade, o interesse político predominava. Concordamos com Shikida (1999, p.5-6), quando ele assinala que

[...] um dos problemas que podem ocorrer é o do surgimento de municípios tão pequenos que não possuiriam infra-estrutura básica nem população significativa. Neste caso, cabe observar que a Constituição, quando repassou aos estados a prerrogativa pela criação de municípios, deixou aos mesmos a responsabilidade pela fixação de critérios para sua criação. Assim, existe uma heterogeneidade nos critérios fixados por cada Assembléia Estadual, o que gera situações nas quais alguns estados podem ser mais permissivos e outros não.

Conforme mostra o mapa 34, entre os municípios emancipados na referida década, a maioria se concentra nas porções norte, nordeste e noroeste da região.

Mapa 34: Norte de Minas: divisão municipal (1992)

Nos anos de 1990, ocorreu a aprovação de um “pacote” de municípios, principalmente na porção norte do estado, área do nosso estudo. Em 1993, surgiram nove municípios através da Lei 10.704 de 28/04/1992 e, em 1997, foram emancipados 36 municípios, através da Lei 12.030 de 21/12/1995. Assim, a região passou a ter 89 municípios. Acreditamos que o fator responsável por este considerável aumento de municípios esteja ligado ao repasse do Fundo de Participação dos Municípios14. Entretanto, a extensão territorial regional não foi alterada, pois os novos municípios surgiram do desmembramento de municípios preexistentes. Quanto à situação socioeconômica, os novos municípios são, em sua maioria, precários, carecendo de serviços de infra-estrutura básica e com forte dependência financeira do governo do estado. Retomaremos essa questão da dependência do Fundo de Participação dos Municípios em capítulo posterior, de

14 A distribuição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) entre os municípios dá-se da

seguinte forma:

I) 10 % para as capitais;

II) 86,4% para os municípios do interior com população abaixo de 156.216 habitantes; III) 3,6% para os municípios do interior com população acima de 156.216 habitantes.

forma mais detalhada. No mapa 35 destacamos a localização dos municípios emancipados na década de 1990.

Mapa 35: Norte de Minas: municípios emancipados na década de 1990

Diante do exposto, é praticamente impossível abordarmos a região Norte de Minas sem analisarmos, ainda que de forma sucinta, o papel do Estado e das oligarquias regionais. É esse o assunto de que trataremos a seguir.