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PORTARIA Nº 114/2011 PORTARIA Nº 2/2015 Órgãos governamentais Poder Público

2.5 A mineradora Vale S/A

A mineradora Vale S/A, fundada em 1942 através do Decreto-Lei 4.352, passou a se interessar pela região norte do país a partir dos anos de 1970, quando pesquisas geológicas indicavam que haveria cerca de 18 bilhões de toneladas de minério de ferro na Serra dos Carajás, no sul do Pará. Em 1978 se inicia a construção da EFC, que liga a mina de ferro N4E, situada no município de Parauapebas – PA ao Porto da Madeira em São Luís – MA. Neste percurso passa pelo território do município de Açailândia - MA. Maiores informações sobre o processo de criação e expansão da empresa podem ser obtidas em Ribeiro Junior e Marinho (2013), Carneiro (2010), Zagallo (2010), Godeiro (2007), Monteiro (2005).

Pelo fato de ser o entroncamento entre as rodovias BR 010 e BR 222, e do destaque dado ao entroncamento entre as ferrovias EFC e Norte-Sul, o município de Açailândia sempre teve evidência nos investimentos da empresa. Inclusive foi construído um complexo educacional para atender às demandas de educação dos funcionários e dos filhos destes (hoje de propriedade da UEMASUL). As parcerias entre a empresa e as siderúrgicas também foram importantes para a implantação da Vale no município.

Em Açailândia a mineradora Vale mantém uma “Unidade Operacional”, ou entreposto ferroviário, no bairro Piquiá (distante cerca de 15 Km da sede do município). Nesta são realizadas atividades administrativas, trabalhos de manutenção nas máquinas e de controle logístico. Há também a estação para embarque e desembarque de passageiros. Mas o destaque fica por conta do pátio de descarga de minério vindo de Carajás (PA), e de carga de ferro gusa vindo das siderúrgicas do município, que têm como destinos principais alguns países da Europa e a China.

A partir da descoberta da mina de minério de ferro chamada de S11D60, localizada na região do município de Canaã dos Carajás – PA, a empresa investiu em toda a logística necessária para a extração e a comercialização das 90 milhões de toneladas de minério que serão retiradas desta mina, segundo dados da própria Vale (VALE, 2012). Em meados 2008 começaram os estudos sobre a duplicação da EFC, o que impulsionou diversas especulações sobre esta obra, que foi iniciada em 2011. No caso da mineradora Vale S/A, há um financiamento de R$ 6,2 bilhões para investimentos no Complexo Carajás e na Capacitação Logística Norte (CLN) que envolve a DEFC (BNDES, 2014).

60 A divulgação da licença de exploração desta área ocorreu no dia 09 de dezembro de 2016. Nela a Vale recebeu

A partir da avaliação do processo histórico de atuação da Vale, tem-se que, dentre os principais objetivos da ação desta junto às comunidades onde atua são: aumentar o conhecimento do cotidiano das comunidades; acompanhar processos que resultem em riscos operacionais; ampliar a visibilidade positiva da empresa; ampliar o atendimento das demandas, reduzindo possibilidades de conflito. Todos esses pautados numa ação estratégica.

Os representantes da empresa informaram que existem, além do “Guia de Relacionamento com Comunidades – GRC”61, diversas diretrizes a serem seguidas. Estas vão desde os processos de mobilização e encontro com as comunidades, até os processos de repasse dos investimentos, bem como a “entrega” das obras. Mas, mesmo com essa grande quantidade de procedimentos e orientações, ainda ocorrem os momentos de tensão na relação com as comunidades.

Dentre as relações conflituosas entre a empresa Vale e movimentos sociais pelo Brasil, e que têm destaque em pesquisas acadêmicas, se tem a disputa com o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela (MPSG), no estado de Minas Gerais. Nesta área a empresa tem o “Projeto de Mina Apolo”, mas o MPSG busca a aprovação da transformação desta área em Parque Nacional (PN) (COELHO-DE-SOUSA, 2015). Ambos disputam o poder de decisão sobre a área a ser delimitada, visto que é consenso a aprovação do PN.

Há também o caso do município paraense, Barcarena, onde segundo Ribeiro Junior e Sant’Ana Junior (2011, p. 09): “[...] a ação das subsidiárias da Vale tem gerado impactos relevantes no que tange a emissão de poluentes (gases cáusticos e poeiras corrosivas, bem como a liberação de dióxido e trióxido de enxofre) e aos acidentes ocorridos.”

Os problemas com pescadores artesanais e quilombolas na baía de Sepetiba, que passam por problemas relacionados com a Vale e a parceira Thyssen Krupp, também são destacados por Bossi et al. (2009). Também são conhecidos problemas sociais, ambientais e trabalhistas em países como o Peru, a Indonésia, o Canadá, dentre outros onde a empresa Vale atua (GARCIA, 2009).

Um importante exemplo brasileiro de relação desta empresa com comunidades é apresentado por Oliveira, Lima e Monteiro (2011), que analisaram a relação entre a mineradora e duas comunidades no município de Nova Lima, no estado de Minas Gerais. As comunidades analisadas foram o “Jardim Canadá” e o condomínio “Jardim Monte Verde”, que, segundo os autores, sofrem impactos ambientais devido à proximidade à mina do Capão Xavier. Nesta relação são destaques: a falta de autonomia do profissional indicado pela empresa para

intermediar a relação, que dificulta os processos de negociação; a interdependência entre a empresa e as comunidades, que se tornou ponto primordial para as tomadas de decisão; ao atender às demandas comunitárias que são obrigações do poder público, instala-se uma relação ambígua entre os agentes (OLIVEIRA; LIMA; MONTEIRO, 2011).

Em termos gerais, e para reduzir os problemas ligados ao relacionamento com comunidades, a Vale criou no ano de 2011 a “Ferramenta de Gestão de Demandas da Comunidade”62. Com isso, o atendimento das demandas é realizado em meio “on line”, com integração de dados de todo o Brasil. Desde então adotou-se a metodologia dos planos plurianuais das ações sociais da empresa. Mas, ao avaliar o relatório de sustentabilidade da Vale do ano de 2012, Gonçalves et al. (2014, p. 91) citam que a empresa “[...] não evidencia contas de caráter ambiental na ‘Demonstração do Resultado’, como receitas/despesas ambientais, cus- tos ambientais, investimentos ambientais, entre outros”.

Sobre a atuação da Vale junto às comunidades próximas à EFC, Pantoja (2012) destaca que a “Fundação Vale” e o “Departamento de Relações c Comunitárias - DRC” são os principais meios de interlocução com as comunidades. No caso deste último, a mineradora conta com analistas de campo, que são funcionários da própria Vale, e que fazem o relacionamento com representantes da sociedade civil e do poder público nos municípios da Estrada de Ferro Carajás (op. cit.).

Percebe-se também que a divulgação das “ações sociais” avaliadas internamente como positivas, é uma estratégia constante da empresa. Mas, ao analisar algumas peças publicitárias da mineradora, Aquino (2013) menciona que mesmo com todo o investimento publicitário em campanhas que divulguem a imagem de empresa social e ambientalmente sustentável, os investimentos logísticos, e o aumento de conflitos nas obras de logística da empresa, demonstram que há um paradoxo entre o divulgado e as suas ações.

Na tentativa de reduzir estes tipos de avaliações, a mineradora adota ações direcionadas, e que ampliem a avaliação positiva dos seus “investimentos” em responsabilidade social. Seja através de investimentos diretos, ou através de ações da Fundação Vale63. E neste sentido, Pillar (2006 apud PANTOJA, 2012) relaciona estas ações com objetivos estratégicos, pois:

62 Informação obtida durante as entrevistas com o Representante Vale 04 (RV04), que será citado no item 3.1. 63A Fundação Vale, fundada na década de 1970, tem como objetivo “[...] contribuir para o desenvolvimento

territorial e para a melhoria da qualidade de vida nas comunidades localizadas em áreas de operação da Vale, por meio de iniciativas sociais voluntárias e de caráter estruturante.”. (FUNDAÇÃO VALE, 2016, p. 01).

Responsabilidade social para a Vale do Rio Doce é uma questão estratégica. Porque você não sustenta uma empresa de recursos naturais no longo prazo se não for bem aceito na comunidade, se não for bem percebido e não atuar de forma decisiva no destino daquela comunidade onde você está. (PILLAR, 2006, p. 47 apud PANTOJA, 2012).

Atualmente a empresa utiliza mecanismos gerenciais como “Programas de Comunicação Social – PCS”, que são previstos nos Relatórios de Impacto Ambiental das suas respectivas obras/atividades logísticas/econômicas. O PCS da Vale trabalha com três linhas estruturantes de ação (Quadro 07):

Quadro 5. Linhas de ação do PCS da Vale.

1ª Linha de ação 2ª Linha de ação 3ª Linha de ação

Estabelecer processos de comunicação entre o empreendimento e demais órgãos do poder público local e junto aos organismos não- governamentais para criar visibilidade positiva do empreendimento; voltados para o “marketing” institucional do projeto, destinado aos agentes políticos, entidades representativas da sociedade civil, entidades de classe, comunidade técnica e científica, e a população em geral.

Destinada especificamente à população da AID, particularmente aquela localizada nas localidades próximas às obras, que receberá informações permanentes em

consonância com as frentes de trabalho e com as atividades de cada componente do

empreendimento; assim o PCS apresenta-se como um canal para dirimir dúvidas, denunciar problemas com interferência de obras, segurança e outros.

Voltada para o conjunto de colaboradores envolvidos nas obras das linhas tronco fase 1 e fase 2 com o objetivo de se contribuir com o Sistema de Gestão Ambiental e Social do empreendimento através do desenvolvimento de atividades de Comunicação Social para a informação de todo o corpo funcional, e colaboradores em geral quanto à necessidade da conservação ambiental e respeito aos grupos sociais pertencentes à AID, particularmente aqueles localizados próximos às frentes

de obras. Fonte: VALE (2010).

No caso da Amazônia, especificamente a região entre os estados do Pará e Maranhão, que tem grande influência da atividade mineradora, Wanderley (2012) cita que a empresa assumiu o poder hegemônico regional, e menciona ainda que, com a atuação dela “[...] os processos potencializadores e deflagradores dos movimentos populares foram desencadeados por impactos e ameaças provenientes da mineração industrial, que reconfiguraram as relações de poder e os arranjos territoriais em detrimento das populações locais.” (WANDERLEY, 2012, p. 82). Considera-se ainda que: “Em volta da mina de Carajás, muitas comunidades rurais são expulsas pela duplicação que a Vale faz do sistema ferroviário.” (BITTENCOURT; BOSSI; SANTOS, 2012, p. 15).

Analisando a atuação da empresa Vale nos conflitos socioambientais no Maranhão, Ribeiro Junior e San’Ana Junior (2011, p. 121) apresentam que esta “[...] lança mão de estratégias de Responsabilidade Social [...]” para que estes conflitos sejam amenizados e que não tragam grandes problemas econômicos. Estes citam ainda que, em termos de relações conflituosas: “No Maranhão, assim como no Brasil, muitos conflitos ambientais pululam e,

apesar da existência de leis que buscam impor limites e normatizar a sociedade, são pouco eficientes quando se trata de gigantes econômicas, como é o caso da Vale.” (op. cit., 2011, p. 122).

Para Bossi et al. (2009), a interligação entre o Estado brasileiro e a empresa Vale tem se acentuado, principalmente em relação aos crescentes financiamentos disponibilizados através do BNDES. Estas ações impulsionam diversos problemas socioambientais, “[...] como exploração de madeira, produção de carvão vegetal e ferro gusa. Esses impactos podem ser observados claramente ao longo da Estrada de Ferro de Carajás, no Pará e Maranhão.” (BOSSI, 2010, p. 164). E Sobre a DEFC no Maranhão, Ribeiro Junior e Marinho (2013), destacam que:

A falta de diálogo da empreendedora com as comunidades locais torna os conflitos mais constantes. São recorrentes os casos em que as comunidades têm de ameaçar fechar a Estrada de Ferro para que a empreendedora envie algum técnico para dialogar com os moradores sobre algum problema relacionado à EFC (RIBEIRO JUNIOR; MARINHO, 2013, p. 36).

Ao avaliar o processo de relação entre a empresa e as comunidades do Maranhão e do Pará, além das análises da ação desta em países como Moçambique, Vitti (2014, p. 132) menciona que “[...] a ação desta empresa é deflagradora de processos de organização social, assim como a exploração do trabalho determina a revolta da classe trabalhadora.” Além disso há os problemas entre a empresa e a comunidade do assentamento Palmares II, no município de Parauapebas (PA), onde a relação é marcada por “[...] uma longa história de tensões e enfrentamentos com a mineradora” (MICHELOTTI; SOUZA; ALMEIDA, 2010, p. 04). No mesmo município há também o conflito histórico com a comunidade do assentamento Carajás II (FAUSTINO; FURTADO, 2013).

Para Silva, Ribeiro Junior, Sant’Ana Junior (2011) a DEFC tem simbolizado para as classes política e empresarial, desenvolvimento econômico; para as comunidades rurais, “[...] ela representa a destruição, a violação, a incerteza quanto ao futuro, a vida posta em risco.” (et al., p. 18). Neste sentido, AIAV (2015, p. 30) cita ainda que “[...] o aumento do volume das exportações eleva também de forma dramática os conflitos ao longo da Estrada de Ferro de Carajás”.

Citando que há conflitos entre a empresa e algumas comunidades, pois a população tende a confundir a responsabilidade do Estado como responsabilidade da empresa, Bismarchi e Soares (2009) destacam que a Vale, para evitar este tipo de conflito adota os seguintes procedimentos:

[...] a empresa mantém um relacionamento permanente com todas as comunidades do entorno das unidades operacionais e um acompanhamento rigoroso dos aspectos socioambientais deste entorno de acordo com os mais exigentes padrões internacionais, a fim de evitar conflitos e ao mesmo tempo atender às necessidades das comunidades locais, da comunidade internacional (seja mídia, governos ou clientes) e assegurar a segurança ambiental e a sustentabilidade das operações. (BISMARCHI; SOARES, 2009, p. 35).

Autores como Penha e Nogueira (2015) destacam que as obras da DEFC ampliaram os conflitos entre a Vale e as comunidades. Estes citam que, para fazer frente à crescente influência desta obra “[...] os sujeitos que compõem as áreas atingidas pela EFC se organizam e lutam contra essa política de desenvolvimento. Essas lutas vêm, principalmente, com a ação de cobrança de reparos e indenizações por parte da Vale S.A.” (PENHA; NOGUEIRA, 2015, p. 178). No caso do assentamento Francisco Romão, Faustino e Furtado (2013) destacam a existência de diversas denúncias de danos causados pela obra.

Existem situações conflituosas na região do AFR, como a citada pela Procuradoria da República do Maranhão (PRM). Depois de vistorias no assentamento a PRM propôs uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Vale, devido às rachaduras nas casas, que segundo este órgão “[...] são decorrentes da vibração ocasionada pela passagem dos trens pela estrada de ferro.” (PREM, 2013).

Como observado nas Figuras 22, 30, 31 e 3264 demonstrada anteriormente, a proximidade entre a EFC e a agrovila do assentamento Francisco Romão é de menos de 200 metros. Devido a isso, esta relação não é opcional, e sim obrigatória. A questão a ser analisada é como os dois agentes, empresa e comunidade, estabelecem esta relação; e quais os resultados desta para a empresa e para a comunidade.