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Esta seção trará a experiência-piloto com o propósito de testar e validar os instrumentos de escuta junto ao grupo pesquisado, sendo um questionário e dois vídeos. Chamo atenção de que será um breve relato, porque as duas mídias que foram utilizadas e aprovadas aparecerão mais adiante, neste mesmo capítulo, com as suas respectivas análises.

A experiência-piloto foi realizada, em março de 2013, durante uma formação em educação para as relações de gênero e sexualidades, para a equipe técnica do projeto de acompanhamento, monitoramento, avaliação e intervenção pedagógica na rede pública

estadual da Bahia – PAIP, formada por professoras e estagiárias da SEC que responderam aos questionários.

Na ocasião, foram exibidos dois vídeos. O primeiro, Sonho impossível, uma animação de oito minutos que mostra o cotidiano de uma família nuclear. Após a exibição, foi aplicado um questionário, no qual foi solicitada a identificação da pessoa entrevistada, por meio de idade, sexo e identidade de gênero, além de treze perguntas sobre o vídeo nas modalidades objetiva e subjetiva.

Vinte pessoas, entre 21 e 65 anos, responderam o questionário, sendo apenas um do sexo masculino. Em resposta à identidade de gênero, dez pessoas responderam mulher, oito pessoas se declararam hétero e uma se autodeclarou homo. Duas pessoas não responderam essa questão. De fato, faz-se confusão entre sexo, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, entre outras, o que se repete também na pesquisa. Foi percebível a necessidade de iniciar as discussões sobre gênero e sexualidade na escola, afinal esse é um “nó” que a escola precisa desatar. Aqui, estamos lidando com professoras e estagiárias e, mesmo assim, ainda há pouco acesso a essas informações. Em relação à distância entre as idades declaradas, destaco que isso ocorreu porque a formação atendeu às professoras, às vezes, em final de carreira e também as estagiárias, em situação de graduação, portanto, mais jovens.

As três primeiras perguntas a respeito de Sonho impossível buscaram relacionar a vida da pessoa pesquisada com as situações vividas pela protagonista do vídeo.

1. Quais os sentimentos produzidos em você ao assistir o vídeo?

2. Existe alguma situação apresentada no vídeo que lembrou sua vida

pessoal? Qual ou quais?

3. Você conhece alguém que lembre as situações vividas pela

protagonista de Sonho impossível?

Os resultados do questionário me deram, pelo menos, duas certezas: a primeira é a de que esse vídeo seria utilizado na minha pesquisa, porque ele, mesmo de forma estereotipada, mostra algumas situações que evocam a pauta feminista, a situação geral de algumas mulheres, o sistema de opressão do serviço doméstico e a violência simbólica. Essas questões já levam o espectador para caminhar por algumas dinâmicas das relações sociais tradicionais, o que é um dos meus propósitos, para depois mostrar outras formas de estar no mundo, para além da heterossexualidade. A segunda certeza foi a de que a estratégia de trazer a situação do vídeo poderia ser um elemento capaz de problematizar o cotidiano das pessoas. Além disso, foi explícita a convocação da emoção, fator que reconhecidamente leva a reflexões sobre o humano, sobre a compaixão, sobre o viver.

As respostas dos questionários mostraram que o vídeo despertou sentimento de

indignação, tristeza, revolta, injustiça, submissão, exploração, desigualdade, preconceito, machismo, revolta, pena e compaixão. As palavras parecem traduzir o sentimento de solidariedade, apontando que, mesmo que aquelas situações não façam parte de suas próprias realidades, de alguma forma, se assemelham à realidade de pessoas próximas, mulheres que fazem parte de sua vida. Na terceira questão, houve unanimidade em afirmar que conheciam outras mulheres vivenciando as situações trazidas pela protagonista do vídeo.

As análises das demais perguntas do questionário serão apresentadas quando da aplicação da pesquisa oficial, aqui foi apenas para mostrar os resultados da testagem e de como contribuiu na escolha de outros vídeos e a valorização dessa estratégia.

No segundo vídeo, Amanda e Monick, um documentário que aborda a vida de duas travestis, foi solicitado a cada pessoa pesquisada que apenas escrevesse suas impressões a respeito do documentário. Os resultados foram compilados e comparados com o vídeo anterior. Enquanto em Sonho impossível as palavras foram de indignação, revolta, pena,

exploração, machismo, injustiça, compaixão, tristeza, realidade das mulheres, submissão e desigualdades, em Amanda e Monick, contrariamente, aparecem amor, direitos, família, paternidade, educação, cidadania, estranhamento, diversidade, respeito mútuo, compreensão, conflito de identidade, acolhimento, possibilidade de novos arranjos familiares, o que pode indicar que “a encenação, quando se oferece na imagem fílmica pela mise-en-scène, pode promover fissuras no imaginário heteronormativo” (GUEDES, 2013, p.

10). É surpreendente como esses resultados nos possibilitam fazer uma correlação entre os discursos produzidos e o formato das mídias.

O vídeo Sonho impossível é uma ficção que mostra o cotidiano de uma relação heterossexual, os adjetivos utilizados sobre os sentimentos despertados estão carregados de reprovação. Talvez, essas expressões tenham aparecido em função de a estética do vídeo ter envolvido as expectadoras. Possivelmente, um exercício de alteridade seria o de que a pessoa que assiste ao vídeo não se reconheça na situação, ela pode estar fazendo uma transferência e ligando as situações vivenciadas pela protagonista com situações vivenciadas por sua própria mãe, para as mais jovens do grupo. A citação de Souza (2014) pode explicar como as pessoas interagem com as imagens.

Entender de que modo as imagens e os sons agem na vida das pessoas e tentar compreender como estas recebem estes componentes é, portanto, uma das possibilidades da antropologia e de suas relações com o cinema e com o audiovisual em geral. Descrever e interpretar como as pessoas agem, através

e participando destas imagens, faz com que tenhamos de notar o/a espectador/a como elemento não apenas receptor, mas como esfera dinâmica que reflete e projeta o conjunto de imagens e sons ao qual é exposto e com o qual se envolve e o recria, o reinterpreta e o refaz (SOUZA, 2014, p. 5).

Depois de conhecer as respostas sobre Amanda e Monick, decidi que o documentário entraria também na pesquisa, mas da seguinte forma: que eu buscaria sistemas possíveis de comparação entre os vídeos, já que me pareceu interessante perceber seus resultados e que eu manteria a estratégia de trazer a situação vivenciada neles para o cotidiano das pessoas questionadas. Nesse sentido, a forma que a pesquisa se deu em Amanda e Monick, com a solicitação apenas da emoção, deveria ser modificada e, para isso, um questionário mais elaborado sobre o documentário precisava ser construído. Além disso, percebi que mostrar apenas a heterossexualidade e a travestilidade era insuficiente e, por isso, iniciei uma busca por outras obras que problematizassem novas possibilidades.

Trouxe essas impressões para mostrar como foi importante essa experiência piloto para o encaminhamento de minhas escolhas dos filmes e a forma de questioná-las por ocasião da aplicação dos questionários. Na próxima seção, começo o relato da pesquisa, iniciando com a definição das escolas que foram visitadas para aplicação dos questionários.