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MINISTÉRIO PÚBLICO E PROTEÇÃO SOCIAL: EM DEFESA DOS DIREITOS

No documento LÍLIAN MARIA OLIVEIRA VIEIRA (páginas 55-62)

Antes de analisar a atuação do Ministério Público Brasileiro nos dias atuais, importa abordar as origens dessa instituição para entender o papel social para qual foi criado e a perspectiva adotada, principalmente a partir da Constituição Federal, de 1988.

Quando falamos sobre a história do Ministério Público, percebemos que esta é imprecisa. Alguns autores afirmam o seu surgimento situado entre o início e final da Idade Média, ou início dos tempos modernos. Contudo, optamos por adotar a perspectiva de Mazzilli (2007), ao afirmar que a origem do Ministério Público remete ao trabalho desenvolvido pelos procuradores do rei na França do século XIV33.

Coelho (1984) também aponta que o surgimento do Ministério Público está relacionado à Revolução Francesa ao afirmar,

O Ministério Público é filho da democracia clássica e do Estado de Direito nascidos da Revolução Francesa de 1789, que, abolindo o Estado Autoritário do Ancien Régime, instituiu uma nova ordem, baseada no respeito à lei, como expressão da vontade geral. (p. 168).

Da mesma forma que não há certeza quanto ao surgimento do Ministério Público no mundo, não há também, um consenso sobre a forma como a instituição se estabeleceu no cenário brasileiro.

Os autores que analisam a questão apresentam dois documentos portugueses como as primeiras referências ao surgimento do MP: as Ordenações Manuelinas de 1521 e as Ordenações Filipinas de 1603, que “citavam as atribuições

33 Cabe o registro de que optou-se por adotar essa perspectiva pois ela é a mais aceita entre os autores e pesquisadores da história do Ministério Público.

de promotores de justiça e conferiam a esses profissionais o papel de fiscalizar a lei e promover a acusação criminal”. (SILVA, 2018).

Independente do seu surgimento, no Brasil, o Ministério Público, enquanto instituição, só se organizou nos anos iniciais do século XX. Através de análise do conteúdo das Constituições brasileiras, realizada por Silva (2018), é possível identificar que apenas em 1832, com o Código de Processo Penal do Império, começa a sistematização das ações do Ministério Público. Na República, o Decreto nº 848, de 11 de setembro de 1890, cria e regulamenta a Justiça Federal e dispõe sobre a estrutura e as atribuições do Ministério Público em âmbito federal. De acordo com Mazzilli (2007), apenas na Constituição Federal de 1891 encontra-se a primeira referência ao MP, com a institucionalização das Justiças Estaduais.

De acordo com Coelho (1984, p. 170), verifica-se que apenas com a Constituição Federal de 1934, o Ministério Público adquire status de instituição em um texto constitucional,

[...] incumbindo-o entre os órgãos de cooperação nas atividades governamentais assegurando estabilidade aos seus membros, impondo a exigência do concurso para ingresso na carreira e conferindo ao presidente da República não somente o poder de livre escolha e demissão do procurador-geral da República, mediante aprovação do Senado Federal, como também o de nomear livremente os chefes do Ministério Público no Distrito Federal e nos Territórios.

Ressaltamos ainda que, durante a ditadura militar de 1964, o Ministério Público elevou consideravelmente suas atribuições. Arantes (2000, p. 21) declara que a instituição assumiu uma postura de não confrontar o regime militar, segundo o autor:

O Ministério Público, como órgão vinculado e dependente do Poder Executivo, desempenhou função estratégica nessa época, graças a uma ampliação significativa de suas atribuições legais e constitucionais. Mais precisamente, os militares fizeram do seu órgão de cúpula – a Procuradoria-Geral da República – um agente importante da tentativa ambígua de institucionalizar a revolução, isto é, de governar não só pela força, mas também através da lei.

Ao discorrer sobre a postura adotada pelo Ministério Público durante a ditadura militar de 1964, Silva (2018, p. 82) afirma,

Um dos fatores que explicam a posição de não contestação direta do regime pelos integrantes do Ministério Público estava relacionado à pretensão institucional de conquistar as mesmas condições usufruídas pelos juízes do Tribunal de Justiça, sendo os altos salários um desses objetivos. Além disso, havia interesse em incorporar novas atribuições ao ordenamento jurídico brasileiro, diante do fato de que, à época, a instituição não detinha poderes constitucionais que incidissem diretamente nos Poderes Executivo e Legislativo como atualmente. Assim, a postura de não enfrentamento institucional ao regime possibilitou ao MP condição diferenciada para em tempo futuro obter benefícios e atribuições nunca antes conquistados, ressaltado por forte viés corporativista dos promotores e procuradores de Justiça.

Além do rol de atribuições do Ministério Público ter aumentado durante o período da ditadura militar, também ocorreram alterações significativas, entre as quais, a subordinação da instituição ao Poder Executivo, retirando-a do Poder Judiciário, além do Senado Federal ter sido removido do processo de nomeação do procurador-geral da República, ficando a escolha sob responsabilidade exclusiva do presidente da República.

Verificamos que os anos 1980 são a década de maior avanço na edição e implantação de novas atribuições ao Ministério Público nos ordenamentos jurídicos, o que está diretamente ligado ao contexto de abertura política vivenciada nesse período histórico. A aprovação de legislações, além da Constituição Federal de 1988, que atribuem à instituição poderes de atuação até então não normatizados, permitem ao MP ocupar lugar de destaque no Sistema de Justiça brasileiro.

A aprovação da Lei Orgânica do Ministério Público, por meio da Lei Complementar n. 40, de 1981, representou um grande avanço, pois se caracterizou como elemento essencial no processo de uniformização dos Ministérios Públicos no Brasil. Verifica-se que antes de sua aprovação, os Ministérios Públicos estaduais não tinham definição constitucional como nos dias atuais, apresentando diversas diferenças organizacionais, uma vez que não havia uma orientação única como baliza institucional.

Conforme sinaliza Arantes (2000), as atribuições acumuladas pelo Ministério Público durante o período de regime militar, com exceção das relacionadas à persecução penal 34 , são confirmadas e ampliadas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 – com uma distinção essencial para a instituição: estar constitucionalmente desvinculada dos Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário35).

Percebe-se, nas palavras de Silva (2018, p. 128) que,

O modelo de Ministério Público consagrado na Constituição Federal de 1988 é resultado do processo vivenciado pela instituição durante as décadas de 1960, 1970 e 1980, e também enquanto expressão das mudanças ocorridas na sociedade brasileira durante o período assinalado.

Segundo assinalado por Arantes (2000), a instituição foi uma das que mais se desenvolveu a partir dos anos 1960, principalmente ao se analisar à ampliação das atribuições institucionais, que resultaram em maior intervenção na organização do Estado e da sociedade civil; contudo, tais mudanças aconteceram durante o período de ditadura militar, conforme exposto anteriormente. Tal fato fomenta reflexões e questionamentos sobre o significado dessa ampliação e as consequências de suas ações para a sociedade brasileira.

A Constituição Federal, de 1988 ampliou sobremaneira as funções inerentes ao Ministério Público representando um divisor de águas na atuação coletiva do MP, que passa a exercer uma posição de destaque no exercício de suas funções judiciais e extrajudiciais.

Nesse contexto, Palmeiro (apud MASSIA, 2011, p. 20) destaca que o constituinte de 1988 incumbiu uma nobre função ao Ministério Público, qual seja: de guardião do regime democrático, dos interesses coletivos, difusos e individuais indisponíveis, assumindo a atribuição de tutela de todos os bens jurídicos da

34Persecução penal é formado por duas fases: a investigação criminal e o processo penal. A investigação criminal é um procedimento preliminar, de caráter administrativo, que busca reunir provas capazes de formar o juízo do representante ministerial acerca da existência de justa causa para o início da ação penal. O processo penal é o procedimento principal, de caráter jurisdicional, que termina com um procedimento judicial que resolve se o cidadão acusado deverá ser condenado ou absolvido.

35 Importa esclarecer que essa desvinculação imprime ao Ministério Público independência funcional e administrativa, o que permite maior autonomia na sua atuação.

sociedade. Essa nobre função rompe, decisivamente, com a postura inerte e fragmentada do Ministério Público conhecida no período anterior à promulgação da Carta Magna.

Não se pode negar, portanto, que esse papel constitucional de defensor dos interesses sociais, “[...] colocará com grande frequência o Ministério Público em litígio com o Poder Público, em razão das notórias deficiências verificadas na atuação deste em prol do bem estar social”. (FERRAZ; GUIMARÃES JR., 1997, p. 21).

Isso se dá em constância, pois o após a Constituição de 1988 o Ministério Público assume o papel de fiscal da lei e isso implica, dentre outras coisas, na cobrança constante de melhorias e ajustes na execução de políticas públicas, por meio da oferta de projetos, programas e serviços de qualidade para a sociedade.

Desta forma, o Ministério Público assume uma função política, que lhe impõe a “[...] responsabilidade de provocar a aplicação da lei na perspectiva mais direta de atenuar os efeitos das desigualdades sociais”. (FERRAZ; GUIMARÃES JR., 1997, p. 23).

No arcabouço constitucional, o Ministério Público encontra sua definição e funções largamente ampliadas, nos artigos 12736 e 12937 da Constituição. As funções institucionais, presentes no artigo 129, são aspectos abrangentes e

36 Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (BRASIL, 1988).

37 Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. (BRASIL, 1988).

relevantes para o Estado e para a sociedade, incumbindo o Ministério Público de um papel essencial na tutela coletiva, no que concerne à defesa dos direitos.

A Constituição Federal de 1988, ao incumbir o Ministério Público da função de guardião do regime democrático, dos interesses coletivos, difusos e individuais indisponíveis38, o transforma em uma instituição indispensável no direcionamento para uma atuação preventiva na área de violação de direitos e nas questões de ilicitude e inconstitucionalidade, almejando, como afirmou Rodrigues (2009, p. 86), justiça, paz, segurança, liberdade e interesse público.

O Parquet39 passa a ser caracterizado como um agente político, com o objetivo de promover a transformação social proposta pela CF de 1988. A esse respeito, Barros (2012, p. 9) comenta,

A Constituição Federal de 1988 reflete todos esses ideais e características, sendo densa na previsão de direitos fundamentais e, diante de sua supremacia e força normativa, vem reforçada pelo controle de constitucionalidade, sendo uma das missões dos poderes públicos a de atentar em suas decisões, especialmente em temas complexos (hard cases), como saúde, educação, políticas sociais, aos parâmetros e valores definidos constitucionalmente, sob pena de inconstitucionalidade.

Entretanto, cabe o registro de que o Ministério Público é uma instituição que vivencia um processo de mudança, no qual o novo e o velho encontram-se em disputa, atravessada pelos mesmos conflitos e dilemas existentes na sociedade, por correntes conservadoras e críticas que estão em constante embate em seu interior e em um processo de correlação de forças que não é, de modo algum simples de ser resolvido. Na fala de Tejadas (2012, p. 26):

O velho representado no tradicional papel acusatório, na seara criminal; já o novo se revela na missão definida na Constituição, que

38 Os interesses difusos e os coletivos em sentido estrito, apresentam-se como espécie dos interesses transindividuais ou coletivos em sentido lato. Estes são interesses referentes a um grupo de pessoas. Interesses que não se limitam ao âmbito individual, mas que não chegam a constituir interesse público, embora possam com ele coincidir. Segundo Hugo Nigro Mazzilli, interesses individuais homogêneos são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum. São essencialmente individuais, porém tutelados coletivamente. (MAZZILLI, 2009)

39 Termo jurídico usado como sinônimo de Ministério Público ou de algum dos seus membros (promotores ou procuradores)

encarregou a Instituição da defesa de direitos humanos. O Ministério Público vive intensos desafios relacionados à possibilidade concreta de constituir essa incumbência como o seu projeto hegemônico, correndo o risco de manter os mandatos constitucionais no plano discursivo. A aproximação à defesa e à promoção dos direitos humanos requer diálogo profícuo com atores que possam interagir em um sistema de garantia de direitos, no qual o Ministério Público é um ator central, porém não único.

Assim, as novas atribuições institucionais na área cível40, principalmente na atuação na tutela dos interesses difusos e coletivos (meio ambiente, pessoa com deficiência, criança e adolescente, idoso, minorias étnico-sociais, entre outros), convive com o ranço do “velho” MP, caracterizado pela atuação criminalista e acusatória.

De acordo com Silva (2018, p. 136),

A criação de instrumentos jurídicos que permitiram à instituição atuar legalmente na área cível e no âmbito dos direitos difusos e coletivos possibilitou a assunção de novas atribuições. Essas novas atribuições formais expressas por meio do atendimento aos direitos coletivos, da análise e da avaliação de políticas públicas, permitem que a instituição atue também na defesa dos direitos sociais. Porém, a forte relação histórica com a área criminal e a essência de atuação na perspectiva da persecução penal, intensificada pela formação com viés conservador de muitos promotores e procuradores de Justiça, fazem da instituição um palco de conflitos e contradições permanentes. Nesse contexto, vivencia-se cotidianamente o esforço de setores progressistas no interior da instituição, bem como do próprio Serviço Social, em estabelecer propostas de trabalho pautadas nos princípios do Código de Ética do Serviço Social, o que também sinaliza que a profissão tem participado ativamente da disputa pelo direcionamento dos rumos institucionais, ainda que em condição de subalternidade.

As principais leis aprovadas após a promulgação da Constituição Federal de 1988, no âmbito criminal ou no cível, apresentaram em seu conteúdo atribuições ao Ministério Público que fortalecem e legitimam sua atuação, além de atingir diretamente o trabalho dos profissionais que aí se inserem, como é o caso do assistente social.

40 Trata-se de um extenso campo que compreende ações na área do Direito Civil, Direito de Família e de Sucessões, Direito do Consumidor, Direito Urbanístico, Direito Ambiental, Direito à Saúde, Garantias Constitucionais, entre outras.

4 SERVIÇO SOCIAL NOS MINISTÉRIOS PÚBLICOS DO NORDESTE: A

No documento LÍLIAN MARIA OLIVEIRA VIEIRA (páginas 55-62)

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