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3 A RELAÇÃO ENTRE CLASSES E RAÇA NA CONTEMPORANEIDADE: COTAS SOCIORRACIAIS NA UNIVERSIDADE

3.1 Percurso histórico das ações afirmativas

3.1.3 O mito da inclusão social

Não podemos seguir com este estudo sem antes conferir um tratamento especial à questão da inclusão. Como vimos até aqui, o discurso da inclusão é carregado de conteúdo ideológico que se retroalimenta na política neoliberal, e ao mesmo tempo ressoa em parte da esquerda, a qual acredita na possibilidade de mobilidade social a partir da implantação desta e de outras políticas do gênero.

Bertoldo (2007), ao fazer a crítica marxista à questão da inclusão social, apresenta como novo elemento a estabilidade política, motivo pelo qual a chamada esquerda estaria em consonância com as medidas neoliberais:

Em contraposição à chamada política neoliberal, a suposta esquerda brasileira passa a elaborar programas e projetos visando amenizar os problemas sociais, situando-se, nesse cenário, em perfeita sintonia, diga-se de passagem, com as diretrizes emanadas daqueles mesmos organismos internacionais, temerosos dos riscos colocados à estabilidade política, pela pobreza extrema que assola vastas regiões do globo (BERTOLDO, 2007, p. 170).

Em nome da estabilidade e do combate à pobreza, discursos e práticas se aproximam, e medidas compensatórias, antes recriminadas pelos diversos movimentos, hoje são defendidas e propostas pela chamada esquerda brasileira.

Mas se tratamos aqui a inclusão social como mito, em parte isso se deve à mesma linha de raciocínio utilizada quando abordamos a democracia racial, ou seja, pelo fato de esta não corresponder a uma mudança real nas demandas sociais. E noutra parte, temos por base a tese de Bertoldo, quando denuncia:

Em nossa opinião, afirmar que a exclusão social é uma categoria que atualmente pretende expressar a maioria dos problemas sociais mostra-se insuficiente para a análise efetiva da realidade. Mais ainda, a análise da problemática social a partir do binômio exclusão/inclusão social acaba contribuindo para o fortalecimento da realidade [...]Assim, admitir-se que existem excluídos, seja em que dimensão for, significa supor que estes não fazem parte do processo social. Estar excluído da sociedade, independentemente de que forma tal exclusão se manifeste, significa simplesmente não pertencer ao mundo dos homens, isto é, é não fazer parte do gênero humano (BERTOLDO, 2007, p. 171).

Até agora, as políticas compensatórias que vêm sendo adotadas, de ações afirmativas, entre outras, têm muito mais reforçado a realidade de desigualdades, que superado. O que reforça a afirmativa de tratar-se de um mito, pois a inclusão social tenta incluir na sociedade sujeitos sociais que nela já estão inseridos, seja por meio do trabalho, seja por meio do desemprego. Com isso a autora quer dizer que os indivíduos, estejam trabalhando ou desempregados, tenham casa ou não, fazem parte do mundo dos homens.

Noutras palavras:

Variações quanto ao grau de acesso à riqueza, por mais profundas que se apresentem, não se traduzem ou se explicam na dicotomia exclusão/inclusão. Tal parelha, ao contrário, acaba por mistificar a realidade, pois não existem homens fora da sociedade, todos fazem parte dela, ocupando nesta uma posição de classe (Idem, p. 173).

Consideramos como mito o discurso de inclusão social também por esse fazer parte do ideário do Estado burguês, o mesmo que gerencia o capital e cria a desigualdade social, além de utilizar as diferenças de gênero, etnia, entre outras, para potencializar a exploração entre os sujeitos.

Quando nos reportamos ao campo educacional, verificamos ainda uma dupla falácia no discurso governamental. Quando confrontamos o discurso oficial da proposta de inclusão de portadores de necessidades especiais na educação regular com o discurso de inclusão de negros nas universidades, nos deparamos com gritantes contradições.

Nos sites oficiais do governo, quando o assunto é a inclusão, partem de visões diferentes de escola pública. Por um lado, o próprio governo reconhece que não existe qualidade nas escolas públicas, razão pela qual os negros não têm chegado à universidade, já que são, em sua maioria, oriundos de tais escolas. Por outro, quando se trata de pessoas deficientes, no entanto, para o discurso oficial as escolas públicas passam a apresentar qualidade. Assim, para desobrigar-se do atendimento às pessoas deficientes em escolas ou salas especializadas, com profissionais especializados, o governo defende a qualidade da escola pública no atendimento necessário a esse segmento da população nas escolas regulares.

As cotas raciais, em particular, enquanto parte das ações afirmativas, se inserem na lógica do mito da inclusão social, ao não considerarem os negros como sujeitos sociais marcados por relações de classe.

O Programa Universidade para Todos – PROUNI – do governo federal, junto com as cotas raciais, faz parte da Reforma Universitária do governo Lula. O primeiro propõe a

destinação de vagas públicas para as escolas privadas, e o segundo, a distribuição de vagas para negros, pardos e índios em universidades públicas. A reforma, em seu bojo, apresenta, entre outras medidas, a redução de recursos públicos para as universidades públicas e a destinação de verbas públicas para as privadas. O curioso é que no caso das cotas raciais os negros estão sendo chamados a participar de uma universidade que está sendo sucateada pelo próprio governo. Como podemos verificar nas palavras de Coggiola, citadas por Araújo; Neto (2007, p. 264):

O Prouni destina-se a financiar, com recursos públicos, as universidades privadas, sob a alegação de compras de ‘vagas ociosas’, destinadas a alunos carentes, negros e ex-presidiários. A isenção fiscal prevista nesse projeto é superior ao investimento do governo federal com as Universidades Federais [...]. A proposta do ‘Universidades para Todos’ cria um mercado cativo para o setor privado, subvencionado pelo Estado, agravando os problemas crônicos.

O discurso oficial, apesar de suas contradições, recebe o apoio de parte do movimento estudantil, a exemplo da União Nacional dos Estudantes – UNE – e da União Brasileira de Estudantes Secundaristas – UBES –, que se uniram com “o ex-ministro da educação para apoiar dois pontos da reforma universitária: o Prouni e o programa de destinação de cotas raciais” (Idem), propondo a inclusão de negros, pardos e índios nas mesmas universidades que estão sendo sucateadas pela redução de verbas.

Podemos concluir que o consenso político formado pelo neoliberlismo tem uma origem material na busca da contenção da queda da taxa de lucro, e ao contrário do defendido, o aparente Estado democrático camufla uma ofensiva brutal aos direitos dos trabalhadores, com a redução dos postos de trabalho e a precarização do emprego, aumentando ainda mais a distância entre pobres e ricos, negros e brancos, homens e mulheres.