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Modalidade e sua relação com aspecto e tempo

3.3. Modalidade

3.3.1. Modalidade e sua relação com aspecto e tempo

Lyons (1977) reconhece que não há uma distinção nítida entre tempo verbal e aspecto por um lado e tempo verbal e modalidade por outro, essas noções estão interligadas no discurso para se referir ao tempo. Segundo Givón (1984), as categorias tempo, aspecto e modalidade (categorias TAM) representam três diferentes pontos de partida em nossa experiência de tempo. O tempo envolve primeiramente – embora não exclusivamente – nossa experiência /conceito de tempo como pontos em uma sequência e, portanto, as noções de anterioridade e posterioridade. Os vários tipos de aspecto envolvem nossa noção de delimitação do período de tempo, isto é, várias configurações de começo, meio e fim. Finalmente, a modalidade diz respeito, entre outras coisas, às nossas noções de realidade, “no sentido de ter existência factual em algum tempo (verdadeiro), não ter existência real em nenhum tempo (falso), ou ter uma existência potencial em algum tempo possível (possível)” (GIVÓN, 1984, p. 272)40.

Segundo Givón, entre todos os subsistemas gramaticais, tempo, aspecto e modalidade são as categorias mais complexas e frustrantes para os linguistas, já que são categorias obrigatórias sem as quais nenhuma sentença pode ser produzida. Enquanto componentes obrigatórios, as categorias TAM constituem um mecanismo de conectividade

40 Trecho livremente traduzido de: “in the sense of having factual existence at some real time (true), having

82 – ou coerência – de sentenças no contexto mais amplo do discurso. Dessa forma, as categorias TAM estão envolvidas em construções complexas e em funções complexas no discurso.

De acordo com Givón, dentre as várias categorias que abrangem o complexo TAM, estão grupos de traços semânticos e discursivo-pragmáticos. Como traços semântico-lexicais, eles estão intimamente envolvidos no significado dos verbos; como traços semântico-proposicionais, eles codificam várias facetas do estado, evento ou ação; como traços discursivo-pragmáticos, eles desempenham um papel crucial na sequenciação de proposições em figura/fundo, na indicação de modalidades no que diz respeito ao contrato entre falante-ouvinte (verdade/certeza/probabilidade). Esses traços são pertinentes para o fenômeno em análise, visto que sobre o uso de perífrases com gerúndios recaem certas nuanças modais como certeza/incerteza, possibilidade/impossibilidade de uma situação.

Para Givón (1984), os tipos de modalidades que são mais comuns nas línguas humanas:

a) pressupossição: uma sentença é verdadeira por uma espécie de acordo prévio. b) asserção realis: que se desdobra em duas: (i) afirmativa: uma sentença é fortemente aceita como verdadeira; (ii) negativa: uma sentença é fortemente aceita como falsa.

c) asserção irrealis: uma sentença é fracamente aceita como uma verdade possível.

Para Coan et al. (2006), essa atitude do falante em relação ao conteúdo proposicional da sua declaração constitui o seu julgamento epistêmico (de verdade, possibilidade, certeza, crença, evidência), deôntico ou avaliativo (de desejo, preferência, intenção, habilidade, obrigação, permissão, manipulação). O tempo futuro é claramente

irrealis, nos termos de Givón, já que trata de estados ou eventos hipotéticos, possíveis, incertos que ainda não ocorreram, mas é possível, no caso das perífrases gerundivas, que o falante opte por expressar uma avaliação epistêmica ou deôntica de um estado de coisas

83 auxiliares e modais, que podem elucidar diferentes avaliações do falante sobre o conteúdo proposicional de uma situação descrita no futuro. Nos exemplos seguintes, temos eventos

irrealis com avaliações diferentes: epistêmica em (37); deôntica em (38).

(37) Acho que muita gente pode ta ali contribuindo ta ali ajudando e assim

descobrir os potenciais que a cidade tem. (corpus Torres).

(38) Se o país tiver regredindo eles VÃO TER QUE TA BRIGANDO. (corpus Torres).

A modalidade epistêmica foi caracterizada por Hengeveld (1989) em termos de comprometimento do falante com relação à verdade do conteúdo da predicação que ele apresenta para ser considerado. “Ao modalizar subjetivamente uma predicação, o falante revela-se como a origem da informação e também como aquele que apresenta um julgamento sobre a informação contida nessa predicação” (HENGEVELD, 1989 apud HATTNER et ali., 2000).

Segundo Palmer (1986), uma das formas de o falante indicar o seu (des)comprometimento com a verdade de uma proposição é a indicação das evidências por meio das quais ele fez seu julgamento. A avaliação epistêmica é feita a partir do conjunto de conhecimentos que o falante possui. Ocorre, porém, que esse conjunto de informações (evidências) pode não ser explicitado pelo falante, segundo as suas intenções. Para o autor, todo julgamento modal está baseado em uma evidência. Vejamos o exemplo seguinte, no qual o falante exprime seu julgamento através da expressão “eu acho que”, que exprime sua crença, sua avaliação do estado de coisas que irá acontecer:

(39) Eu acho que o preconceito no caso já vai ta acabando aos poucos. (corpus Torres).

O falante pode também optar por não indicar o tipo de evidência de que dispõe, se o conhecimento subjacente à sua avaliação for do domínio comum ou, principalmente, se ele quiser fazer parecer que é um conhecimento compartilhado. Dessa forma a qualificação epistêmica incide não sobre uma proposição, mas sobre um estado de coisas - EC que é considerado certo ou possível, segundo uma avaliação apresentada como independente da crença do falante. Observe-se o seguinte exemplo:

84 (40) As rádio vão ta sempre tocando músicas variadas. (corpus Torres).

Nesse exemplo, a avaliação do evento futuro feita pelo falante é apresentada como um estado de coisas certo, que independe da crença do falante, daí que não é feita nenhuma avaliação por termos adicionais como “eu acho que”, “eu penso que”.

Por outro lado, a modalidade deôntica, segundo Neves, está relacionada com obrigações e permissões e está condicionada por traços lexicais específicos ligados ao falante, como o traço [+ controle] e implica que o ouvinte aceite o valor de verdade do enunciado para executá-lo. Essa modalidade, segundo a autora, diz respeito à maneira como um ato é social ou legalmente aceito. Vejamos o exemplo a seguir:

(41) Com relação assim a trabalho que sei que eu posso continuar buscando

construindo assim um espaço na área profissional e tudo. (corpus Torres)

Esse exemplo constitui-se de uma avaliação deôntica por parte do falante com conteúdo proposicional expresso pela perífrase gerundiva, que se utiliza de termos específicos tais como “sei que eu posso” - que denotam traços de [+controle] – tornando-se responsável direto pelo teor verdade do estado de coisas, cujo valor de verdade não é posto em dúvida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO

Neste capítulo, tratamos de duas significações de tempo: o Tempo, caracterizado como tempo físico, e sua relação o tempo, categoria verbal que pode ser expressa por morfemas flexionais e expressões adverbiais. Ao tratar de tempo verbal, empreendemos uma discussão sobre tempo absoluto, tempo relativo e tempo relativo-absoluto, na concepção de Comrie, importantes para a compreensão do comportamento linguístico das perífrases gerundivas. Discutiram-se, também, as noções de aspecto verbal, modalidade e referência, categorias que se mostraram importantes para a caracterização de gerundismo.

Até aqui, vimos tratando das discussões inerentes ao comportamento das perífrases gerundivas, sua inserção no português contemporâneo e das categorias que, de alguma forma, estão envolvidas na concepção de tempo. Mas, numa pesquisa de caráter variacionista como a que empreendemos, faz-se necessário um suporte teórico para sustentar e comprovar as hipóteses levantadas, para não corrermos o risco de ficarem

85 nossas afirmações baseadas em abstrações e intuições, sem um concreto aparato teórico para guiar os próximos passos. No próximo capítulo, trataremos das teorias-base que guiaram esta pesquisa e do ajuste teórico de duas teorias a Sociolinguística Variacionista e o Funcionalismo Linguístico, sob a configuração teórica do Sociofuncionalismo.

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4. REFERENCIAL TEÓRICO: INTEGRANDO TEORIAS

APRESENTAÇÃO

Neste capítulo, trataremos do referencial que orienta esta pesquisa que, sob a égide do Sociofuncionalismo, comporta duas teorias: a Teoria da Variação e Mudança e o Funcionalismo Givoniano. Primeiro, apresentaremos a Teoria da Variação e Mudança, suas propostas, seus pressupostos e a importância da relação entre língua e sociedade; em seguida, discutiremos o Funcionalismo Linguístico, cujos princípios servirão de suporte na análise interpretação dos dados desta pesquisa e, por último, explanaremos a configuração teórica do Sociofuncionalismo, proposta por Tavares (2003), em que nos basearemos.

Os objetivos desta pesquisa serão atingidos com a integração dos dois referenciais teóricos porque pretendemos (i) verificar momentos em que as perífrases verbais com gerúndio são variantes na expressão do futuro, (ii) buscar contextos que favorecem o uso dessas perífrases na expressão de tempo futuro, (iii) analisar dados do vernáculo, (iv) diagnosticar mudança em tempo aparente, (v) descrever as funções codificadas pelas perífrases verbais com gerúndio e (vi) analisar os dados com base nos princípios da Iconicidade e Marcação.