• Nenhum resultado encontrado

6.1 MODELOS COMPARADOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

6.1.4 O MODELO BRITÂNICO

Segundo Cane301, no século XIX, a jurisdição administrativa do Reino Unido era non-

judicial (não-judicial), executada por órgãos multifuncionais responsáveis pela administração

dos programas de regulação e bem-estar social. Os “juízes” que integravam os órgãos

295

Asimow, op. cit., p. 10. 296 ibid., p. 16

297 Asimow, Palestra proferida no Seminário da UFF em 17 e 19 de agosto de 2015. Faculdade de Direito. 298

ibid., p. 15-16. 299

ibid., p. 24-25.

300 ALMEIDA, Mário Aroso. La reforma del regimen del contencioso administrativo português. In: BREWER- CARÍAS, Allan R.; ALFONSO, Luciano Parejo; RODRÍGUEZ, Libardo Rodríguez (Coords.). La protección de

los derechos frente ao poder de la administración: libro homenaje al profesor Eduardo García de Enterría.

Caracas: Editorial Jurídica Venezolana, 2014. p.501-516. 880 p. p. 503 301 Cane, 2012, op. cit., p. 434.

administrativos eram considerados mais adequados do que as Cortes de Justiça para resolver disputas entre cidadãos e governo.

No transcorrer do século, a edição de normas administrativas dos órgãos foi transferida para departamentos governamentais, e as decisões sobre os conflitos entre os cidadãos e as autoridades públicas foram deixadas para as Cortes de Justiça ou um órgão non-

judicial. Assim, as Cortes judiciais e os tribunais administrativos executavam, essencialmente,

funções similares302.

O modelo de tribunais administrativos independentes foi firmemente estabelecido no início do século XX. No entanto, após vigorosos debates sobre as atribuições dos tribunais administrativos e das cortes judiciais, o Comitê de Donoughmore propôs uma divisão de funções entre estas últimas e os órgãos governamentais, alicerçado numa distinção insatisfatória entre funções judicial, quase-judicial e administrativa, que, por sua vez, baseava-se numa problemática diferença entre direito e política. Estabeleceu-se, deste modo, a preferência pelos tribunais administrativos às cortes judiciais, que só teriam primazia em controvérsias excepcionais303.

Para Asimow304, o modelo do Reino Unido é o mesmo que o da Austrália: se desenvolve, inicialmente, perante uma autoridade administrativa que profere a decisão inicial. A reconsideração é feita por um tribunal administrativo independente. O procedimento é adversarial, tal qual o julgamento das questões criminais nos EUA. O Judiciário não é especializado em matéria de direito administrativo, e o sistema utilizado é o closed judicial

review305.

A decisão mais importante é a do tribunal administrativo, órgão independente, proferida na fase de reconsideração. Em processos que tratem de práticas anticoncorrenciais, se a questão for controvertida e envolver matéria exclusivamente de direito, a decisão oriunda da revisão judicial pode ser a mais importante. As agências reguladoras ou de concessão de benefícios sociais proferem decisões iniciais, cujos requerimentos são feitos exclusivamente pela rede mundial de computadores. O indeferimento prévio de tais pedidos também se dá on

line. Na hipótese de inconformidade com o resultado da decisão preliminar, a contestação

pode ser oral ou escrita, que será revista por outro funcionário. Já os processos relativos à seguridade social são inquisitórios306, diferentemente do modelo americano.

302 Cane, 2012, op. cit., p. 434. 303 ibid., p. 435.

304

Asimow, op, cit p. 17.

305 Asimow, Palestra proferida no Seminário da UFF em 17 e 19 de agosto de 2015. Faculdade de Direito. 306 Asimow, op. cit. p. 17.

Interessante análise do procedimento administrativo do Reino Unido foi feita no filme

Eu, Daniel Blake, do diretor Ken Loach, que estreou no Brasil em janeiro de 2017. O filme

retrata a história de um carpinteiro da cidade de Newcastle, interior da Inglaterra, que sofre um infarto do coração e requer, administrativamente, o benefício a que tem direito, uma espécie de auxílio-doença brasileiro, já que está proibido por sua médica de trabalhar. Ele não tinha nenhuma outra fonte de renda, senão a oriunda do trabalho.

Blake esbarra numa burocracia sem limites, que trata o cidadão como um número de protocolo. Leva horas para ser atendido ao tentar falar, por telefone, com o órgão de seguridade social e, quando consegue, tem que responder a perguntas que não guardam nenhuma relação com o problema de saúde sofrido. Tais perguntas objetivam chegar a uma pontuação, para saber se ele terá direito ou não ao benefício social pleiteado. Como se não bastasse, Blake, que não tem nenhuma intimidade com computadores ou internet, é obrigado a lidar, sozinho, com preenchimento de formulários que só podem ser feitos on line.

O filme retrata a hipocrisia que existe no sistema de seguridade social: oferece ajuda, mas a torna tão complicada de ser obtida que, na prática, é inviável. Só existe formalmente para evitar acusações de desamparo social, sem que haja interesse de, verdadeiramente, efetivá-la.

O diretor, neste filme, faz uma crítica veemente à Administração Pública inglesa, à automação telefônica, aos procedimentos eletrônicos e aos protocolos a serem preenchidos pelos cidadãos para deferimento ou não de um benefício da seguridade social. Expõe, de forma clara, a necessidade de defesa das minorias diante do Estado que comete abusos, através de excessiva burocracia. Resta a Daniel Blake lutar para ser respeitado como pessoa e cidadão.

Os tribunais administrativos do Reino Unido empregam inúmeros juízes, dentre os quais muitos sequer são advogados. Os processos, na fase de reconsideração, são julgados por um colegiado e as audiências são adversariais307.

Asimow308 relata que, no início, o Tribunals and Inquiries Act, de 1958, criou o

Council on Tribunals, para fomentar pesquisas e relatórios acerca do sistema desses tribunais.

As decisões dos tribunais se sujeitavam à revisão judicial e eram limitadas às questões de direito. Um quarto de século depois, o Comitê Franks reafirmou a preferência do Comitê Donoughmore pelas cortes judiciais, frente aos tribunais administrativos309.

307

Asimow, op. cit., p. 18. 308 ibid., p. 18-19.

Cane aduz que o Comitê Franks foi o responsável pelo movimento que afirmou que os tribunais administrativos deveriam ser compreendidos como parte do processo judicial e não do processo administrativo. Com base nisso, a principal preocupação do Comitê foi assegurar que os tribunais administrativos demonstrassem e promovessem as virtudes essencialmente judiciais de “abertura, justiça e imparcialidade”.

Em 2007, foi aprovado o Tribunals, Courts and Enforcement Act – TCE Act que reestruturou o sistema de tribunais administrativos e estabeleceu sua autonomia financeira. Foram criados, assim, o First Tier Tribunal – FTT, de primeiro grau, e o Upper Tribunal – UT, corte superior com poderes para concessão de diversas medidas judiciais. Asimow311 considera o UT como responsável pela primeira e, em geral, única oportunidade de revisão judicial das decisões proferidas pelo FTT, não sendo uma corte de segunda instância como conhecemos no Brasil. Da decisão do UT cabe recurso para a Court of Appeal, caso verse sobre importante questão de direito, sujeito à admissibilidade do UT ou da própria Court. É possível, ainda, na hipótese de expressiva controvérsia jurídica, a close judicial review (revisão judicial fechada) na High Court, decorrente da decisão do UT que não admitiu a apelação da decisão do FTT.

O UT exerce o papel de revisor de mérito, com relação às decisões do FTT. Em outros aspectos, assemelha-se a uma corte de apelação quando, por exemplo, tem a jurisdição limitada às questões de direito312.

O maior impulso das disposições legais do TCE Act foi reforçar a identificação dos tribunais administrativos com as cortes de justiça, como por exemplo, denominar os membros legalmente qualificados dos tribunais como juízes. Cane313 prossegue dizendo não ser incorreto afirmar que, neste novo regime, tribunais administrativos são efetivamente um tipo de corte de justiça ou, talvez, tribunais e cortes são espécies do gênero jurisdição.

No Reino Unido, tribunais administrativos e cortes de justiça são compreendidos como sendo essencialmente similares, executando uma função singular. Na Austrália, eles são categoricamente instituições diferentes e revisão de mérito não é o mesmo que revisão judicial, porque a primeira é uma função não-judicial e a segunda uma função judicial. Nos EUA, apesar do típico adjudicador administrativo estar inserido no órgão que faz parte do

310Cane, 2012, op. cit., p. 435. 311

Asimow, op. cit. p. 19. 312 Cane, 2012, op, cit. p. 436. 313 ibid., p. 435.

Executivo, ele é compreendido como quem exerce poder judicial delegado pelo Congresso, ainda que não o “poder judicial dos Estados Unidos”314

.

Como no Reino Unido, os adjudicadores administrativos dos EUA são tipicamente chamados de “juízes”, enquanto na Austrália são chamados de “membros” do tribunal administrativo315.

Cane316 ressalta que afirmar que a revisão judicial e a revisão de mérito são categoricamente diferentes não significa dizer que elas sejam completamente diversas. As duas se preocupam, por exemplo, com o cumprimento dos limites legais da tomada de decisão, e nenhuma delas está preocupada com o caráter das políticas do Governo, exceto em casos extremos.

No Reino Unido, as cortes de justiça reveem decisões burocráticas, enquanto os tribunais administrativos apreciam recursos de decisões administrativas. Recurso, aqui, entendido como aquele que abrange questões de direito e questões de fato. A “admissibilidade” do recurso envolve, efetivamente, a tomada de decisão substituta em favor do cidadão. As Cortes de Justiça também têm jurisdição sobre recursos e isso explica porque tribunais e cortes são compreendidas como exercendo funções similares317.

Em resumo, dois elementos são comuns às atuações dos tribunais administrativos: i) fazer total reconsideração dos fatos em casos individuais; ii) tomar uma decisão em substituição àquela que está sendo revista. A função característica dos tribunais administrativos é a revisão intensa dos fatos318.

No caso da Austrália, EUA e Reino Unido, a análise comparada demonstra, o desenvolvimento de tribunais em três jurisdições que compartilham uma história comum, por cerca de 800 anos, com divergências significativas e óbvias. As divergências estão intimamente relacionadas com as circunstâncias econômicas, políticas e sociais locais, e com ideias distintas sobre Administração Pública, teorias constitucionais e teorias institucionais319.

6.1.5 O MODELO FRANCÊS

314

Cane, 2012, op. cit., p. 442. 315 ibid., p. 442.

316 ibid., p. 446. 317

Cane, 2012, op, cit. p. 446. 318 ibid., p. 447

O sistema jurisdicional francês se caracteriza por duas ordens jurisdicionais totalmente independentes: a judicial, cuja instância máxima é a Cour de Cassation, que trata de matéria civil, comercial, trabalhista e penal, e a administrativa, que tem em seu topo o Conseil d’État e julga os litígios entre a Administração Pública e os particulares ou entre os próprios entes administrativos. A jurisdição administrativa é exercida quando os litígios envolvem um ente público ou uma empresa pública e, para solução, se aplica o Direito Administrativo. Há, pois, uma dualidade de jurisdição e nenhuma hierarquia entre elas. Na hipótese de haver conflito de competência, o Tribunal de Conflitos é que o dirime320.

Na análise do modelo francês, Cane321 lembra que uma lei de 1790, aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte Francesa e ainda em vigor, dispunha que seria crime para os juízes das cortes ordinárias interferir, de qualquer modo, no funcionamento da Administração, vedando-lhes, ainda, a convocação dos administradores, no exercício de suas funções oficiais, para prestar contas. As “cortes ordinárias” referidas eram os Parlements. Estas cortes regionais que, sob o reinado de Luís XV e Luís XVI, no século XVIII, interferiram de modo considerável no Executivo e impediram as reformas que os monarcas tentaram introduzir.

De fato, os Parlements eram muito mais do que cortes. Na verdade, eram agências multifuncionais que exerciam funções administrativas, emitiam decretos regulatórios e poderiam vetar a legislação real. Os Parlements foram controlados e usados pela nobreza, para proteger seus interesses contra o monarca e a burguesia. Isso, sem dúvida, encorajou o governo revolucionário a relegar as cortes à resolução de disputas entre cidadãos322.

A intenção da lei de 1790 não era somente separar as cortes e o Poder Judiciário do Poder Executivo, mas também impedir que o Judiciário supervisionasse o Executivo e resolvesse as disputas entre cidadãos e Governo. Isso acabou por deixar um vácuo institucional, como lembra Cane323, que só foi preenchido em 1799, com a criação do Conseil

d'État, em analogia ao Conseil du Roi, que havia no período pré-revolucionário.

No início do século XIX, o Conselho de Estado foi muito criticado na França, por causa da falta de independência. Alegava-se que a função judicial do Conselho deveria ser transferida para as cortes ordinárias ou que o Conselho fosse substituído pela corte

320

LAFERRIÈRE, François Julien. Los recursos de urgência en el processo contencioso-administrativo francês. In: BREWER-CARÍAS, Allan R.; ALFONSO, Luciano Parejo; RODRÍGUEZ, Libardo Rodríguez (Coords.). La

protección de los derechos frente ao poder de la administración: libro homenaje al profesor Eduardo García de

Enterría. Caracas: Editorial Jurídica Venezolana, 2014. p. 635-658. 880 p. p. 635-636. 321

Cane, 2009, op. cit. p. 86. 322 ibid., p. 86

administrativa recém-criada. Nada disso ocorreu, mas houve uma transformação do Conselho, após uma série de reformas concluídas no final do século XIX324.

Atualmente, o Conselho de Estado está no topo de uma hierarquia de três níveis de “cortes”, em que os outros dois são: Cours Administratives d’Appel e Tribunaux

Administratifs. Estes tribunais são responsáveis pela adjudicação administrativa na França.

Além disso, há poucos órgãos que exercem jurisdição especializada em áreas como imigração325.

Cane326 relata que Albert Venn Dicey, jurista britânico e teórico constitucional nascido no século XIX, crítico do modelo francês, estabeleceu três pontos centrais de um sistema fechado de tribunais administrativos: independência, competência e a influência da política do Executivo, em relação ao Judiciário não político. Para ele, a separação de poderes era unilateral: os juízes foram impedidos de administrar, mas os administradores não foram impedidos de administrar.

O sistema francês de jurisdição de tribunais administrativos estabelece um equilíbrio de poder significativamente diferente dos outros sistemas analisados anteriormente. A independência dos adjudicadores decorre, em parte, das disposições institucionais em questão, como às que se referem às nomeações, demissões, remunerações. Esta independência se estende até o ponto em que os adjudicadores possam ser influenciados pelo Executivo, e, em parte, de conceitos mais vagos de influência e atitude. Independência é difícil de definir e de medir com precisão327.

O Conselho de Estado atua no processo legislativo e exerce funções de conselheiro jurídico geral do Governo. É aceito como um órgão de sucesso, por causa do equilíbrio que conseguiu atingir entre independência e expertise. Entende-se expertise como a jurisdição especializada do órgão, em oposição à jurisdição generalista. Ainda, expertise pode ser definida como conhecimentos e experiências leigas que um árbitro possui, além do conhecimento e experiência do funcionamento do poder executivo. Outra característica do Conselho de Estado é o papel desempenhado no processo legislativo, além de atuar como conselheiro jurídico geral do Governo328.

O Conselho é dividido internamento em duas seções: administrativa e de adjudicação. Seus membros são funcionários públicos de altíssimo nível, com formação avançada ou

324 Cane, 2009, op, cit., p. 87 325 ibid., p. 87.

326

ibid., p.87-88. 327 ibid., p. 88. 328 ibid., p. 88.

experiência significativa em administração pública. A maioria participa de todas as atividades do Conselho para que os diferentes pontos de vista das duas seções do Conselho estejam representados. Um pequeno número é contratado exclusivamente para as atividades da seção adjudicatória – Section du Contentieux329.

Cane330 observa que há um ponto significativo no qual a competência, no sentido de conhecimento e de experiência do funcionamento do Executivo, é incompatível ou, pelo menos, está em tensão com a independência: o Conselho de Estado faz parte da máquina administrativa francesa. Este fato contribui para tornar o controle judicial que exerce mais aceitável para o funcionário, pois os juízes conhecem os problemas que afligem a Administração Pública. Não são estranhos no processo administrativo, nem amadores criando entraves legalistas nas atividades administrativas.

Esse tipo de conflito ou tensão também existe no sistema norte-americano, em virtude do poder das agências de revisar as decisões dos ALJs e gerenciar seu trabalho de várias maneiras. No entanto, essa tensão é balanceada, porque os ALJs são legalmente treinados e nomeados após um concurso concentrado em habilidades legais. Assim, a característica mais importante do sistema francês é a localização dos tribunais administrativos dentro do Poder Executivo, atrelado à qualificação e formação de seus membros, e sua estrutura interna331.

Cane332 destaca que um dos propósitos de qualquer sistema de jurisdição administrativa é encontrar um equilíbrio entre interesses sociais e interesses individuais. Para o autor, o sistema francês parece ter potencial para atingir esse equilíbrio mais em favor dos interesses sociais do que dos interesses individuais, além de poder concretizá-lo mais efetivamente do que os sistemas do Reino Unido, dos EUA e da Austrália.

Enterría333 teceu elogios ao Conselho de Estado francês ao dizer:

El Consejo de Estado acierta a configurar lúcida y rapidamente un verdadero sistema de lo contencioso-administrativo, a cuyo servicio despliega una jurisprudencia cada vez mas precisa y técnica, com la cual concluirá por diseñar um verdadero sistema que se llamará enseguida por una doctrina alerta, que resalta y sistematiza esa jurisprudencia, el sistema de Derecho Administrativo.

Asimow334 classifica o sistema francês juntamente com o da Alemanha. É um sistema de atribuições combinadas, ou seja, a mesma autoridade administrativa investiga, acusa e

329 Cane, 2009, op. cit. p. 89. 330 ibid., p. 89.

331

ibid., p. 89. 332 ibid., 89-90.

profere a decisão inicial. A fase de reconsideração também é feita pela mesma agência governamental. O procedimento é inquisitorial, porque o funcionário que investiga o caso, também controla os questionamentos e as provas até a decisão inicial, que faz parte da investigação.

A corte que conduz a revisão judicial é um braço do Executivo, que não integra o Poder Judiciário, especializado em Direito Administrativo. O sistema é de open review (revisão aberta), em que se admite a revisão dos fatos, através de novas evidências. O juiz tem amplos poderes sobre questões de direito e de fato335.

Por lidarem com uma quantidade expressiva de processos por ano, os países que adotam o open judicial review perante uma corte especializada em Direito Administrativo, como a França, são considerados pelo público e pelos advogados como o mais importante dos três níveis de jurisdição administrativa: decisão inicial, reconsideração e revisão judicial336.

No entanto, Asimow337 faz uma crítica ao sistema de open judicial review: o sistema de tribunal administrativo especializado com revisão aberta provoca um maior número de recursos do que se a revisão fosse fechada. Ademais, a existência de cortes especializadas em Direito Administrativo e de cortes gerais (que julgam as demais matérias de direito) provoca maior dispêndio de recursos econômicos, porque há necessidade de estruturas distintas para cada uma delas.

Outra corrente de pensamento338, como a encontrada em Portugal, vê a existência de duas jurisdições (tribunais administrativos especializados e tribunais comuns) e a possibilidade de o processo administrativo extrajudicial tramitar juntamente com o processo administrativo judicial, de modo salutar. O que importa, neste caso, é a proteção ampla e efetiva do cidadão para que possa se defender das arbitrariedades e violações da Administração Pública, tendo em vista a tutela judicial efetiva.

6.1.6 O MODELO BRASILEIRO

334

Asimow, op, cit. p. 9-10. 335 ibid., p. 9-10.

336 ibid., p. 24-25. 337

ibid., p. 25.

338 Curso sobre Jurisdição Administrativa em Portugal. Palestra da Prof. Dra. Juliana Coutinho na Faculdade de Direito da UFF, de 10 a 12 de maio de 2017.

O sistema brasileiro de jurisdição administrativa aproxima-se dos modelos do Japão, da China e da Argentina, segundo Asimow339. O procedimento é inquisitorial e as etapas de decisão inicial e de reconsideração se assemelham ao modelo da União Europeia que, por sua vez, é similar ao modelo dos EUA. O processo, de seu início até a fase de reconsideração, é pouco estruturado. A fase de reconsideração é feita diante de um superior hierárquico da mesma autoridade pública.

O sistema de revisão adota o open judicial review, o estágio mais importante, diferentemente do modelo da União Europeia que optou pelo closed judicial review. As cortes que fazem a revisão judicial não são especializadas em Direito Administrativo. Por conseguinte, há numerosa quantidade de processos judiciais e muitos investimentos financeiros na fase de revisão, já que a decisão inicial e a reconsideração, feitas pela autoridade administrativa, não alcançam autonomia340.

Asimow341 faz uma crítica a esse modelo por perceber que as fases de decisão inicial e de reconsideração são relegadas a segundo plano, por causa da importância dada à revisão judicial. A revisão aberta admite o reexame de todas as questões de fato e de direito que já foram objeto do processo administrativo. Por isso, o autor tem a impressão de que o processo administrativo que precedeu à revisão judicial, não foi suficiente para consolidar as conclusões sobre os fatos alegados. A estabilização desta fase só se dará perante a corte judicial.

O Brasil, segundo Perlingeiro342, possui uma Administração Pública debilitada. Mas,