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Modelos baseados na assimetria de informação e teoria de pecking order

2.1 Teorias de estrutura de capital

2.1.2 Modelos baseados na assimetria de informação e teoria de pecking order

Os modelos baseados na assimetria de informação assumem que os administradores (insiders) possuem mais informações sobre as perspectivas futuras da empresa do que investidores externos (outsiders), o que caracteriza a diferença (ou assimetria) informacional entre os agentes. Esta assimetria de informação gera um problema de seleção adversa (the “lemons” problem), tratado por Akerlof (1970), capaz de explicar a queda no preço acionário quando uma emissão de ações é anunciada pela empresa.

Segundo Harris e Raviv (1991), existem duas linhas de pesquisa principais abordando a assimetria informacional como um dos importantes determinantes da estrutura de capital. Em uma das abordagens, a escolha da estrutura de capital da empresa sinaliza aos investidores externos a informação de insiders. Esta linha de pesquisa começou com os trabalhos de Ross (1977) e Leland e Pyle (1977). Em outra abordagem, a estrutura de capital é projetada para mitigar ineficiências (como seleção adversa e risco moral) nas decisões de investimento da empresa que são causadas pela assimetria de informação. Este ramo da literatura começa com Myers e Majluf (1984) e Myers (1984).

Na primeira abordagem, o trabalho seminal é de Ross (1977). Em seu modelo, os administradores conhecem a real distribuição dos resultados da empresa, mas os investidores não. Devido à existência de projetos “bons” e “ruins” e a impossibilidade de investidores avaliarem corretamente a qualidade dos mesmos, poderia ser exigido um custo de captação alto para um projeto bom, o qual não seria realizado, e um custo de captação baixo para um projeto ruim, o qual seria realizado.

Os gestores poderiam evitar a ocorrência destes cenários sinalizando ao mercado a qualidade dos projetos da empresa por meio da divulgação de informações. Uma sinalização positiva da qualidade da empresa é possível a partir da utilização de dívida como forma de financiamento, a qual sinaliza ao mercado a informação de que a empresa está em condições de saldar dívidas e tomar recursos a taxas atrativas, o que exige boas condições financeiras.

Nesta linha, a evidência empírica principal é a de que o valor da empresa e seu nível de endividamento são correlacionados positivamente, ou seja, quanto maior o nível de endividamento, maior o valor da empresa. No entanto, evidências empíricas também apontam que quanto maior o nível de endividamento, maior a probabilidade de falência.

Já a ideia central do modelo de Leland e Pyle (1977) é a de que os gestores de empresas com boas perspectivas aumentarão a sua participação no capital para sinalizar ao mercado que a empresa é de boa qualidade.

Leland e Pyle (1977) desenvolvem um modelo de estrutura de capital e equilíbrio financeiro em que os gestores buscam financiamento para projetos cuja qualidade só é conhecida por eles próprios e mostram que a vontade do empresário de investir no próprio projeto pode servir como um sinal da sua qualidade para credores. Neste modelo, empresas com maior proporção de dívida também possuem uma maior proporção de ações em poder de insiders e são consideradas de maior qualidade, o que configura uma correlação positiva entre valor e patrimônio líquido pertencente à insiders.

Os autores ainda afirmam que a intermediação financeira pode ser vista como uma resposta natural à existência de informação assimétrica, pois ela aumenta o nível de informações que os gestores disponibilizam aos credores e, consequentemente, reduz a assimetria informacional.

A segunda abordagem de determinantes da estrutura de capital, baseada na assimetria de informação, é de Myers e Majluf (1984) e Myers (1984), que desenvolvem a teoria de pecking

order, cujas hipóteses já estavam presentes no trabalho de Donaldson (1961).19

Myers e Majluf (1984) demonstram que, quando investidores externos possuem menos informação sobre o valor da empresa que insiders, os preços das ações podem ser subvalorizados pelo mercado. Isto não ocorre porque a demanda pelos títulos é inelástica, mas devido à informação transmitida ao mercado pela decisão de emissão, em que as más notícias superam as boas.

Neste caso, algumas empresas boas cujos ativos fossem subvalorizados pelo novo preço, decidirão não emitir, não realizando um projeto com valor presente líquido positivo, situação

19 De acordo com Myers (1984), as hipóteses da teoria de pecking order já estavam presentes no trabalho de Donaldson (1961), que examinou as práticas de financiamento de uma amostra de grandes corporações e observou que as empresas favoreciam fortemente o uso de recursos gerados internamente como fonte de financiamento. Caso necessitassem de recursos externos, as empresas raramente emitiam ações, mesmo quando a relação preço por ação/lucro por ação era considerada alta.

que caracteriza sub-investimento, o qual poderia ser evitado caso a empresa utilizasse recursos gerados internamente como forma de financiamento.

Assim, surge uma teoria de hierarquia de fontes de recursos, a pecking order, em que as empresas preferem financiamento interno a externo (a assimetria de informação é considerada relevante apenas para as decisões de financiamento externo); caso seja necessário financiamento externo para realização de investimentos, as empresas emitirão títulos de dívida primeiro e, por fim, ações. Ainda, se o fluxo de caixa gerado internamente exceder as oportunidades de investimento, o excesso será utilizado para redução de dívida ou investimento em caixa e não para recompra de ações. Se o excesso persistir, a empresa gradualmente aumentará seu índice de pagamento de dividendos.20

Esta ordem está baseada na informação transmitida por cada tipo de título emitido, sendo preferíveis os títulos menos sensíveis à informação.

A emissão de novas dívidas tende a sinalizar uma informação positiva sobre a empresa, como oportunidades de crescimento e capacidade de financiamento, além de reduzir a vantagem informacional de insiders, visto que credores exigem maior número de informações (o que os tornam menos propensos a erros no processo de avaliação das empresas) e possuem maior poder de enforcement dos contratos.

Já a emissão de novas ações tende a sinalizar uma informação negativa, pois a teoria argumenta que os administradores sempre agem no interesse dos acionistas atuais e se recusam a emitir ações se estas estiverem subvalorizadas, inclusive deixando passar valiosas oportunidades de investimento. Assim sendo, o anúncio da emissão de novas ações sinaliza para o mercado que os preços das ações podem estar sobrevalorizados, fazendo com que o preço caia após o anúncio. De acordo com Myers (2001) a queda do preço no anúncio de emissão será maior quanto maior for o grau de assimetria de informação.

Dessa forma, Myers (2001) afirma que a teoria de pecking order explica porque grande parte do financiamento externo é derivada da emissão de dívidas e porque empresas mais lucrativas

20 Myers (1984) também afirma que as empresas adaptam seu índice de pagamento de dividendos às suas oportunidades de investimento. Assim, quanto maiores as oportunidades de investimento, menor o pagamento de dividendos.

são menos endividadas. Isto não ocorre porque estas empresas possuem baixos níveis alvo de endividamento, pois, de acordo com a teoria de pecking order, elas nem possuem níveis alvo. Empresas mais lucrativas tem mais recursos internos disponíveis para financiar suas atividades e empresas menos lucrativas necessitam de financiamento externo para tanto. Em suma, segundo a teoria de pecking order, a empresa irá optar pelo uso de dívida, ao invés de emitir ações, quando seus recursos internos não forem suficientes para financiar seus dispêndios de capital. Assim, o nível de endividamento irá refletir a necessidade acumulada da empresa por recursos externos. A emissão de ações irá ocorrer raramente, quando a dívida for custosa, ou seja, quando a empresa já está em um nível muito alto de endividamento e administradores e investidores prevêem custos de dificuldades financeiras.21

Também é importante destacar que o modelo de Myers e Majluf (1984) não trata explicitamente a questão de uma nova emissão de ações ser sobre ou subvalorizada pelo mercado, não desenvolvendo estratégias de financiamento para evitar as consequências financeiras da assimetria de informação existente entre administradores e investidores externos.

Posteriormente, Myers (1984) expõe o que chama de “modified pecking order”, mais consistente com as evidências empíricas por considerar ambos, a existência de assimetria de informação e custos de dificuldades financeiras. De acordo com a modified pecking order: 1) Para não correrem o risco de caírem no dilema “sub-investimento versus emissão de

ações subvalorizadas”, as empresas evitam ter de financiar seus investimentos com a emissão de ações ou outros títulos de risco;

2) As empresas fixam índices de pagamento de dividendos de forma que o nível normal de investimentos possa ser suprido por fundos gerados internamente, ou seja, o pagamento de dividendos não compromete os recursos necessários para os investimentos a serem realizados pela empresa com recursos próprios;

21 Sobre este ponto é importante citar o trabalho de Korajczyk et al. (1990), que buscaram examinar o efeito da queda no preço acionário após o anúncio de emissão e verificaram que o endividamento cai ou se mantém constante antes de uma emissão de ações, descartando esta possibilidade. Diante disto, Korajczyk et al. (1990) afirmaram que a explicação para a queda no preço está relacionada à assimetria de informação.

3) A empresa pode planejar cobrir parte do seu investimento normal com novas dívidas, mas tenta restringir o uso de dívida por duas razões: primeiro, para evitar qualquer custo de dificuldades financeiras e, segundo, para manter folga financeira na forma de reserva de capacidade de financiamento, ou seja, poder emitir dívida no futuro caso necessário; 4) Visto que o pagamento de dividendos é obrigatório e as oportunidades de investimento

flutuam em relação ao fluxo de caixa interno, a empresa esgotará, com o tempo, sua capacidade de emitir dívida livre de risco (ou seja, o pagamento de dividendos compete com as oportunidades de investimento da empresa). Neste caso, a empresa se voltará primeiro para o uso de títulos menos arriscados, como dívida com risco ou títulos conversíveis, antes de emitir ações.

Além da hierarquia estabelecida pela teoria, Myers e Majluf (1984) evidenciam outras propriedades interessantes do modelo proposto:

• As empresas poderiam construir folga financeira restringindo dividendos quando as necessidades de investimentos são modestas. O caixa poupado seria mantido como títulos negociáveis (como aplicações financeiras de curto prazo) ou reserva de capacidade de financiamento;

• Outra maneira de adquirir folga financeira é emitir ações em períodos em que a vantagem informacional dos administradores é muito pequena. Assim, empresas com folga insuficiente para cobrir oportunidades de investimento futuras poderiam emitir ações em períodos de baixa assimetria informacional, sendo esta a única maneira de evitar a queda no preço acionário no anúncio de emissão.

No entanto, Myers e Majluf (1984) afirmam que seu modelo não deriva uma estratégia geral de emissão dinâmica ótima. Na teoria de pecking order a empresa sempre emite dívida, caso seja necessário, mas nunca emite ações, independentemente de a empresa estar sobre ou subvalorizada. De acordo com a teoria, o preço acionário sempre cairá quando do anúncio de emissão, considerando tudo o mais constante quando da decisão de emissão para investimento. Porém, o modelo ignora o fluxo de outras informações para investidores sobre os prospectos da empresa, pois este fluxo criaria um erro aleatório em qualquer mensuração da mudança do preço acionário em resposta a um evento específico, segundo os autores. Ou seja, o grau de assimetria é dado como fixo no modelo proposto.

Ainda de acordo com Myers e Majluf (1984), o preço da ação não deverá cair se a empresa emitir dívida livre de risco de default (como dívidas com boas classificações de risco), pois a capacidade de emitir dívida deste tipo denota ampla folga financeira, assegurando que a empresa irá realizar investimentos com valor presente líquido positivo. Logo, a única informação transmitida pela decisão de emitir dívida livre de risco para realizar investimentos é a de que a empresa tem projetos com valor presente líquido positivo, o que gerará um impacto positivo no preço.

Neste contexto, Korajczyk et al. (1991) afirmam que autores como Leland e Pyle (1977) e Myers e Majluf (1984) estudaram novas emissões de ações em um cenário em que o grau de assimetria de informação é dado como fixo. No entanto, o grau de assimetria pode variar ao longo do tempo, sendo menor em momentos de divulgação de informações pelas empresas, como na divulgação de resultados trimestrais e anuais.

Consistente com o trabalho anterior, Bayless e Chaplinsky (1996) afirmam que as empresas poderiam tentar prever o melhor momento para a emissão de ações, em que o grau de assimetria informacional fosse baixo e, consequentemente, os custos relacionados à seleção adversa. Neste momento, haveria uma “janela de oportunidade” para a emissão de ações. Para Bayless e Chaplinsky (1996), períodos de baixo grau de assimetria informacional estariam relacionados a momentos de alto volume de emissões (chamados de hot market), refletindo condições favoráveis para a emissão de ações.

Os resultados encontrados por Korajczyk et al. (1991) e Bayless e Chaplinsky (1996) evidenciaram que a reação negativa no preço acionário é menor para empresas que emitem ações em períodos considerados de menor assimetria informacional, como os citados.

Nos itens 2.2.1 e 2.3.1 são apresentados diversos trabalhos empíricos que encontraram resultados consistentes com a teoria pecking order, bem como trabalhos que contradizem a referida teoria.