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2.1 Teorias de estrutura de capital

2.1.1 Teoria de trade-off e conflitos de agência

De acordo com Myers (1984), sob esta abordagem, o nível de endividamento ótimo de uma empresa é determinado por um trade-off entre os custos e os benefícios da dívida, mantidos constantes seus ativos e investimentos futuros. Nesse sentido, a empresa procura balancear os benefícios fiscais obtidos pela utilização de dívida contra os custos de falência ou dificuldades financeiras dela derivados. Supõe-se que a empresa substitua capital de terceiros por capital próprio gradualmente, e vice-versa, buscando reajustar a estrutura de capital e maximizar o valor da empresa.

Myers (1984) afirma que os custos de dificuldades financeiras incluem os custos legais e administrativos de falência (ou reorganização), como também os custos de agência, risco moral,13 monitoramento e contratuais, os quais podem reduzir o valor da empresa mesmo que a falência seja evitada, visto que a credibilidade da empresa torna-se duvidosa sob esta condição.

De acordo com o referido autor, a literatura relacionada a este tema suporta duas considerações sobre o comportamento financeiro das empresas: a primeira é a de que empresas de maior risco deveriam se endividar menos. Nesse contexto, o risco é definido como a variação do valor de mercado da empresa, sendo que quanto maior a variação, maior a

13 Moral hazard.

probabilidade de default da dívida.14 Considerando que os custos de dificuldades financeiras são gerados pela ameaça ou ocorrência de default, empresas de menor risco deveriam ser capazes de se endividar mais, até o ponto em que os custos de dificuldades financeiras (que acabam aumentando o custo da dívida) compensem os benefícios do endividamento.

A segunda consideração, de acordo com Myers (1984), é a de que os custos esperados de dificuldades financeiras não dependem apenas da probabilidade de default, mas do valor perdido caso o mesmo ocorra. Empresas com grandes oportunidades de crescimento, ou ativos intangíveis, são prováveis de perder mais valor em momentos de dificuldades financeiras, visto que os investidores não mais terão boas expectativas futuras sobre a empresa, sendo ainda que estes ativos não representam bons colaterais para a dívida. Logo, estas empresas se endividarão menos, por possuírem capacidade reduzida de financiamento. Fama e French (2002) afirmam que, no modelo de trade-off, empresas com grandes oportunidades de crescimento são menos alavancadas porque tem maiores incentivos para evitar ineficiências de sub-investimento e substituição de ativos que ocorrem devido a problemas de agência entre acionistas e credores, como será visto adiante. Além disto, estas empresas precisam menos do papel disciplinador da dívida para controlar problemas gerados pelo excesso de fluxo de caixa livre para uso discricionário dos gestores.

Na inexistência de custos de ajustamento, de acordo com a teoria de trade-off, o nível de endividamento observado de uma empresa estará refletindo seu nível ótimo.15 No entanto, a presença de custos de ajustamento resultará em defasagens do nível de endividamento observado em relação ao ótimo, visto que as empresas poderão não ajustar imediatamente os efeitos de eventos aleatórios (como aumento do preço acionário) que fizeram com que seu nível de endividamento atual se distanciasse do ótimo. Por isso, Myers (1984) afirma que poderá haver uma dispersão cross-sectional dos níveis de endividamento observados de uma amostra de empresas que tenham o mesmo nível alvo de alavancagem, pois as empresas estarão em diferentes fases de ajustamento em direção ao mesmo nível alvo.

14 A volatilidade do valor de mercado torna incerta a capacidade de solvência da dívida, aumentando o risco de insolvência (default) da empresa.

15 Myers (2001) afirma que o nível alvo ou ótimo de endividamento de uma empresa não pode ser observado diretamente, mas algumas proxies podem representá-lo, sendo que a proxy mais simples é a média do endividamento da empresa ao longo de um período amostral relevante.

De acordo com Myers (1984, p. 578), “altos custos de ajustamento poderiam explicar a grande variação observada nos níveis de endividamento, visto que as empresas seriam forçadas a ingressar em longas excursões distantes de seus níveis ótimos.”16 No entanto, de

acordo com o referido autor, não há nada na teoria de trade-off estática sugerindo que estes custos constituam fatores principais, sendo raramente mencionados.

Outro ponto colocado por Myers (1984) é o de que nenhum teste cross-sectional do comportamento financeiro é capaz de especificar quando os níveis de endividamento das empresas diferem porque estas empresas possuem diferentes níveis ótimos ou porque seus níveis atuais divergem dos ótimos. Uma maneira de minimizar este problema é assumir que os custos de ajustamento sejam mínimos, não influenciando a velocidade do ajuste, no entanto, isto não ajudaria a entender verdadeiramente as decisões financeiras das empresas, segundo o autor.

Myers (1984) argumenta que, supondo que os custos de ajustamento sejam pequenos e as empresas permaneçam próximas de seus níveis ótimos de endividamento, seria difícil entender a diversidade de estruturas de capital observadas entre empresas que parecem similares em um contexto da teoria de trade-off. No entanto, se os custos de ajustamento fossem altos, então as empresas se distanciariam de seus níveis ótimos. Logo, deveria-se prestar menos atenção no refinamento da teoria e mais atenção no entendimento do que são estes custos de ajustamento, por que são tão importantes e como os administradores reagem a eles.

Surge então a abordagem dos modelos de trade-off dinâmicos. Diversos estudos recentes que utilizaram modelos de ajuste parcial ao nível alvo (Leary e Roberts, 2005; Flannery e Rangan, 2006; Strebulaev, 2007; Hovakimian e Li, 2011) apontaram que os custos de ajustamento17 podem levar as empresas a não reajustarem continuamente suas estruturas de capital, como resultado, as empresas irão rebalancear suas estruturas apenas ocasionalmente, quando os benefícios superarem os custos de ajustamento.

16

“Large adjustment costs could possibly explain the observed wide variation in actual debt ratios, since firms

would be forced into long excursions away from their optimal ratios.” (MYERS, 1984, p. 578).

17 Os custos de ajustamento estão relacionados aos custos de emissão e recompra tanto de capital próprio quanto de capital de terceiros.

De acordo com estes modelos, haveria momentos de “inatividade financeira”, sendo que a velocidade de ajuste ao nível alvo dependeria dos custos de ajustamento. Estes trabalhos são abordados com maior detalhe nos tópicos 2.2.1 e 2.3.1.

Além de fatores como benefícios fiscais e risco de falência, abordados anteriormente, os potenciais conflitos de agência também representam papel importante na teoria de trade-off e na determinação da estrutura de capital ótima. Jensen e Meckling (1976), um dos trabalhos seminais nesta área de pesquisa, identificaram dois tipos de conflitos: conflitos entre acionistas e administradores e conflitos entre credores e acionistas.

Os conflitos entre acionistas e administradores surgem porque os administradores tendem a perseguir interesses pessoais como forma de obter ganhos não pecuniários (como utilizar recursos da empresa para fins pessoais, obter salários acima dos de mercado, etc.). Os acionistas poderiam impedir estas transferências de riqueza suportando altos custos de monitoramento e controle ou pelo estabelecimento de pacotes de compensação.

No entanto, como Jensen e Meckling (1976) afirmaram, os administradores agirão de acordo com seus próprios interesses econômicos e o alinhamento entre os objetivos de acionistas (principal) e administradores (agente) é necessariamente imperfeito, o que leva a teoria do Fluxo de Caixa Livre, de Jensen (1986).

Segundo Jensen (1986, p. 323), “o problema é como motivar administradores a distribuir caixa ao invés de investi-lo abaixo do custo de capital ou desperdiçá-lo em ineficiências organizacionais.”18

Jensen (1986) afirma que uma solução possível seria a utilização de dívida, a qual funcionaria como instrumento disciplinador para administradores devido ao surgimento de obrigações financeiras a cumprir. Além disto, a ameaça de falência criada pela obrigatoriedade da dívida serviria de força motivacional para tornar a empresa mais eficiente. Dessa forma, a dívida reduziria o free cash flow (caixa que excede o montante necessário para financiar todos os projetos com valor presente líquido positivo) para uso discricionário de administradores.

18 “The problem is how to motivate managers to disgorge the cash rather than investing it at below the cost of capital or wasting it on organization inefficiencies.” (JENSEN, 1986, p. 323).

Para Myers (2001), a teoria do fluxo de caixa livre não é uma teoria que busca prever os determinantes da estrutura de capital, mas sim uma teoria sobre as consequências de altas taxas de endividamento.

Ainda existe outro tipo de conflito, o conflito entre credores e acionistas, derivado do risco de inadimplência. Supondo que os administradores agirão de acordo com os interesses dos acionistas atuais, tentarão transferir riqueza dos credores para acionistas. Existem diversas maneiras de se fazer isto, como: investir em projetos de alto risco ou adotar estratégias operacionais de risco; aumentar o endividamento ainda mais para distribuir caixa aos acionistas; ou reduzir o investimento de capital financiado por capital próprio. Sabendo destas possibilidades, os credores tentam mitigá-las elaborando contratos de dívida restritivos, os quais podem limitar financiamentos adicionais ou a distribuição de dividendos, bem como incorporar estes potenciais custos de agência aos encargos financeiros cobrados, aumentando as taxas de juros ou custo dos financiamentos.

Sobre este ponto é importante notar que os conflitos de interesse entre credores e acionistas tendem a surgir, principalmente, em momentos de dificuldades financeiras enfrentados pela empresa; diferente dos conflitos entre administradores e acionistas, que estão sempre presentes no contexto empresarial.

De acordo com Myers (2001), o reconhecimento de conflitos potenciais entre credores e acionistas trouxe uma importante contribuição à teoria de trade-off, visto que antes disto os custos de dificuldades financeiras estavam limitados aos custos de transação da falência ou do processo de reorganização (como os custos legais e administrativos e os custos de reorganização ou liquidação dos ativos).

Mas os conflitos de interesse demonstram que a ameaça de inadimplência pode interferir nas decisões operacionais e de investimento. Se os investidores anteciparem estas possibilidades, a ameaça de dificuldades financeiras pode reduzir o valor de mercado da empresa, provendo uma boa razão para a empresa operar com índices conservadores de endividamento. Para Jensen e Meckling (1976), a estrutura de capital ótima seria obtida pelo equilíbrio entre os custos de agência da dívida e as vantagens associadas à sua utilização.