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2 Fundamentos e Argumentos

2.1 A Teoria da Estruturação de Anthony Giddens: inspirações iniciais

2.2.1 Modernização reflexiva: uma visão de mundo

Como já dito anteriormente, a Teoria da Reflexividade surge de uma visão de mundo “diferente”. Moderna, mas não como tradicionalmente estamos acostumados a conceber a modernidade, e sim numa perspectiva crítica a esta, leia-se: reflexiva.

Nossa opção teórica surge desta forma de ver o nosso tempo. Desta feita, observamos, juntamente com Beck, a sociedade contemporânea sob este “olhar” que é oferecido em suas proposições congregadas na idéia de “modernização reflexiva”. Sendo ainda mais claros, a “modernidade reflexiva” – sob o olhar de Ulrich Beck – além de ser a visão de mundo adotada neste trabalho, é basilar para o entendimento da Teoria da Reflexividade.

Na contemporaneidade, a visão de mundo ocidental é confrontada com problemáticas que desafiam os princípios básicos do sistema sócio-político-econômico vigente. Com o “desmoronamento” do industrialismo, a modernização reflexiva surge como uma possibilidade de auto-destruição criativa da “era industrial”58. Graças a sua dinâmica mutante, a sociedade hoje está revendo suas rígidas definições (e.g., classes de trabalhadores, camadas sociais, papéis dos sexos, familiar nuclear), assim como as diretrizes lineares para o progresso técnico-econômico. Nesta etapa, um tipo de modernização destrói outro, o modifica. É esta fase que Beck (1992) chama de “modernização reflexiva”. Supõe-se então que a

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modernização reflexiva represente a radicalização da modernidade abrindo novos horizontes para uma nova sociedade59.

Acompanhamos o sociólogo alemão ao propor que, muito mais do que a exarcebação do potencial de reflexão crítica sobre as condições sociais e sua conseqüentemente possível modificação, ou seja, a “reflexão na modernidade”, é preciso ver a modernização reflexiva como uma possibilidade alternativa ao reducionismo implicado na auto-reflexão. Diz ele, “[...] defendo a tese – a primeira vista bastante paradoxal – de que não é o conhecimento, mas sim o não-conhecimento, o meio da ‘modernização reflexiva’. Em outras palavras, estamos vivendo na era dos efeitos colaterais, e é precisamente isso que tem de ser decodificado” (1997, pp. 208-209, grifos do autor).

Este “que” de paradoxal pode ser desfeito numa “segunda vista”. Nela, é possível observar que as bases da sociedade de risco são incertas. Esta é sua certeza! Os efeitos colaterais herdados do modo industrial de desenvolvimento são imprevisíveis. Como “realmente conhecer” os danos de um derramamento de petróleo ou então de milhões de pessoas subjugadas a rotinas de trabalho “nocivas à mente” (SCHUMACHER, 1973)? Nestes casos os “calculistas” são desafiados a mensurar os “custos” destes danos, mas não têm instrumentos nem medidas adequadas para fazê-lo. Muito menos podem pensá-los de forma diferente da moderna (tradicional). É por isso que parecem sempre querer calcular o “incalculável”.

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Para não correr o risco de recebemos o rótulo de “inocentes apologéticos de uma nova sociedade”, trazemos aqui os argumentos de Beck (1997, pp. 12-13) que podem nos ajudar na defesa desta possível crítica: “A idéia de que o dinamismo da sociedade industrial acaba com suas próprias fundações recorda a mensagem de Karl Marx de que o capitalismo é seu próprio coveiro, mas significa algo completamente diferente. Primeiro, não é a crise, mas, repito, as vitórias do capitalismo que produzem uma nova forma social. Segundo, isto significa que não é a luta de classe, mas a modernização normal e a modernização adicional que estão dissolvendo os contornos da sociedade industrial. A constelação que está surgindo como resultado disso também nada tem em comum com as utopias até agora fracassadas de uma sociedade socialista. Em vez disso, o que se enfatiza é que o dinamismo industrial, extremamente veloz, está se transformando em uma nova sociedade sem a explosão primeva de uma revolução, sobrepondo-se a discussões e decisões políticas de parlamentos e governos.”

Para que as idéias que surgem do “olhar” de Ulrich Beck sobre a modernidade fiquem claras, aqui trazemos (e fazemos nossas!) a questão levantada (e as respostas apresentadas) pelo próprio autor ao se contrapor com as teorias da modernização simples:

Como, então, as épocas e as teorias da modernização simples (ortodoxa) e da modernização reflexiva (na minha concepção) diferem? Cinco contrastes e grupos de características delineiam o horizonte.

Primeiro, com respeito à situação de vida, à conduta de vida e a estrutura social: as categorias dos grandes grupos e as teorias de classe são essencialmente diferentes da individualização60 (e intensificação) da desigualdade social.

Segundo: as problemáticas da diferenciação funcional das esferas de ação ‘autonomizadas’ são substituídas pelas problemáticas de coordenação funcional, articulação e fusão de subsistemas diferenciados (assim como seus ‘códigos de comunicação’).

Terceiro: os modelos de linearidade (e crenças atávicas no controle) característicos da fé no progresso a partir da modernização perpétua são substituídos pelas imagens de discussões múltiplas e de níveis múltiplos da automodificação, do auto-risco e da autodissolução das bases da racionalidade e das formas de racionalização nos centros (de poder) da modernização industrial. Como? Como efeitos (colaterais) incontroláveis dos triunfos da modernização autonomizada: retorna a incerteza.

Quarto: enquanto a modernização simples ultimamente situa o motor da transformação social nas categorias de racionalidade instrumental (reflexão), a modernização ‘reflexiva’ concebe a força motriz da mudança social em categorias do efeito colateral (reflexividade). O que não é visto, não é refletido, mas, ao contrário, é externalizado, acrescentando-se à ruptura estrutural que separa a sociedade industrial da sociedade de risco, que separa das ‘novas’ modernidades do presente e do futuro.

Quinto: além da esquerda e da direita – a metáfora espacial que se tornou estabelecida ao longo da sociedade industrial como ordenação do político – conflitos políticos, ideológicos e teóricos estão começando, os quais (em razão de todo seu experimentalismo) podem ser capturados nos eixos e nas dicotomias do certo-incerto, dentro-fora e político-apolítico. (1997, p. 216)

O que mais nos chama atenção no pensamento de Beck é sua lucidez ao expor o quadro social que, quer queiramos vê-lo ou não, nos é “dado”, legado pelas gerações anteriores e acentuado por nossa forma de viver (e ver) o mundo. Foi justamente neste olhar que “nos encontramos”. É partindo dele que seguimos em nossa caminhada para tentar esclarecer um pouco mais sobre esta “trilha” escolhida.

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Para o próprio Beck (1997, p. 204), individualização “[...] significa, primeiro, a desincorporação e, segundo, a reincorporação dos modos de vida da sociedade industrial por outros modos novos, em que os indivíduos devem produzir, representar e acomodar suas próprias biografias.”