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Modificação da severidade do fogo em tipos florestais contíguos a pinhal bravo

No documento Ecologia do fogo e gestão de áreas ardidas (páginas 179-184)

FOGO NAS FLORESTAS PORTUGUESAS

NORDESTE BEIRA ALTA

4. Modificação da severidade do fogo em tipos florestais contíguos a pinhal bravo

É expectável que a se veridade do fogo var ie substancialmente entre tipos de vegetação. Fogos severos podem ter consequências nefastas nos atributos e processos dos ecossistemas, nomeadamente na erosão do solo, fragmentação e disponibilidade de habitats, padrões de resposta e recupe- ração da vegetação, invasão por espécies exóticas e dinâmica do carbono (Miller et al., 2009). Consequentemente, a gestão florestal beneficia gran- mente do conhecimento e capacidade de predizer os padrões de se veri- dade do fogo.

Num determinado incêndio a interacção entre a vegetação, a topografia e a oscilação das condições meteorológicas condiciona o comportamento do fogo e por tanto os respectivos efeitos. O processo de expansão dos grandes incêndios, impelidos por situações met eorológicas extremas, pode ser independente do tipo de vegetação, e.g. Podur e Martell (2009). No entanto, mesmo nas c ondições mais ad versas, é de esper ar que os padrões espaciais da se veridade do fogo respondam à interacção entre a composição e est rutura florestal, o piro-ambiente meteorológico e a posição topográfica (Lentile et al., 2006; Oliveras et al., 2009). Em muitas circunstâncias os impactes ambientais e sociais dos incêndios são melhor avaliados pela área ardida por fogo de ele vada severidade do que pela

superfície total afectada (Reinhardt et al., 2008), o que dá pertinência aos estudos comparados de severidade do fogo.

A nível europeu é muito escasso o conhecimento sobre a variação da severidade do fogo relativamente à composição florestal. Fernandes et al. (2010) estudaram à escala local a alteração da severidade do fogo na inter- face entre pinhal bravo (PS) e outros tipos de floresta (OF) nas montanhas do noroeste do país. Para tal, seleccionaram 10 incêndios ocorridos nos verões de 2005 e 2006, que na r egião foram marcados por c ondições invulgares de secura e incêndios excepcionalmente grandes.

A selecção d os pont os de amost ragem obedec eu aos seguint es requisitos: 1) ausência de evidências de combate ao fogo, 2) deslocação do fogo no sentido de PS para OF, e 3) existência de diferenças entre PS e OF nos efeitos do fogo nas c opas. Consequentemente, o estudo c onfundiu propositadamente a severidade do fogo e o tipo florestal, já que o objectivo principal era descrever a variação na severidade do fogo na presença de impactos do fogo c omprovadamente distintos ent re os dois tipos de floresta. Os par es PS-OF er am fisiograficamente similares sempre que possível. A vegetação contígua ao pinhal br avo incluiu for mações de

Quercus pyrenaica, puras ou mistas (com Betula alba, Castanea sativa ou

Quercus robur), bosques de Betula alba (puros ou com Castanea sativa), bosques de Arbutus unedo (puros ou em consociação com Quercus suber), e c oníferas de montanha ( Pinus sylvestris; Pseudotsuga menziesii; P.

sylvestris– Chamaecyparis lawsoniana). Avaliou-se a variação na severi- dade do fogo em par celas circulares com três metros de r aio localizadas consecutivamente sobre transectos perpendiculares à orla PS-OF. Adop- tou-se um número fixo de parcelas (três, cobrindo 18 m) no seg mento PS do transecto, e um número variável de parcelas no segmento OF a fim de descrever todo o gradiente de severidade do fogo. No total amostraram- -se 200 parcelas distribuídas por 56 segmentos de transecto em 13 locais. As avaliações e cálculos pós-fogo efec tuaram-se à escala da par cela. Mediram-se os diâmetros à altura do peito (DAP) e alturas de todas as árvores ou caules de espécies arbóreas. Calculou-se o DAP médio, densidade de indivíduos, área basal e altur a dominante. O fogo foi descr ito como sendo de superfície ou de c opas. A classificação da se veridade do fogo distinguiu os estratos arbóreo, arbustivo e da manta morta e seguiu Ryan e Noste (1985). A severidade do fogo nas árvores baseou-se em métricas

(altura de copa dessecada, altura de tronco carbonizado, grau de carbo- nização da casca) colhidas nas árvores dominantes e codominantes. Um índice global de severidade do fogo resultou da média das avaliações por estrato, sendo exprimido numa de quatro classes (reduzida, moderada, elevada ou muito elevada). As análises focaram-se nas diferenças entre PS e OF ou ent re tipos ger ais de c oberto florestal, respectivamente pinhal bravo, folhosas perenifólias, folhosas caducifólias e coníferas de montanha.

Severidade do fogo e tipo de floresta

A severidade do fogo decresceu significativamente do pinhal br avo para as florestas adjacentes na maioria dos locais amostrados, e a transição observada foi fr equentemente br usca, nomeadament e aquand o da propagação encosta abaixo em folhosas caducifólias. A percentagem de parcelas afectada por fogo de superfície dá uma primeira impressão das diferenças de severidade do fogo entre tipos florestais: 53, 79, 90 e 97%, respectivamente em pinhal br avo, folhosas perenifólias (EB), coníferas de montanha (SNC) e folhosas caducifólias (DB). A modelação das alturas de copa dessecada de t ronco carbonizado, que explicou respec- tivamente 61% e 70% da variação existente, revelou diferenças de compor- tamento do fogo de vidas ao tipo de c oberto florestal. A altura de copa dessecada foi significativamente inferior em DB relativamente a PS após consideração dos efeitos das restantes variáveis com influência (altura dominante e exposição), quedando-se em valores intermédios nos outros tipos florestais. No entanto, a altur a de copa dessecada não r eflectiu a variação completa no comportamento do fogo, uma vez que as parcelas sem copa dessecada não entraram na análise. A altura de tronco carbo- nizado seguiu a tendência PS > DB > SNC, após neutralização dos efeitos da altura de base da c opa, DAP e distância à orla PS-OF; as for mações EB não se distinguiram estatisticamente de nenhum dos restantes tipos. As resinosas de montanha de acícula fina, que formam bosquetes densos sem sub-bosque e c om folhada muit o compacta, revelaram-se assim como o tipo de floresta menos favorável à propagação do fogo.

A Figura 6 exibe a dist ribuição por tipo flor estal da se veridade do fogo, incluindo os seus componentes individuais. As maiores e menores severidades do fogo correspondem respectivamente ao pinhal bravo e às folhosas de folha caduca, situando-se os dois tipos restantes em posição

intermédia. É interessante constatar que o maior contraste de severidade entre PS e os tipos OF se regista nos estratos inferiores, apesar da maior incidência do fogo de copas em pinhal bravo.

A distância (a partir da fronteira PS-OF) correspondente à severidade do fogo mínima não foi afectada pelo tipo de floresta (p=0.229, mediana = 21 m), mas mostrou alguma associação crescente (p=0.069) com a severi- dade registada na porção PS do transecto. Da mesma forma, verificou-se correlação entre a severidade do fogo (componentes individuais e global, p<0,01) nos dois segmentos do transecto.

FIGURA6

Distribuição das parcelas por nível de severidade do fogo na manta morta (a), sub-bosque (b), árvores (c) e globalmente (d). O gr adiente de se veridade do f ogo aumenta do cin- zento claro (reduzida) para o preto (muito elevada). PS = pinhal bravo; SNC = coníferas de montanha; EB = folhosas perenifólias; DB = folhosas caducifólias. Adaptado de Fernandes et al. (2010). % 100 80 60 40 20 0 PS SNC EB DB % 100 80 60 40 20 0 PS SNC EB DB % 100 80 60 40 20 0 PS SNC EB DB % 100 80 60 40 20 0 PS SNC EB DB (a) (b) (c) (d)

Análise global da severidade do fogo

Uma análise de classificação em ár vore (Figura 7) e xplicou 44% da variação obser vada na se veridade g lobal do fogo. Este desempenho só aparentemente é modest o, uma v ez que a a valiação da se veridade d o fogo à escala da parcela reflecte a micro-variação no complexo combustí- vel e nos factores de índole meteorológica. O tipo de coberto, em conso- nância com a análise anterior, foi a variável mais importante. A primeira partição das parcelas correspondeu exactamente aos tipos PS e OF. Na ra-

FIGURA7

Árvore classificativa do índice global de severidade. (a) Sub-árvore do pinhal bravo (PS) e (b)sub-árvore dos restantes tipos florestais (OF). Os números no final dos nós terminais in- dicam a proporção de parcelas por classe de severidade (ME = muito elevada; E = elevada; M = moderada; R = reduzida). G = área basal (m2ha-1); SH = altura dominante (m); FSP = pa-

drão de propagação do fogo (dnsl = encosta abaixo; upsl = encosta acima ou perpendicu- lar à orientação do declive); Dist. = distância à orla PS-OF (m). Adaptado de Fernandes et al. (2010). ≥ 9 Árvores/ ha Dist ≥ 15 E = 0.48 M = 0.52 E = 0.28 M = 0.63 R = 0.09 < 15 < 8 SH ≥ 8 E = 0.50 R = 0.50 G ≥ 32.4 E = 0.44 M = 0.44 R = 0.11 M = 0.50 R = 0.50 < 32.4 Tipo Florestal Árv./ha ≥ 1111 M = 1.0 E = 0.63 M = 0.37 < 1111 S-EExposiçãoN-W ME = 0.40 E = 0.60 E = 0.88 M = 0.12 DB SNC, EB > 9 ≥ 1389 < 1389 OF Dist ≥ 7.0 SH N-W Exposição S-E > 7.0 ≥ 15.6 < 15.6 PS G Exposição N-W ME = 0.60 E = 0.4O ME = 0.27 E = 0.55 M = 0.18 S-E ME = 0.06 E = 0.72 M = 0.22 FSP upsl ME = 0.33 E = 0.67 ME = 1 dnsl ME = 0.92 E = 0.08 (a) (b)

mificação PS da árvore prevalecem largamente as severidades elevada e muito elevada, enquanto que no tipo OF estão r epresentados todos os níveis de severidade. Por ordem decrescente de importância, os factores responsáveis pela variação da severidade do fogo no pinhal bravo foram a área basal, a altura dominante e a exposição do terreno, e o sentido da propagação d o fogo r elativamente ao decli ve. A var iável c om maior capacidade de explicar a variabilidade da severidade do fogo nas forma- ções OF foi a distância à orla PS-OF, seguida da densidade e tipo de floresta, e da altura dominante e exposição. Globalmente, a composição dos povoa- mentos, as suas car acterísticas, a e xposição, a distância à orla PS-OF e o padrão de pr opagação d o fogo e xplicaram r espectivamente 51.3%, 28.3%, 9.3%, 9.1% e 4.5% da severidade compósita do fogo.

Para além de uma maior redução inicial em caducifólias, o tipo de OF não influenciou a severidade do fogo, apesar das diferenças detectadas no comportamento do fogo. A aquisição de matur idade estrutural contribui para reduzir o impacto do fogo, uma vez que a severidade do fogo diminuiu em povoamentos com árvores maiores ou maior área basal, em PS como em OF. Note-se que o aumento da densidade mitigou a severidade do fogo em formações OF maduras mas agravou-a no carvalhal jovem. Finalmente, refi- ra-se o papel da exposição do terreno, com aumentos da severidade do fogo em pinhal bravo e nas formações SNC e EB nas encostas viradas a sul e este.

Os resultados são consonantes com a literatura (e.g., Hély et al., 2003; Epting e Verbyla, 2005; Lee et al., 2009) e suportam os resultados obtidos por Fernandes (2009) (Secção 2). Para o efeito de mitigação da severidade do fogo concorreram não só as difer enças entre PS e OF iner entes ao complexo combustível (folhada menos inflamável e mais compacta e/ou mais escassa, sub-bosque hig rófilo) e ao pir o-ambiente meteorológico (redução do vento, maior humidade do combustível morto e vivo), como também as modificações no microclima associadas à deslocação do fogo para situações topográficas mais húmidas e abrigadas, situação predomi- nante em 10 dos locais amostrados.

No documento Ecologia do fogo e gestão de áreas ardidas (páginas 179-184)