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Mortalidade e ferimentos

SEVERIDADE DOS EFEITOS

3. Efeitos do fogo na fauna a curto-prazo

3.1. Mortalidade e ferimentos

A mortalidade constitui o impacto negativo mais óbvio sobre as popu- lações animais. A estimativa da mortalidade devida ao fogo é, no entanto, uma tarefa complexa. Os trabalhos científicos que envolvem a observação directa e contabilização de cadáveres carbonizados em áreas ardidas são muito escassos, e não existem para a região da Bacia Mediterrânica. Apesar disso, os resultados disponíveis sugerem que, ao contrário do que se poderia pensar, os efeitos de mortalidade e ferimentos atingem geralmente uma pequena proporção das po pulações afectadas pelo fogo. A maioria dos animais parece resistir, quer fugindo, quer encontrando abrigos no interior da área ardida. Há no entanto excepções; Hemsley (1967) e Wegener (1984) encontraram milhares de cadáveres de aves carbonizados, pertencentes a cerca de 60 espécies diferentes, em duas regiões da Austrália. Apesar dos números envolvidos, a ausência de out ros registos de mor talidade de adultos faz supor que estes fenómenos deverão ser muito pouco frequentes e ocorrer apenas em circunstâncias excepcionais. A morte de mamíferos de grande porte ocorre normalmente associada a fogos de grande dimen- são, de elevada velocidade de propagação e que produzem espessas cortinas de fumo. De facto a asfixia (por inalação de fumo) parece ser a principal causa de morte para estas espécies nestas circunstâncias (Singer e Schullery, 1989). A morte por asfixia não é, no entanto, exclusiva deste grupo, tendo sido igualmente registada em mamíferos de pequena dimensão que se refugiaram em abrigos no interior da área ardida.

As características biológicas das espécies, a disponibilidade de refúgios, e o regime de fogo, particularmente a intensidade e época do fogo, mas

também a sua dimensão, uniformidade, velocidade de propagação e du- ração, parecem ser os factores determinantes nos níveis de mortalidade e ferimentos observados.

Em relação ao regime de fogo pode dizer-se, genericamente, que fogos mais intensos, mais unifor mes, e com maior velocidade de propagação tendem a estar associados a níveis de mortalidade mais elevados.

No que r espeita às car acterísticas biológ icas, os efeit os negati vos tendem a ser de menor importância em animais com maior capacidade de deslocação (e.g. aves, artrópodes alados, mamíferos de grande porte) ou nos que vivem enterrados no solo ou em tocas (e.g. invertebrados do solo, algumas espécies de micr omamíferos), sendo que os animais c om menor mobilidade e que vivem na superfície do solo tendem a ser mais afectados (e.g. determinados invertebrados, répteis, anfíbios e micr o- mamíferos). As aves apresentam em geral grande capacidade de deslocação e é, nas fases de cria e de juvenil não voador que o risco de mortalidade pelo fogo é mais ele vado. Os mamíferos apresentam, relativamente às aves, uma menor capacidade de deslocação e assim as estratégias relativas à procura de abrigos assumem maior impor tância. No caso dos micro- mamíferos, há uma tendência para evitarem o fogo usando refúgios no interior da área ardida, utilizando para isso os seus abrigos habituais (e.g. buracos, tocas, túneis subterrâneos, etc.) ou outros que entretanto encon- trem, ou utilizando manchas de vegetação não ardida ou onde o fogo foi menos intenso (e.g. zonas de vegetação mais húmida). Assim, é de esperar que neste grupo o fogo possa ter mais impacto nas espécies que utilizam abrigos mais junto à super fície, relativamente às espécies que utilizam abrigos subterrâneos, como constatou Simons (1991). Os mamíferos de maiores dimensões procuram geralmente locais seguros em parcelas não ardidas no int erior da ár ea ardida ou pr eferencialmente fora da ár ea ardida, o que diminui consideravelmente o seu risco de morte.

Os ar trópodes t errestres apr esentam uma g rande di versidade de características biológicas que dificultam a definição de um padrão típico nos seus nív eis de mor talidade. As difer entes espécies de ar trópodes terrestres diferem nos seus ciclos de vida e podem ocorrer em diferentes estádios (imaturos ou maturo) quando o fogo se inicia. Para além disso também diferem na sua capacidade de locomoção (e.g. voadores vs. não- -voadores) e na selecção de micr o-habitats (e.g. solo mais ou menos

profundo, superfície do solo, vegetação). Estes factores interagem ainda com o regime de fogo, o que faz com que os níveis de mortalidade neste grupo sejam muito variáveis. Por exemplo, Bock e Bock (1991) obser - varam uma r edução de 60% na abundância c ombinada de adult os e ninfas de gafanhotos após um fogo int enso numa pradaria do Arizona. Em c ontrapartida, E vans (1988) r eporta valor es de mor talidade de gafanhotos m uito r eduzidos após fogo c ontrolado pr imaveril n uma pradaria no K ansas (E.U.A.), por que a maior ia das espécies oc orria apenas no estad o de ovo (enterrado) durante a época d o fogo. Para os artrópodes com menor capacidade de locomoção há uma tendência para aqueles que vivem enterrados no solo sofrerem menos impactos do que aqueles que v ivem à sua super fície ou sobre a vegetação (Prodon et al., 1987). Durante as épocas mais secas (e.g . o Verão na região mediterrâ- nica) alguns g rupos e espécies de in vertebrados do solo têm t endência para se refugiar em zonas mais profundas do solo onde existe maior teor de humidade, podendo mesmo estivar ou entrar em diapausa, sendo de esperar, por isso, que fogos nestas épocas possam causar menores níveis de mortalidade nestas espécies (Prodon et al., 1989).

Em relação à her petofauna, existem poucos registos de mor te ou ferimento induzidos pelo fogo, ainda que muitos destas espécies, particu- larmente os anfíbios, apresentem uma mobilidade limitada (Russel et al., 1999). Em relação a estes é possível que o facto de ocuparem normalmente habitats ou micro-habitats aquáticos ou com razoável grau de humidade, e que por tanto ardem menos, possa c ontribuir par a est es resultados (Russel et al., 1999). Para além disso a principal época de fogos na região mediterrânica – o Verão – coincide com a época em que vár ias espécies de anfíbios se encontram em período de letargia (estivação) face à reduzida humidade atmosférica e temperaturas elevadas. Nesta época os indivíduos adultos refugiam-se normalmente perto de água ou em cavidades no solo, debaixo de pedr as, etc., aumentando assim as suas hipót eses de sobre- vivência face ao fogo. Esse efeito estará dependente, no entanto, do grau de protecção do seu abrigo e da intensidade do fogo, sendo de esperar que abrigos mais profundos e húmidos, e fogos menos intensos aumentarão as suas probabilidades de sobrevivência. Por outro lado, fogos controlados realizados a seguir às primeiras chuvas outonais, embora de baixa intensi- dade, podem, eventualmente, causar alguma mortalidade, por coincidirem

com uma das épocas de maior actividade deste grupo (Bury et al., 2002). Os répteis, ao contrário dos anfíbios, encontram-se normalmente activos nos meses de maior calor, que coincidem com o período de fogos. A utili- zação de cavidades constitui a sua principal defesa em relação à passagem do fogo, sendo também de prever que as espécies que utilizam abrigos com alguma profundidade sejam menos afectadas. Por outro lado, apresentam algumas vantagens em relação aos anfíbios como uma capacidade de loco- moção ligeiramente superior, que nalguns casos lhes permitirá fugir à frente da linha de fogo, e uma pele mais seca e escamosa, e portanto mais prepa- rada para resistir à dessecação.

3.2. Fuga

Outra das respostas mais frequentes dos animais ao fogo é a fuga desses locais assim que o fogo é detectado. Muitas espécies voltam rapidamente à área ardida depois do fogo, outras podem abandonar a área durante pe- ríodos superiores (até 1 a 2 anos) e algumas podem mesmo não regressar. De um modo geral, pode dizer-se que os diferentes padrões de compor- tamento de fuga ou emig ração observados dependem no imediat o da capacidade de locomoção dos vários grupos e espécies, mas pr incipal- mente da intensidade do fogo e, particularmente, do grau de alteração/ destruição do habitat e/ou recursos alimentares produzido e do período de t empo que est es le vam a r ecuperar. Est e períod o de r egeneração é obviamente muito variável, uma vez que depende das características do fogo, das condições locais, como sejam as condições edáficas e de humi- dade, e também da variação climática após o fogo. A forma e uniformi- dade do fogo podem também infl uenciar estes comportamentos para algumas espécies, uma vez que dur ante o período de ausência da ár ea ardida, as manchas de vegetação não ardida quer no interior da área ardida, quer fora, são fortemente seleccionadas como locais de refúgio das chamas e muitas vezes como locais de permanência até regeneração do seu habitat. A maioria das aves abandonam o seu habitat enquanto está a ar der para evitar ferimentos mas muitas regressam após algumas horas ou dias. O seu regresso pode estar relacionado com as reduzidas alterações estru- turais no habitat (e.g . a ves flor estais r elativamente a fogo de baixa intensidade), com o aproveitamento da alteração do habitat produzida pelo fogo, ou pur a e simplesmente devido à sua fidelidade à ár ea (site

fidelity). Este efeito comportamental de site fidelity, relacionado com a associação das aves à sua área vital e locais de alimentação familiares, tem sido evocado por vários autores para justificar a per manência de certas espécies de aves em áreas onde o se u habitat foi bastant e alterado pelo fogo e, nalguns casos, a sua adaptação a essas no vas circunstâncias (e.g. Pons, 1998). Para outras espécies de aves, no entanto, o abandono pode ser mais alargado ou mesmo definitivo devido ao facto do habitat já não providenciar a estrutura ou o alimento que requerem para sobreviver e se reproduzirem. Izhaki e Adar (1997), por exemplo, estudando a sucessão da comunidade de aves não-reprodutoras num pinhal ardido em Israel, referem o abandono da ár ea por par te de algumas espécies dur ante os primeiros dois anos após o fogo e o seu progressivo regresso no período de 3 a 5 anos pós-fogo.

Relativamente aos mamíferos, os animais de grande porte e de grande mobilidade par ecem ser capaz es de se mo verem r apidamente par a manchas de habitat não queimado, preferencialmente fora da área ardida. Existem também observações de movimentações de grandes mamíferos através a linha de fogo par a áreas já ar didas (e.g. Christensen, 1980). O c omportamento t erritorial ou a familiar idade c om as ár eas que entretanto ar deram têm sid o apontad os c omo uma das possív eis explicações para este fenómeno. Os micromamíferos tendem a procurar refúgio no interior da área ardida, por exemplo em zonas de vegetação que não arderam, e aí tentar sobreviver à passagem fogo. Newsome et al. (1975), por exemplo, reportam a ocorrência de micromamíferos após fogo em manchas de vegetação mais húmida associada a linhas de água, e por tanto não ar dida, e La wrence (1966) r egistou também a sobr e- vivência de micromamíferos em arrifes rochosos no interior de uma zona de mato (chaparral) percorrida por um fogo . Logo após o fogo m uitas espécies de micromamíferos também podem abandonar as áreas ardidas. As r azões apontadas par a esse fenómeno incl uem a dimin uição da protecção contra predadores, diminuição da disponibilidade de alimento e maior interacção entre indivíduos (Vacanti e Geluso, 1985). O período de ausência da área ardida e de restabelecimento das densidades pré-fogo pode ser muito variável, dependendo principalmente da intensidade e severidade do fogo.

A importância potencial da fuga ao fogo das populações animais está bem ilustrada nos estudos de gafanhotos acridídeos na savana africana (Gillon, 1972), onde indivíduos adultos foram observados a abandonar a área à frente da linha de fogo. Gandar (1982) verificou o mesmo padrão de forma indirecta. Este autor observou que após o fogo a densidade de gafanhotos aumentou fortemente nos blocos de vegetação não ardida, ao mesmo tempo que a espécie desapar eceu praticamente da área ardida, evidenciando um movimento de indivíduos da zona ardida para zonas não ardidas. Alguns dias após o fogo c omeçou a verificar-se um movi- mento gradual de indivíduos no sentido in verso (isto é, das áreas não ardidas para a área ardida), acompanhando o desenvolvimento da vegeta- ção, e cerca de 4 meses após o fogo as densidades nas duas áreas eram de novo semelhantes.

3.3. Atracção

Os animais podem ser também atraídos pelo calor, chamas ou fumo durante a fase de c ombustão, ou pelas ár eas r ecentemente ar didas. Várias espécies aumentam a sua abundância dur ante alguns dias ou semanas nestas áreas. O principal motivo destas deslocações par a áreas queimadas está r elacionado com o aument o temporário da disponi- bilidade de recursos alimentares, quer em termos quantitativos, quer em termos qualitativos (Figura 4). É de esperar que este comportamento seja mais frequente em espécies c om maior capacidade de dispersão (e.g . artrópodes alados, aves, mamíferos de grande porte), que podem assim rapidamente colonizar/explorar estas áreas. A relação entre os padrões de at racção e o r egime de fogo é c omplexa, uma v ez que depende essencialmente do efeito do fogo no ecossistema, que por sua v ez pode influenciar os padrões de at racção de difer entes g rupos ou espécies. Por exemplo, um fogo m uito severo, que provoca a dest ruição de toda a vegetação existente, pode at rair menos insectos do que um fogo de severidade média, e consequentemente vai at rair também menos a ves insectívoras. P or out ro lad o est e tipo de incêndios pode aumentar a disponibilidade alimentar (e.g . carcaças de animais queimad os) e a acessibilidade a esse alimento para predadores oportunistas ou necrófagos.

Existem vários casos de espécies de aves que são atraídos para a frente de chamas ou para as áreas recentemente ardidas, e que, em muitos casos,

aumentam a sua abundância durante os dias ou semanas que sucedem ao fogo. As aves de rapina e necrófagas são normalmente atraídas para estas áreas devido à maior abundância de alimento ou à sua maior exposição. Parker (1974) r efere impor tantes concentrações de a ves de r apinas e necrófagas durante o fogo, e o seu uso de áreas recém ardidas para caçar, em duas regiões dos Estados Unidos da América. Gillon (1972) observou várias espécies de a ves de r apina a alimentar em-se de insec tos (gafa- nhotos, grilos) que voavam à frente da linha de fogo, na savana africana. Smallwood et al. (1982), dur ante um fogo em pastagens na Flór ida, observaram garças-boeir as ( Bubulcus ibis) e peneir eiros amer icanos (Falco sparverius) a alimentarem-se igualmente junto às chamas. Aparen- temente a garça-boieira era atraída quer por pequenos vertebrados, quer por invertebrados, enquanto que o peneireiro predou quase exclusivamente insectos que surgiam da frente de fogo.

As espécies de a ves tipicamente insectívoras também tir am partido da maior abundância momentânea de in vertebrados nas áreas ardidas. É o caso, por exemplo, dos pica-paus, que podem ocupar estas áreas, quer

AUMENTO DA