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Padrões de selecção do fogo por diferentes tipos de coberto do solo

No documento Ecologia do fogo e gestão de áreas ardidas (páginas 168-173)

FOGO NAS FLORESTAS PORTUGUESAS

PERIGO BAIXO

3.1. Padrões de selecção do fogo por diferentes tipos de coberto do solo

O início dos incêndios e a sua propagação resulta da complexa interac- ção entre fontes de ignição, condições meteorológicas, topografia e coberto vegetal (associado à estrutura da vegetação e distribuição de combustível) (e.g. Rothermel, 1983; Mermoz et al., 2005). O coberto vegetal é uma variável chave, e à escala da paisagem o incêndio desenvolve-se, a partir de um epi- centro local (ponto de ignição) com uma velocidade de propagação que é acentuada ou retardada pelo grau de heterogeneidade da paisagem (Turner e Dale, 1990). Certos tipos de coberto vegetal (e.g. matos ou plantações de coníferas) de uma paisagem são mais susceptíveis aos incêndios que outros (e.g. zonas húmidas, áreas agrícolas ou parcelas recentemente ardidas) (e.g. Forman, 1997; Moreira et al.,2001; Mermoz et al.,2005), devido a diferenças na estrutura, humidade e composição da carga c ombustível (Rothermel, 1983). Tais factores originam diferentes padrões de comportamento do fogo nos diferentes tipos de coberto vegetal (ver secção anterior).

A configuração final das parcelas ardidas pode fornecer-nos informação útil sobre o consumo diferenciado das classes de coberto vegetal previa- mente existentes. Numa dada paisagem, se os diferentes tipos de coberto vegetal apresentarem a mesma susc eptibilidade ao fogo, pode-se então presumir que o incêndio se desenvolverá aleatoriamente, consumindo as diferentes classes de coberto proporcionalmente à sua abundância relativa antes do fogo. Alternativamente, se o fogo c onsumir preferencialmente certas classes em detrimento de outras, a gestão da paisagem poderá usar este conhecimento em aplicações práticas de minimização d o risco de incêndio pela pr omoção de c oberturas de solo menos susc eptíveis ao fogo, por exemplo nas faixas de gestão de combustível.

Utilizando uma abordagem que se baseia na estimativa de um índice de selecção dos incêndios por diferentes tipos de coberto do solo, Moreira et al. (2009) utilizaram a cartografia de ocupação do solo de 1990 (COS90) e as áreas ardidas (com dimensão superior a 5 ha) no período de 1990 a 1994 (5590 áreas ardidas), para caracterizar o padrão de selecção dos incêndios, quer a nível nacional, quer em cada uma de 12 regiões ecológicas de Por- tugal continental.

Estimativa dos índices de selecção pelo fogo

A abor dagem utilizada c onsistiu em c omparar a c omposição d o coberto vegetal existente antes do fogo num buffer circular que envolve (e incl ui) cada par cela ar dida (c oberto v egetal disponível), c om a composição do coberto vegetal no interior dessa parcela ardida (coberto vegetal consumido). Assim, se o incêndio se desenvolveu na paisagem de modo indiferente ao tipo de coberto, é de esperar que a composição do coberto vegetal na parcela ardida e no buffer (parcela ardida + envolvência) sejam semelhantes. Pelo contrário, se uma ou mais classes de c oberto vegetal arderam mais (ou menos) que a sua disponibilidade relativa, é de esperar que a composição do coberto na parcela ardida e no buffer sejam diferentes e, neste caso, o fogo seria considerado selectivo.

Os padrões de selecção do coberto vegetal pelo fogo foram caracterizados através de coeficientes de selecção (Manly et al., 1993; Moreira et al., 2001). O coeficiente de selecção (wi) para uma determinada classe de coberto vegetal

ié um índice de selecção estimado por wi = oi/πi (Manly et al. 1993), onde oi é a proporção ocupada pelo coberto vegetal i na parcela consumida pelo

fogo e πi é a proporção ocupada pelo coberto vegetal i no respectivo buffer. Se um determinado tipo de coberto arde proporcionalmente à sua dispo- nibilidade, então w = 1. Se w > 1, o coberto foi consumido em maior pro- porção (preferido) do que ser ia de esper ar num evento aleatório. Por último, se w < 1, o coberto foi consumido em menor proporção (evitado).

Como ant es r eferido, o c oberto v egetal c onsumido foi obtid o, par a cada parcela ardida, através da estimativa da proporção da sua ár ea total coberta pelos diferentes tipos de coberto (antes do fogo). Para determinar o coberto vegetal disponível, criou-se em torno das parcelas ardidas um buf-

fercircular, centrado nas coordenadas do centróide da parcela, com área igual à extensão do maior incêndio na respectiva região ecológica. Esta di- mensão máxima foi utilizada como um indicador da extensão potencial de um incêndio em cada região. Determinaram-se médias e intervalos de confi- ança (95%) para cada tipo de coberto vegetal ao nível do país e separada- mente em cada r egião. Intervalos de c onfiança que não incl uíram w=1 representaram classes de coberto que foram significativamente preferidas (se o intervalo é acima de 1) ou evitadas (se o intervalo é abaixo de 1) pelo fogo.

Padrões gerais de selecção pelo fogo por diferentes tipos de coberto do solo

À escala nacional os mat os constituíram a única classe de c oberto vegetal que ar deu mais d o que ser ia de esper ado relativamente à sua disponibilidade, o que indica uma clara preferência do fogo por este tipo de coberto (Figura 2).

FIGURA2

Coeficientes de selecção médios (w) (com intervalos de confiança de 95%) para os tipos de coberto vegetal ardidos no período 1990-1994 em Portugal. O coberto vegetal inclui culturas anuais (ac), culturas permanentes (pc), sistemas agro-florestais (agf), matos (srb), floresta de coníferas (con), floresta de eucaliptos (euc), floresta de folhosas (brl), floresta mista de coníferas e eucaliptos (mx), e floresta mista de folhosas e coníferas ou folhosas e eucaliptos (mxb). Adaptado de Moreira et al.

(2009). AC PC AGF SHR CON EUC BRL MX MXB

2.5 2.0 1.5 1.0 0.5 0.0 W

Um r esultado semelhant e foi obtid o por N unes et al. (2005) que caracterizaram os padrões de selecção do fogo em Portugal durante 1991, utilizando outro tipo de abor dagem. Esta ele vada susceptibilidade dos matos para arder poderá ser e xplicada por vár ias razões, incluindo: (a) a baixa prioridade dada ao combate a incêndios em zonas de matos (é o coberto vegetal ao qual nor malmente se at ribui um menor valor); (b) a ocorrência de fogos associados à actividade pastoril, com o objectivo de criar pastagens para o gado (os fogos de origem pastoril representam em média 20% do total de ocorrências com causa determinada); (c) o facto de os matos poderem ser um coberto vegetal muito comum nas zonas mais declivosas, que favorecem a propagação do fogo; (d) a velocidade e inten- sidade de propagação deverão ser elevadas neste tipo de coberto fechado e baixo (ver secção 2).

As florestas ocuparam o segundo lugar nas preferências do fogo, com os povoamentos de c oníferas, mistos ou pur os, a most rarem-se mais susceptíveis ao fogo do que as florestas de eucalipto e de outras folhosas. As culturas agrícolas (tanto anuais como permanentes) e os sist emas agro-florestais foram os cobertos vegetais menos preferidos pelo fogo. Uma análise multivariada de classificação com base nas variações regionais dos padrões de selecção do fogo nas diferentes regiões do país permitiu a identificação de t rês g rupos geog raficamente distint os (Figur a 3). O primeiro grupo incluiu 4 regiões no noroeste de Portugal onde o fogo mostrou uma pr eferência m uito baixa por cultur as an uais, cultur as permanentes, sist emas ag ro-florestais e flor esta de folhosas, e uma preferência elevada por matos. Em contraste, num segundo grupo de 3 regiões no sul de Portugal, o fogo apresentou a preferência mais elevada para culturas anuais, culturas permanentes, sistemas agro-florestais e florestas de folhosas, e mais baixa par a matos. O último g rupo inclui 5 regiões no c entro e nor deste de P ortugal e apr esenta pr incipalmente padrões de fogo int ermédios ent re os dois g rupos ant eriores, mas também maior preferência por coníferas e menor por eucaliptos.

Variações regionais nos padrões de selecção

Os resultados obtidos para cada classe de coberto vegetal encontram- -se na Figura 4. Em todas as regiões as culturas anuais foram evitadas pelo fogo, à excepção da região do Sado e Ribatejo e do Alentejo, onde arderam proporcionalmente à sua disponibilidade na r egião (i.e. os int ervalos de confiança para os coeficientes de selecção incluíram o valor 1). Estas culturas foram particularmente evitadas nas regiões a noroeste. As culturas permanentes foram evitadas igualmente em todas as regiões, apesar de no sul terem sido comparativamente mais susceptíveis ao fogo (Estremadura, Sado e Ribatejo, Alentejo e Algarve). Os sistemas agro-florestais arderam proporcionalmente à disponibilidade no Sado e Ribatejo, e Alentejo. Nas outras regiões for am e vitados pelo fogo , em par ticular nas r egiões a noroeste.

FIGURA3

Regiões ecológicas utilizadas neste estudo, definidas por Albuquerque (1985), e agrupamentos de regiões com base nas semelhanças entre padrões de selecção do fogo. Cada um dos grupos está representado por uma cor. Numeração das regiões: 1 – Noroeste 2 – Alto Portugal 3 – Nordeste Transmontano 4 – Beira Douro 5 – Beira Litoral 6 – Beira Alta 7 – Beira Serra 8 – Estremadura 9 – Beira Baixa 10 – Sado e Ribatejo 11 – Alentejo 12 – Algarve

Adaptado de Moreira et al. (2009).

1 2 3 4 6 5 7 9 8 10 11 12

AC PC AGF SHR CON EUC BRL MX MXB 4.0 3.0 2.0 1.0 0.0

AC PC AGF SHR CON EUC BRL MX MXB 2.0

1.5 1.0 0.5 0.0

AC PC AGF SHR CON EUC BRL MXB 2.0

1.5 1.0 0.5 0.0

AC PC AGF SHR CON EUC BRL MX MXB 6.0 5.0 4.0 3.0 2.0 1.0 0.0

AC PC AGF SHR CON EUC BRL MX MXB 2.5 2.0 1.5 1.0 0.5 0.0

AC PC AGF SHR CON EUC BRL MX MXB 2.0

1.5 1.0 0.5 0.0

AC PC AGF SHR CON EUC BRL MX MXB AC PC AGF SHR CON EUC BRL MX MXB

NOROESTE ALTO PORTUGAL

NORDESTE

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