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A QVRS é habitualmente avaliada a partir de questionários, efectuados aos próprios indivíduos ou a proxies, que incluem a avaliação de vários domínios/atributos em função dos objectivos pre- tendidos. Estes questionários podem ser gerais ou específicos de doença.

Os questionários específicos avaliam determinados grupos de pessoas que têm em comum uma determinada característica ou doença. Nestes questionários os domínios são mais específicos e altamente variáveis em função da doença a avaliar.

Os questionários gerais utilizam domínios mais abrangentes e pretendem avaliar o “estado de saúde global” e/ou grupos alargados de pessoas, com ou sem patologia. Uma das vantagens atribu- ídas aos questionários genéricos é a possibilidade de avaliar populações com diferentes patologias clínicas (55).

Os questionários podem ser do tipo “perfis de saúde” ou índices baseados em preferências, sendo estes últimos expressos num valor numérico que define o estado de saúde e bem-estar de cada doente individualmente (55).

O valor originado pelo questionário e que corresponde à QVRS pode ser obtido de vários mo- dos, mas o mais habitual é ser obtido pela soma dos valores individuais de cada um dos domínios avaliados, sendo a QVRS valorizada em função do máximo valor possível.

Um outro modo é a utilização de valores que incorporem as preferências da população e que se chamam de “utilidades” (56, 57). Estas utilidades têm a vantagem de serem um valor numérico que

varia entre 0 e 1 e como tal têm a capacidade de serem utilizados em análises de custo-benefício, ou mais correctamente em análise de custo-utilidade.

A QVRS, como utilidade, pode ser estimada através de questionários de saúde ou através de mé- todos directos, tais como: Standard gamble, Time trade-off, Person trade-off e Rating scales/Visual Analogue Scale (58).

Os questionários são instrumentos de mais fácil execução, maior rapidez e mais económicos, bem como de maior acessibilidade a todo o tipo de investigadores. A utilização de métodos directos implicam procedimentos mais complexos, morosos, dispendiosos e apenas acessíveis a investiga- dores com amplos conhecimentos na área da estatística e de avaliação psicométrica deste tipo de instrumentos. Nos questionários de avaliação da QVRS que incorporam preferências, os algorit- mos de classificação são desenvolvidos a partir da utilização de estudos com avaliação por métodos directos.

Alguns autores (59) distinguem dois tipos de utilidades: ordinais e cardinais. Para a medição de

“utilidades ordinais” utilizam-se estados de saúde com a mesma duração e prognóstico e pede-se aos indivíduos que os ordenem numa determinada graduação, de acordo com as suas preferências. No caso das “utilidades cardinais” utilizam-se outros métodos de aplicação mais ou menos comple- xa, dos quais se descrevem em seguida, de um modo sucinto, os mais frequentemente utilizados.

• Escala de Pontuação (Rating Scale), Escala Visual Analógica (Visual Analogue Scale - VAS), Termómetro (Feeling Thermometer): numa linha (ou escala) colocamos o estado de saúde mais desejado (perfeito) numa extremidade e o menos desejado (morte) na outra extremidade; aos indivíduos é-lhes pedido que coloquem o seu estado de saúde actual num dos pontos da escala, de acordo com a sua sensação subjectiva; também se pode pedir aos indivíduos que classifiquem estados de saúde hipotéticos que são apresentados de um modo sucessivo e, preferencialmente, aleatório (de modo a impedir correlações com o estado de saúde apre- sentado imediatamente antes) (59,60). As VAS medem valores de estado de saúde em condi-

ções de certeza, por oposição à medição em situação de incerteza (como tal incorporando risco) que é efectuada pelo Standard gamble (61).

• O Standard Gamble (SG) é utilizado para medir estados de saúde crónicos preferíveis à mor- te(59) e consiste num jogo em que o indivíduo é confrontado com duas alternativas. A primei-

ra alternativa consiste num tratamento com dois resultados possíveis: o indivíduo regressa ao estado de saúde normal e vive por um período adicional de x anos (probabilidade p) ou morre imediatamente (probabilidade 1 – p). Na segunda alternativa é oferecida ao indivíduo a certeza de ficar no estado de saúde crónico t até ao fim da vida, isto é, durante x anos. Em seguida, faz-se a probabilidade p variar, até o indivíduo ser indiferente entre as duas alterna- tivas.

Time Trade-Off (TTO): são oferecidas ao indivíduo duas alternativas: alternativa 1, estado de saúde t durante o tempo x (esperança de vida de um indivíduo no estado de saúde crónico) seguido pela morte; alternativa 2, saudável por um tempo z, em que z < x, seguido pela mor- te. O tempo z é variado até o indivíduo ser indiferente entre as duas alternativas.

Person Trade-Off (PTO): consiste em colocar ao indivíduo uma pergunta do tipo: «Se existirem x pessoas numa situação de doença A e y pessoas numa situação de doença B, e se apenas poder ajudar um dos grupos, devido a uma limitação de tempo ou de recursos, qual dos gru- pos escolheria?». Um dos números, x ou y, é variado até que o indivíduo considere os dois grupos equivalentes em termos de necessidade de assistência.

Quanto ao modo de aplicação dos questionários estes podem ser administrados por entrevista ou serem de auto-preenchimento. A administração por entrevista tem como vantagem uma menor taxa de erros e de perguntas não respondidas, tendo com desvantagens a necessidade de entrevis- tadores treinados e correspondente aumento do custo do processo de avaliação (55). No caso dos

questionários auto-preenchidos, que são menos dispendiosos, existem uma maior taxa de respostas ausentes e uma menor taxa de respostas à solicitação de participação nos estudos (55).

No caso de questionários de avaliação da QVRS é necessário prestar atenção a alguns aspectos que validem a qualidade do questionário nessa avaliação (55, 62-66) tais como: aceitabilidade (accepta-

bility), custos de tempo e económicos (burden), fiabilidade (reliability), validade (validity), detecção de variações (responsiveness), interpretabilidade (interpretability) e utilidade (usefulness). Assim, é importan- te que os instrumentos de avaliação da QVRS apresentem provas de serem capazes de respeitar este tipo de características psicométricas.

A validade e a fiabilidade são os itens mais frequentemente referidos e objecto de estudo, mas a sensibilidade à mudança também é importante. Por sensibilidade à mudança entende-se a capacida- de do instrumento em detectar mudanças do estado de saúde/QVRS devidas a uma intervenção, em estudos de avaliação longitudinal (66).

Em termos de validade, ou seja, se o instrumento é capaz de medir aquilo que pretendemos e se é útil para os objectivos a que nos propomos, consideram-se ainda vários subtipos de validade: “criterion, content, construct and face validity”. A validade de critério (criterion validity) refere-se à correlação entre o instrumento e outras escalas de referência, idealmente um gold-standard. A valida- de de conteúdo (content validity) refere-se à capacidade do instrumento em medir todos os atributos importantes para a QVRS. A validade da construção (construct validity) é referida como a avaliação da relação teórica entre as várias variáveis do instrumento e habitualmente são correlacionadas com variáveis de outros instrumentos de avaliação do estado de saúde. A validade facial (face validity) é referida como a avaliação dos atributos que nós pensamos que estão relacionados com o tema em análise.

A fiabilidade é um factor importante e habitualmente são utilizadas análises de teste-reteste e de consistência interna. Na primeira medida avalia-se a fiabilidade ao longo do tempo e nas segundas avalia-se a agregação dos vários itens de um questionário, dentro do mesmo momento de adminis- tração do instrumento (geralmente com recurso ao teste Cronbach’s alfa (63).

No que diz respeito ao HUI23, os autores citam abundante literatura relativa à validação e fia- bilidade do sistema “Health Utilities” (ver mais à frente descrição do HUI), seja produzida pelos próprios autores do HUI, seja por investigadores independentes. Alguns dos artigos em que se podem encontrar dados desta validação são, por exemplo, os artigos (62, 67-70).

Embora a QVRS possa ser avaliada em estudos transversais o ideal é que seja avaliada de um modo longitudinal, com registo da sua avaliação antes e depois de uma intervenção, de modo a permitir a comparação entre diferentes grupos de intervenção (71). No caso de pessoas criticamente

doentes a maior dificuldade prende-se com a avaliação da QVRS pré-evento, uma vez que este é muitas vezes súbito e incapacitante. Nas situações que envolvam crianças em que é frequente o recurso aos proxies, poderá ser mais fácil a avaliação da QVRS pré-eventos, embora com as condi- cionantes habitualmente referidas à utilização de proxies na avaliação da QVRS.

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