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2.2. SEMIÓTICA SOCIAL E MULTIMIDALIDADE

2.2.1. MODOS DE COMUNICAÇÃO

De acordo a Teoria Multimodal da Semiótica Social, o termo modo se refere a um conjunto de recursos semióticos social e culturalmente moldados para o compartilhamento de significados e a construção de sentidos (KRESS et al., 2001, Jewitt, 2006, KRESS, 2009). Em outras palavras, todos os recursos empregados pelos indivíduos nos processos de comunicação fazem parte de modos de comunicação e representação, também chamados de modos semióticos. Exemplos de modos incluem a escrita e a imagem nos textos impressos, a imagem em movimento na tela do computador, a fala, os gestos, os olhares, o comportamento proxêmico e as mudanças de postura corporal.

Van Leeuwen define o termo recurso semiótico da seguinte maneira:

... recursos semióticos são as ações e os artefatos que usamos para nos comunicar, sejam elas produzidas fisiologicamente - com o nosso aparelho vocal; com os músculos que usamos para criar expressões faciais e gestos, etc. - ou por meio de tecnologias - com a pena, tinta e papel; com hardware e software; com tecidos, tesouras e máquinas de costura, etc. (van LEEUWEN, 2005, p.3, tradução nossa).

De acordo com os trabalhos de Kress (KRESS et al., 2001; KRESS, 2009), um modo de comunicação é constituído quando um sistema de signos torna-se capaz de realizar as

1 Para os iniciantes sugiro uma consulta ao “Glossary of Multimodal terms” que traz significados

compartilhados na comunidade de pesquisa liderada por Gunther Kress e outros de seus colaboradores (disponível em http://multimodalityglossary.wordpress.com/mode-2/, último acesso em maio de 2016).

metafunções ideacional, interpessoal e textual descritas por Halliday (1976,1978). Kress et al. (2001) acrescentam cinco conceitos-chave para entendermos o uso dos modos em situações de comunicação: meio; materialidade; especialização funcional; orquestração multimodal e intenção retórica.

O meio se refere à substância material que é moldada pela cultura, ao longo do tempo, em formas de representação socialmente organizadas e regulares, isto é, em recursos de construção de sentido ou modos (KRESS et al., 2001, p.15). Todos os modos, tanto em função de sua materialidade, quanto do trabalho que as diferentes culturas realizam com aquele material – com o som se tornando fala, ou música; com movimentos de mãos se tornando gestos – oferecem potenciais específicos para gerar significado e trazem consigo limitações. Em outras palavras, cada modo é culturalmente moldado em torno das restrições e possibilidades do meio que o constitui.

As possibilidades (affordances) e restrições dos meios a partir dos quais são construídos os modos de comunicação justificam a criação do conceito de especialização funcional dos modos. De acordo com esse conceito, há algumas coisas que alguns modos comunicam melhor do que outros. Por exemplo, descrever a paisagem de um destino de viagem usando apenas o modo verbal pode ser bastante apropriado para um romancista, mas não para um agente de viagens que pretende convencer um turista a adquirir um pacote de férias. Uma fotografia seria muito mais apropriada nessa situação (ALVES, 2011).

Cada modo – tal como foi moldado e socialmente utilizado – possui certas particularidades. A lógica da sequência no tempo é característica da fala: um som é produzido depois do outro, uma palavra após a outra, um elemento sintático depois do outro. Para narrar acontecimentos, essa sequencialidade se torna uma affordance do modo verbal oral. Por outro lado, imagens estáticas são mais fortemente governadas pela lógica do espaço e da simultaneidade, uma vez que os elementos podem ser percebidos concomitantemente. Por essa razão, a representação de relações entre parte e todo em estruturas complexas é realizada adequadamente por esse modo de comunicação.

No contexto da sala de aula, as diferentes especializações apresentadas pelos modos de comunicação têm papel importante nos processos de negociação de sentidos e

construção de significados. Kress et al. (2001) consideram que um aspecto central da tarefa de promover o entendimento de conceitos e, assim, permitir a apropriação da cultura das ciências, por parte dos estudantes, consiste na seleção e integração dos modos semióticos pelo professor. Para esses autores, os significados construídos em sala de aula não dependem apenas das potencialidades e limitações dos diversos modos utilizados, mas da própria maneira como eles são orquestrados. Em outras palavras, a orquestração é em si mesma significativa. Segundo eles, os professores contribuem para o acesso dos estudantes aos conceitos e à cultura das ciências, a partir da orquestração multimodal de imagens, ações, manipulação de objetos, discurso e assim por diante. Quando mais de um modo é empregado em um mesmo processo de comunicação, cada modo contribui de forma particular para a produção de sentidos e, além disso, a própria integração dos diferentes modos também contribui para a significação, de forma a multiplicar os possíveis significados.

Ao orquestrar diferentes modos, um comunicador competente faz escolhas nas quais podemos identificar, tanto a especialização funcional atribuída a cada modo, quanto os interesses e as intenções desse sujeito em uma dada interação. Esses interesses e intenções podem ser identificados como interesses ou intenções retóricas.

De acordo com Kress et al. (idem), assumir que o professor age retoricamente quando ensina ciências em sala de aula, implica ver o professor como alguém que seleciona modos de comunicação e orquestra esses modos para apresentar um mundo coerente e plausível (pela lógica da ciência), a fim de moldar a visão de mundo dos estudantes.

Como exemplos de intenções retóricas empregadas na sala de aula de ciências, podemos citar aquelas que identificamos na análise dos nossos dados: comparação entre duas interpretações de um fenômeno; explicitação das razões pelas quais um fenômeno ocorre; apresentação e sistematização de conceitos; descrição e caracterização de objetos; verificação de hipóteses, exemplificação de princípios e leis, esclarecimento de dúvidas, entre outros.