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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

6.1. RETORNANDO ÀS QUESTÕES DE PESQUISA

O problema que orientou a pesquisa relatada nesta tese foi: como simulações e laboratórios virtuais medeiam o ensino da Física em uma sala de aula na qual um professor experiente faz uso sistemático desses recursos?

As questões concebidas para o enfrentamento desse problema foram: 1- como e com que frequência simulações e laboratórios virtuais são usados na sala de aula desse professor? 2- nessa sala de aula, esses aplicativos de computador desempenham um papel relevante nas atividades mediadas por outros recursos? 3- que potencialidades e limitações nós podemos atribuir ao uso que o professor faz desses aplicativos de computador? 4- como o professor utiliza múltiplos modos de comunicação para mediar a interação dos estudantes com as simulações e os laboratórios virtuais?

Com relação à primeira questão, como podemos verificar nos quadros 12 e 13 do capítulo 4, observamos que o professor coordenou o uso de simulações e laboratórios virtuais com vários outros recursos mediacionais, tais como projeção de slides e vídeos, roteiros com questões e problemas destinados à exploração de fenômenos ondulatórios, listas de exercícios, textos didáticos, inscrições com desenhos e textos no quadro, além de artefatos que permitiram a realização de experimentos.

O professor utilizou simulações e laboratórios virtuais sempre combinados com experimentos realizados a partir da manipulação de artefatos, tais como molas metálicas, caixas de som ligadas a uma fonte de áudio, alto-falantes alimentados por sinais elétricos, dentre outros. Os experimentos com artefatos reais foram usados para: (i) antecipar conceitos posteriormente explorados com os aplicativos; (ii) aprofundar discussões iniciadas com os aplicativos; (iii) comparar resultados de experimentos reais e virtuais; (iv) realizar explorações que não podiam ser feitas com os aplicativos de computador dos quais ele dispunha.

Simulações e laboratórios virtuais foram utilizados em cinco das treze aulas da sequência de ensino. Verificamos também que o uso direto desses aplicativos ocupou 16% do tempo total da sequência de ensino, mesmo percentual ocupado pela manipulação de artefatos para realização de experimentos. Esse dado sugere que o

professor atribui a mesma importância aos experimentos virtuais e reais. Sugere também que o professor tem experiência não apenas no uso de aplicativos, mas também na manipulação de artefatos experimentais e na concepção de experimentos baseados nesse tipo de equipamento.

Voltando agora a atenção para nossa segunda questão de pesquisa, identificamos várias situações em que simulações e laboratórios virtuais serviram de referência para atividades mediadas por outros recursos. O professor fez referência aos aplicativos para sustentar explicações dadas aos estudantes durante a realização de exercícios. Usou capturas de tela para questões usadas em listas de exercício e provas. Propôs atividades extraclasse cuja realização demandava o uso do aplicativo pelos estudantes.

Tratando agora de nossa terceira questão de pesquisa resgatamos um postulado da Teoria da Ação Mediada segundo o qual todo recurso mediacional, tanto possibilita, quanto restringe a ação. Nossa análise nos autoriza a afirmar que a principal potencialidade das simulações e laboratórios virtuais são a facilidade e a agilidade proporcionadas por esses recursos, no que diz respeito à alteração de suas configurações, a fim de simular diferentes condições de produção dos fenômenos em estudo. Essa característica permitiu um controle de variáveis importantes dos fenômenos investigados que seria muito mais difícil de realizar com artefatos experimentais. Nos três segmentos submetidos à análise densa no capítulo 5 desta tese, nós verificamos que essa potencialidade, contribuiu para manter a participação dos estudantes nas atividades mediadas pelo aplicativo, na medida em que ela possibilitou ao professor modificar as configurações para atender às demandas apresentadas pelos estudantes.

Esse tipo de uso dos aplicativos gerou situações nas quais as interações discursivas entre o professor e os estudantes eram iniciadas por esses últimos. Nesses casos, o professor pode interromper, momentaneamente, o desenvolvimento de seu plano de aula e utilizar os aplicativos para dar feedbacks aos estudantes. Muitas vezes, esses feedbacks provocavam novas falas autorais dos estudantes e novas demandas de manipulação dos aplicativos que estendiam as interações discursivas entre o professor e os estudantes durante um período considerável das aulas. Terminadas essas interações, vimos que os aplicativos permitiam rápidas mudanças de configuração a partir das quais o plano de aula original era retomado pelo professor. Dito de outra forma, vimos que o professor

soube aproveitar as potencialidades do aplicativo para tornar as aulas mais dialógicas e, assim, aumentar a participação dos estudantes, sem prejuízo do cumprimento do tratamento dos tópicos de conteúdo que compunham seu plano de ensino.

Somam-se a essa potencialidade outras duas: (i) a facilidade de realização de medidas em experimentos virtuais realizados com os aplicativos, como, por exemplo, as medidas de distância e tempo feitas com réguas e cronômetros virtuais no aplicativo Onda em

corda; (ii) a oferta de recursos como pausa e avanço passo a passo que permitem

explicitar aspectos das ondas dificilmente observáveis em experimentos reais que não tenham sido registrados em vídeo. Embora os dados apresentados no capítulo 5 estejam restritos a um único aplicativo - Ondas em corda – tanto as observações que compõem a nossa macroanálise, quanto nossa própria experiência com simulações e laboratórios virtuais, nos autorizam a atribuir as mesmas potencialidades a muitos outros aplicativos usados no Ensino de Física. Essas potencialidades estão associadas às características dos próprios aplicativos, mas dependem também das escolhas dos professores ao utilizá-los. Em outras palavras, a manifestação dessas potencialidades em ações mediadas concretamente realizadas em sala de aula depende da orientação pedagógica do professor, do interesse dos estudantes pelo tema em pauta, dentre outros fatores.

No caso específico do aplicativo Ondas na Corda, nós verificamos que ele não permite: (i) a representação de pulsos longitudinais; (ii) a alteração da densidade linear da corda; (iii) a visualização de ondas estacionárias como o resultado da superposição de pulsos. Essas limitações levaram o professor a recorrer a outros aplicativos de computador, vídeos, experimentos reais, etc., tendo em vista sua intenção de ampliar o conhecimento dos estudantes em relação aos fenômenos ondulatórios. Essas três limitações desse aplicativo foram identificadas no capítulo 5 desta tese e estão associadas a dois fatores: às características do software; às intenções retóricas do professor que orientaram sua utilização em sala de aula. Outros aplicativos, cuja utilização compõe nossos registros em áudio e vídeo da sequência de ensino, e que são mencionados no capítulo 4 desta tese, podem ter mapeadas suas próprias limitações, também associadas aos mesmos dois fatores mencionados acima.

Em relação à quarta questão de pesquisa, constatamos que o professor mediou a interação dos estudantes com os aplicativos por meio de um amplo repertório de modos de comunicação, tais como fala, gestos, comportamento proxêmico, interações com

imagens e inscrições no quadro. A linguagem verbal raramente apareceu isolada dos demais modos de comunicação. Essa constatação coincide com a apresentada em outros trabalhos que também assinalam o caráter multimodal da comunicação nas salas de aula de ciências (LEMKE, 1998; KRESS et al., 2001; PICCININI & MARTINS, 2004; CAPPELLE, 2014; FERRY, 2016).

Nos três segmentos em que o professor utilizou o aplicativo Onda em corda, os modos de comunicação gestuais foram importantes, tanto nas situações nas quais ele explicou os significados das inscrições e comandos presentes na tela do aplicativo, quanto naquelas em que ele interagiu com as imagens projetadas no quadro para interpretar, junto aos alunos, os fenômenos ali representados. Esses modos foram empregados de forma redundante ao modo verbal, como um recurso retórico por meio do qual o professor enfatizou ideias e conceitos expressos verbalmente, mas também foram orquestrados com o modo verbal para dar um sentido específico a falas lacunares ou que contêm termos mal empregados (por exemplo, quando o professor utiliza a palavra direção como sinônimo de sentido).

Em relação aos tipos de gestos produzidos pelo professor nos segmentos de aulas analisados no capítulo 5, verificamos que os gestos representacionais de ação e de modelagem foram muito recorrentes. A preferência por esses tipos de gestos nos remete à especialização funcional que podemos atribuir a eles. Os pulsos transversais e as ondas periódicas são fenômenos dinâmicos. Eles são constituídos por movimentos verticais, associados à oscilação do meio, bem como a movimentos horizontais, relacionados à propagação da energia. Gestos representacionais de ação comunicam melhor essas ideias, uma vez que, por meio deles, podemos reproduzir, simultaneamente, tais movimentos. Por outro lado, gestos de modelagem são mais indicados para comunicar conceitos como crista, vale e amplitude. A combinação desses dois tipos de gestos mostrou-se eficaz para representar fenômenos como a propagação, a reflexão ou a superposição de pulsos. A esse respeito, embora nós não tenhamos dados relativos à compreensão dos estudantes sobre essas combinações de gestos, nós pudemos observar diversas ocasiões nas quais eles se manifestaram quando não compreenderam o que o professor estava a lhes dizer. Sendo assim, pudemos interpretar a ausência desse tipo de manifestação como um indício de atos de comunicação bem sucedidos.

A interação com imagens, como era de se esperar, foi outro modo de comunicação muito utilizado pelo professor para mediar a interação dos estudantes com o aplicativo

Onda em corda. Além de interagir com as imagens por meio de gestos, o professor

também produziu inscrições à caneta sobre a lousa, que foram sobrepostas às imagens da tela do aplicativo projetadas no quadro. Com tais inscrições, o professor pôde: (i) acrescentar informações; (ii) destacar pontos da corda a serem observados pelos estudantes.

Os resultados de nossas análises, reunidos sinteticamente nesta seção, nos permitem afirmar que há nessa sala de aula um grande investimento na dimensão fenomenológica da Física escolar. Os conceitos e modelos são apresentados no contexto de exploração de diferentes fenômenos, quer seja por meio de aplicativos ou de artefatos para experimentos. Nesse sentido, os conceitos e modelos são caracterizados como ferramentas, como mediações para o entendimento dos fenômenos e não como objetos últimos da atividade de ensino para as quais os experimentos reais ou virtuais servem de ilustração.