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ENTREVISTA BIOGRÁFICA

5. CAPÍTULO 4 POSSIBILIDADES DE ANÁLISE DAS TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS POR MEIO DA ENTREVISTA

5.1.1 O momento da escolha profissional

A escolha profissional está permeada por questões que ultrapassam a vontade, afinidade ou mesmo a polêmica em torno da chamada vocação.140 Os condicionantes socioculturais, bem como os econômicos, exercem forte influência sobre as escolhas e destinos profissionais (ZAGO, 2006; BOURDIEU e PASSERON, 2009a; MARTINEZ; VILLA; SEOANE 2009; VALLE (2010; RUSCHEL e VALLE, 2010; POULLAOUEC, 2010).

Em nossa amostra, temos exemplos de escolhas profissionais delineadas por influências familiares e de amigos próximos, cujo contorno socioeconômico aparece respaldado pelo capital educacional e cultural adquirido no meio social no qual os entrevistados estavam/estão inseridos.

Bianchetti (1996) afirma que há fatores de ordem psicossocial que interferem e/ou determinam a escolha – possível – da profissão, tais como, desejos projetados por pessoas próximas, novas tendências enaltecidas pelos meios de comunicação de massas, além do próprio sistema educacional. O autor adverte que o sistema recruta e organiza seus agentes de produção, em termos socioeconômicos. E conclui que “embora a escolha seja feita pelo indivíduo, ela representa apenas o filtro de um quadro de referência sócioeconômica e cultural historicamente determinado.” (p.86)

Como lembra Zago (2006, p. 232),

falar globalmente de escolha significa ocultar questões centrais como a condição social, cultural e econômica da família e o histórico de escolarização do candidato. Para a grande maioria não existe verdadeiramente uma escolha, mas uma

140 Segundo Levenfus (1993), para o jovem é difícil escolher a profissão quando

ele ainda vivencia crises e conflitos típicos da adolescência. A situação torna-se pior ainda quando a sociedade estipula que a escolha profissional seja obrigatoriamente ao fim do ensino médio quando o adolescente se encontra no estágio de suspensão – não está nem na infância e nem na idade adulta – e não possui o auto-conhecimento e a maturidade necessárias para a escolha propriamente dita. Soares (2002, p. 68) aponta ainda uma contradição social da qual todos estão à mercê: “se o jovem, de um lado, é estimulado pela sociedade e pela família a fazer um curso superior, por outro, essa mesma sociedade, por meio do Estado e do sistema educacional oferecido, não dá condições a todos de cursá-lo”.

julga condizentes com sua realidade e que representam menor risco de exclusão. (...) os estudantes de origem popular dificilmente se aventuram fora do seu meio de origem. Mas a correspondência entre a condição social e a escolha pela carreira é tendencial, e não absoluta. Pochmann (2005a) identifica que em países desenvolvidos, como, por exemplo, a Alemanha, de cada dez jovens de 15 a 24 anos de idade apenas um está no mercado de trabalho e nove estão estudando. No Brasil a situação é muito diferente: de cada 10 jovens desta mesma faixa etária, entre seis e sete estão tentando conciliar trabalho e escolarização. Dos 34 milhões de jovens que havia em 2005 com idade entre 15 e 24 anos, a metade, isto é, 17 milhões estudavam. E desse universo que estuda, dois terços estão fora da série correspondente à faixa etária, ou seja, jovens com 18 anos na primeira, na terceira ou quarta série do Ensino Fundamental.

Segundo dados do IBGE (2009), dos jovens com idade entre 18 e 24 anos, 14,7 estudavam, 15,6% trabalhavam e estudavam e 46,7% somente trabalhavam, dados estes que evidenciam a tendência de abandono dos estudos para grande parte da população juvenil brasileira.

Pochmann (2005a) afirma ser importante ter claro que não há saída para todos os jovens, via educação, se o país não voltar a crescer economicamente em ramos cujo valor agregado é alto, como por exemplo, no da inovação tecnológica. Segundo seu entendimento, a educação continua sendo cada vez mais necessária, mas ela é insuficiente para garantir emprego. Inclusive, porque é evidente o crescimento do desemprego entre os jovens de maior escolaridade.141

Castel (2006) adverte que a partir da fetichização do currículo, o estabelecimento direto entre nível de escolarização e qualidade do trabalho/emprego142 mascara a condição sine qua non do capitalismo, ou

141 Segundo Pochman (2005a), em São Paulo, para cada desempregado

analfabeto, existem três desempregados de nível universitário, fato este que dimensiona a vulnerabilidade de jovens cujo grau de escolaridade não possibilita a ampliação de oportunidades laborais, muitas vezes decorrente da inexperiência profissional, tal como apontam estudos franceses. Para detalhes, cf. Lefresne (2003) e Rose (1998).

142 Optamos por apresentar os termos desta maneira como forma de

apresentação. No entanto, ao contrário do que se manifesta no senso comum, consideramos os termos distintos. O primeiro configura a condição ontológica

estamos submetidos e consequência direta da contradição trabalho versus capital. Como alerta o autor, “pensando assim, corre-se, então, o risco de desembocar, mais do que numa redução do desemprego, numa elevação do nível de qualificação dos desempregados” (p. 521).

Em nossa pesquisa, a escolha guiada pela diminuição de riscos de exclusão não aparece de maneira destacada, talvez por tratar-se de uma amostra cujo grau de escolaridade, medida em anos de estudo, abrange uma ínfima parcela da população brasileira. No entanto, a presença de egressos, cuja escolha da profissão foi pautada em tentativas frustradas de ingresso em outro curso de formação denota novas possibilidades e oportunidades diversificadas de atuação profissional, mas não caracterizadas necessariamente como escolhas pautadas em riscos diminuídos de exclusão, como aponta Zago (2006). Os depoimentos a seguir ilustram este argumento:

Gostava de escrever e queria alguma coisa relacionada a isso. E achei que Jornalismo seria uma boa. Eu gostava também de algumas licenciaturas como História e Filosofia. Mas achei que ia me encontrar melhor no Jornalismo. Enfim, não passei. Na outra inscrição, fui pensando melhor.143 (Ana, Doutoranda em Educação e Professora de Educação Infantil no NDI/UFSC).

Naquela época minha escolha era Biologia, muito por influência dos professores legais que tive. Acho que minha moradia em um sítio também pode ter contribuído. Meu pai [Professor de Enfermagem] falava sobre natureza, agronomia, veterinária. Minha mãe [Professora de Enfermagem] tentava não influenciar na decisão. Eu talvez quisesse achar um meio termo. Tanto que, quando entrei nas Ciências Sociais, minha segunda opção, eu queria trabalhar com as temáticas sócio-ambientais, depois fui descobrindo outros temas e não me via mais

do ser social, tal como justifica Lúkacs (1979) e o segundo, remete ao trabalho regulamentado pela CLT.

Sociais, Antropólogo da FUNAI).

Algumas dos depoimentos de nossos entrevistados exemplificam empiricamente o extremo oposto do que Zago (2006) sustenta, respaldados por uma condição sociocultural, além de condicionantes econômicos que permitiam uma escolha mais livre.

Eu tinha 17 anos quando prestei vestibular e ingressei na faculdade. Não me recordo exatamente quais os motivos que me levaram à área da saúde. Certamente, as boas perspectivas e influências de pessoas conhecidas foram importantes. Como já mencionei, não tive nenhuma influência direta familiar, apenas amigos e conhecidos. Na época do vestibular, fiquei em dúvida entre Odontologia e Medicina e optei pela primeira, entre outros motivos de menor relevância, pela maior liberdade de horários. Eu tinha amigos, filhos de médicos, que relatavam a rotina complicada dos médicos em relação a emergências, plantões, entre outros. Tinha conhecido dentistas que geraram uma admiração pela profissão. O fato de a Odontologia ser uma profissão da área de saúde, que, na época, parecia ter boas perspectivas, pesou. Outra coisa foi a possibilidade de planejamento de horários e ausência de tantos imprevistos e emergências, que é possível em muitas especialidades da Odontologia e não em diversas áreas médicas, por exemplo. (André, Dr.

em Dentística e Prof. na UnB).145

Fui para os Estados Unidos, e lá o pessoal falava sobre Biologia, sobre a profissão. Eu via entrevista de muitos biólogos na televisão, era uma profissão muito valorizada. Vi que eu gostava de Ciências, mas nunca tinha parado para pensar que alguém era biólogo. Até ir morar lá, eu nem sabia dessa profissão. E aqui em casa ninguém sabia dessa profissão. Daí eu estudei Genética e gostei do negócio. Resolvi ficar na Biologia mesmo e foi uma boa escolha. O curso é

144 Entrevista cedida à pesquisadora em 24.05.2010. 145 Entrevista cedida à pesquisadora em 24.06.2010.

E também eu trabalhei na França em Aquário lacustre e vi que gostava mesmo de trabalhar com Biologia Marinha. [...] O meu pai [Engenheiro Civil] também estava fazendo doutorado na área de meio ambiente, desenvolvimento sustentável e ele falava sobre esses assuntos. Eu comecei a gostar e vi o que tinha de oportunidade no mercado de trabalho. A outra área que eu também gostava, que era comportamento e neurologia, era muito acadêmico e difícil de conseguir trabalho. Como eu gostava de meio ambiente, resolvi tentar essa área e acabei gostando. (Nina, Ms. em Eng. Ambiental e Analista de Infra-estrutura de Recursos Hídricos, no Ministério do Planejamento).

Não por acaso, os depoimentos que melhor ilustram as experiências mais significativas em termos de influências na escolha profissional são de profissionais cujas áreas de formação em nível de graduação e/ou pós-graduação, constroem no imaginário social, a imagem de profissões privilegiadas, com status social diferenciado. Outro dado que corrobora esta evidência é o grau de escolaridade ou a profissão dos pais destes entrevistados: todos são filhos de profissionais com formação universitária, sendo que ao menos um dos pais tem/teve experiência em docência universitária. Fato este que em certa medida externaliza a reprodução apontada por Bourdieu (2009), principalmente no que tange à composição de capital educacional, cultural, social e econômico.

É interessante notar também que quanto maior é o grau de escolaridade e, portanto quanto mais anos de estudo os indivíduos acumulam em suas trajetórias, mais difícil parece ser a presença de escolhas de cursos de pós-graduação guiadas por menores riscos de exclusão. Vale dizer que isto não significa que a vivência da pós- graduação e a concomitante ou conseqüente inserção no mercado de trabalho não apresente características de precarização das condições laborais.