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NOVAS QUALIFICAÇÕES, VELHAS DEMANDAS: A MATERIALIDADE DO TRABALHO IMATERIAL

ENTREVISTA BIOGRÁFICA

3. CAPÍTULO 2 – FORMAÇÃO E INSERÇÃO PROFISSIONAL NO MERCADO DE TRABALHO

3.4 NOVAS QUALIFICAÇÕES, VELHAS DEMANDAS: A MATERIALIDADE DO TRABALHO IMATERIAL

Amorim (2009) afirma que há bastante polêmica entre os estudos marxistas a respeito da esperança depositada no trabalho imaterial101

101 Um debate seminal entre estudiosos que discutem o trabalho imaterial centra-

se sobre a sua própria definição, ou seja, se a condição imaterial diz respeito ao tipo de trabalho realizado ou ao seu produto. Para aprofundar o tema, cf. Amorim (2009).

como possibilidade emancipatória da classe trabalhadora, levantada por Marx (e Engels) n’O Manifesto Comunista e posteriormente nos Grundrisse. Segundo o entendimento de Amorim (op.cit.), Marx, na sua concepção datada, acreditava ser possível a superação do capitalismo, como relação social, impulsionada por uma classe revolucionária, com alto grau de qualificação, propensa a desenvolver inovações tecnológicas com base em ciência aplicada a fim de liberar o ser humano do trabalho assalariado.

O trabalho imaterial, uma vez que estaria descolado do tempo como medida de valor da mercadoria produzida, alavancaria um processo emancipatório como forma de atenuar o sofrimento do trabalho repetitivo, desgastante e empobrecido.

Dado que o termo trabalho imaterial evoca um conjunto de fatores intrinsecamente relacionados, Amorim (2009), tomando por base os debates levantados principalmente por Gorz, Negri e Lazzarato, preocupa-se em elencar os principais fenômenos presentes na sua caracterização a fim de auxiliar na compreensão de sua abrangência. Segundo Amorim (op.cit.), a noção de trabalho imaterial expressa: a) um novo formato produtivista, baseado em informação, conhecimentos e automação que demanda; b) uma força de trabalho com um tipo específico de qualificação técnica, cognitiva e comportamental; c) o que por sua vez põe em xeque a separação entre trabalho de concepção e execução; d) e que questiona o caráter ‘intangível’ da produção de bens e serviços.

Diante destas prerrogativas, percebemos que, no atual estágio de acumulação capitalista, prepondera a subsunção formal-intelectual do trabalho pelo capital. O que é passível de verificação empírica é o fato de que, dado o avanço das forças produtivas, a possibilidade da emancipação humana viabilizada por um projeto revolucionário de um novo proletário qualificado102, no qual o trabalho imaterial teria destaque, devido ao avanço da ciência e tecnologia, não se efetivou. Pelo contrário, a apropriação do trabalho imaterial, vale dizer, deu-se de maneira atravessada, muitas vezes materializado na forma de conhecimento sistematizado com vistas a incrementar as forças produtivas do capital. Como lembra Antunes (2002, p. 122),

102 Braverman (1977, p. 31) magistralmente salienta que “o termo ‘classe

trabalhadora’[...] jamais delineou rigorosamente um determinado conjunto de pessoas, mas foi antes uma expressão para um processo social em curso.”

[...] prisioneira da necessidade de subordinar-se aos imperativos do processo de criação de valores de troca, a ciência não pode converter-se em “principal força produtiva”, em ciência e tecnologia independentes [...]. O conhecimento social gerado pelo progresso científico tem seu objetivo restringido pela lógica da reprodução do capital. [...] A ciência encontra-se tolhida em seu desenvolvimento pela base material das relações entre capital e trabalho, a qual ela não pode superar.

Neste sentido, a ciência e a técnica sistematizadas por trabalhadores qualificados, polivalentes e flexíveis (de acordo com os ditames de um modelo toyotizado de produção) evidenciam que a forma da ‘mercadoria’ conhecimento assume corporificação até mesmo no trabalho manual realizado pelo operário, dada a necessidade dele incorporar uma dimensão mais intelectual e comportamental ao seu fazer diário, independentemente do setor industrial no qual esteja lotado. Ainda segundo Antunes (2002, p. 124):

A principal mutação no interior do processo de produção de capital na fábrica toyotizada e flexível [...] encontra-se [...] na interação crescente entre trabalho e ciência, trabalho material e imaterial, elementos fundamentais no mundo produtivo (industrial e de serviços) contemporâneo.

Mais adiante, o autor (op.cit., p. 124) esclarece que tal interação crescente entre trabalho e ciência, trabalho material e imaterial leva a uma situação na qual,

pelo desenvolvimento dos softwares, a máquina informacional passa a desempenhar atividades próprias da inteligência humana. Dá-se então um processo de objetivação das atividades cerebrais na maquinaria, de transferência do saber intelectual e cognitivo da classe trabalhadora para a maquinaria informatizada.

Bianchetti (2001) exemplifica o acima exposto ao debruçar-se sobre o processo de mudança nas qualificações demandadas com a introdução de uma nova base tecnológica. Na virada da década de 1990 à de 2000, época da introdução mais intensa e veloz de tecnologia

digital em substituição àquela de base analógica no setor de telecomunicações, o autor verifica que o conhecimento tácito antes necessário ao trabalhador que operava as máquinas é subsumido e materializado, não raramente em softwares, e considerado ´mal visto´103 na execução das tarefas cotidianas. Segundo o autor (op.cit., p. 85):

Na passagem da tecnologia analógica à digital, todos, por disposição própria ou por outros meios, foram levados a abdicar dessa qualificação e induzidos a construir outra, com base em novos parâmetros. Esta posição é tão forte que, no decorrer das entrevistas, muitos dirigentes e engenheiros se referiram à qualificação adequada para atuar com tecnologia analógica como sendo um ‘vício’ do qual o operador precisa se desfazer. Deste modo, todo o movimento de educação continuada ou até mesmo de cursos de capacitação baseados numa pedagogia customizada104 (Bianchetti, 1998) em consonância com a necessidade do empresariado serve a um único propósito: incorporação do conhecimento (técnico e tácito) com vistas a aumentar a eficácia e eficiência do processo produtivo. Segundo as palavras de Bianchetti (2001, p. 186),

[...] os empresários passaram a se preocupar em descobrir quais eram as contribuições que os trabalhadores poderiam trazer para o processo produtivo e como essas mesmas contribuições poderiam ser melhor aproveitadas, visando a

103

Ainda segundo o autor, alguns gerentes entrevistados expressavam sua preferência por contratar operadores que não tivessem construído sua qualificação em equipamentos analógicos ou, que não tivessem tido contato com esses equipamentos e/ou processos. Por isso sua disposição em contratar operadores mais jovens, já formados na ambiência digital. Os contratantes consideravam que, mesmo afirmado que não apelariam para conhecimentos analógicos, trabalhadores experientes e com vivência e qualificação nesta tecnologia, teriam ´recaídas´ quando tivessem que atuar na ambiência ou com soft/hardware (digitais). E reforçavam a grande diferença entre as duas tecnologias: a analógica demanda a mediação dos sentidos para a execução de uma tarefa e longo tempo de permanência em um mesmo posto de trabalho; a digital exige capacidade de abstração, pouco importando o tempo de trabalho.

104 Trata-se de um neologismo a partir da palavra de origem inglesa customer,

que significa cliente e que faz alusão à uma pedagogia de acordo com a demanda.

melhoria dos produtos/serviços e o aumento da produtividade. [...] Se durante muito tempo sucumbiram à vã busca de concretizar o one best

way taylorista, determinando como, quando e em

quanto tempo executar operações, agora, além de reconhecerem a importância dos saberes tácitos, vêem neles a principal possibilidade de continuar dinamizando o processo produtivo. [...] A implementação de estratégias de participação dos trabalhadores está na base da busca de cooperação deles na identificação e transferência dos saberes para as máquinas.

Diante deste cenário, tal como esclarece Braverman (1977), é necessário perceber para além das aparências

como é tratada a relação entre o capital como uma forma social e o modo capitalista de produção como uma organização técnica. Dentro dos limites históricos e analíticos do capitalismo, de acordo com a análise de Marx, a tecnologia em vez de simplesmente produzir relações sociais é produzida pelas relações sociais representadas pelo capital. (p. 28, destaque do autor)

E neste sentido, a ciência desenvolvida nos laboratórios universitários expressa a apropriação do conhecimento produzido numa relação social específica, em um tempo-espaço datado. De acordo com a análise de Amorim (2009), as abordagens teóricas que pautam suas discussões acerca do trabalho imaterial como se este possibilitasse uma espécie de revival do fazer do artesão por meio do resgate do controle do processo de trabalho, mostram-se equivocadas.

Na medida em que o paradigma produtivista de base taylorista- fordista não foi totalmente superado105, pela impossibilidade de aprimoramento das mudanças tecnológicas e organizacionais com vistas a satisfazer a necessidade dos trabalhadores e pelo hibridismo de atividades manuais e intelectuais no trabalho, dada a relação social estabelecida e o estágio de desenvolvimento alcançado, todo o projeto emancipatório cujos preceitos básicos primavam pela reapropriação do savoir-faire e a consequente retomada do controle sobre o processo de

105 Carvalho e Schmitz (1990), Hirata (2002) e Alves (2007) fazem uma

discussão bastante aprofundada sobre o hibridismo dos padrões produtivistas vigentes na contemporaneidade.

trabalho esvaneceu-se.Sendo assim, a formação universitária expressa a mesma lógica da produção capitalista mundializada e internacionalizada - vide Processo de Bologna106 - na qual o nexo do setor industrial imprime suas marcas tal como as empresas maquiladoras do México107, onde a formação outrora universalizante mostra-se parcializada, fragmentada e pulverizada, de acordo com a necessidade de reprodução do capital.

106

A entrevista concedida pelo Dr. Josef Blanch, professor titular de psicologia social na Universidade Autônoma de Barcelona é bastante ilustrativa sobre este tema. Para detalhes cf. Bianchetti (2010).

107

Termo que se refere às empresas de montagem e acabamento de produtos para exportação, que utiliza mão-de-obra barata e que emergiram no México em 1965 e ganharam força nos anos 1990, resultante de um acordo do NAFTA que previa a eliminação das alíquotas de importação. As indústrias maquiadoras são na maioria dos setores eletroeletrônicos (Cânon, Casio, Kodak, Ericsson, Hewlett Packard, IBM, Motorola, General Eletric, Philips, Samsung, Sanyo, Sony) e automotivo (BMW, Ford, General Motors, Honda). Segundo Nadal (2009), as indústrias maquiladoras do México traziam produtos, peças e componentes, importando-os sobretudo do mercado asiático e montavam-nas no México com isenção de impostos de importação para em seguida, colocar esses produtos no mercado americano ou em outros países onde os preços fossem competitivos. No final de 1994 as empresas desta natureza já somavam mais de duas mil que em princípio se concentraram na região de Guadalajara e depois espalharam-se por todo o território mexicano. Em 1998, o Decreto para a Fomentação e Operação da Indústria Maquiladora serviu de novo impulso e outras mil empresas do gênero foram instaladas no México. Mas segundo o jornalista, “a indústria eletrônica maquiladora não se recuperou e não concretizou o sonho de construir um complexo industrial com capacidades tecnológicas endógenas.” Isto se explica uma vez que o valor agregado na produção destas peças é baixo, a rede de proteção social garantida pelo Estado que abriga as empresas maquiladoras está desmantelada e os grandes conglomerados migraram a partir do final dos anos 1990 para os países asiáticos, onde a exploração acontece em progressão geométrica, desde então..

4. CAPÍTULO 3 ESCOLHA METODOLÓGICA: